Quando se lê os relatos “ocidentais” sobre a crise dos mísseis, ocorrida quando a antiga União Soviética, liderada então por Nikita Khrushchev, fez um acordo com Cuba e tentou instalar naquela ilha caribenha uma ou mais bases para lançamento de mísseis, fica apontado como inaceitável essa posição belicista dos russos. Onde já se viu tentar levar, “de forma tão covarde”, vantagem sobre o poderio militar dos EUA, com mísseis colocados no seu quintal? Não é relatado, contudo, que o inverso já acontecera. Os norte-americanos haviam posto armas nucleares suas tanto na Turquia quanto na Itália, o que permitiria chegar até o solo inimigo em poucos minutos. Os soviéticos, no entanto, mesmo tendo tanta força quanto seus opositores, no caso de um confronto poderiam apenas retaliar os aliados existentes na Europa, como Inglaterra, França e outros países. A falta de mísseis balísticos intercontinentais não iria permitir que suas bombas atingissem a América.
Estávamos no ano de 1962. Estudos secretos existentes no Pentágono chegam a sugerir que tal possibilidade não era de todo inaceitável. Afinal, o seu território continuaria preservado. A União Soviética, ao contrário, estaria aniquilada e o preço a pagar por isso seria acontecer o mesmo com a Europa. E essa depois, conforme interesses e necessidades, poderia ter sua reconstrução financiada, a exemplo do que já ocorrera em parte, após a Segunda Guerra Mundial. Assim, as bases em Cuba estavam sendo propostas apenas como forma de “empatar” a disputa política internacional, tornando desinteressante para ambos os lados qualquer hipótese de confronto. E isso estava passando despercebido, numa época em que não haviam recursos tecnológicos mais avançados, com satélites vigiando a tudo e a todos. Foi assim até o momento em que um avião, entre tantos que faziam voos regulares de espionagem sobre o território cubano, conseguiu fotos que mostravam mísseis que já haviam chegado. Se iniciavam os 13 dias mais tensos do período que se denominou de Guerra Fria.
Por ordem do presidente John Kennedy, 11 destróieres e o porta-aviões USS Randolph foram deslocados para as proximidades de Cuba, prontos para ataque, sendo a linha de frente de uma possível invasão ao país caribenho. Nas proximidades se encontrava o submarino nuclear soviético B-59, da classe Foxtrot, que foi avistado antes de mergulhar. Os norte-americanos passaram então a caçar o inimigo, atirando cargas explosivas ao mar, para forçar que viesse à tona. Não tiveram sucesso, devido à profundidade muito grande por ele alcançada. Mas isso se tornou um problema que quase desencadeou um conflito nuclear. Sem ter condições de comunicação com Moscou, do fundo do Atlântico, os militares soviéticos não sabiam o que estava acontecendo e assim ficaram por vários dias. Sendo prevista uma situação como essa durante uma eventual guerra, os comandantes tinham autorização para que uma decisão de ataque fosse tomada por eles próprios, sem intervenção dos superiores. Isso teria que ser, no entanto, a partir de posição unânime de todos os oficiais a bordo.
Com sinais de rádio muito fracos e eventuais, apenas de transmissões oriundas dos EUA, os soviéticos acreditavam que já estava ocorrendo a guerra. E se prepararam para aniquilar a frota norte-americana, o que seria tranquilamente possível com seus mísseis nucleares. Os oficiais se reuniram e firmaram posição sobre isso, com as providências prévias todas tomadas, faltando apenas o disparo final. Todos menos um: Vasili Alexandrovich Arkhipov. Ele não se convencia e exigiu que fossem até a superfície, para confirmar se havia ou não um conflito em andamento. Muito contrariados, os demais não tiveram outra opção a não ser concordarem, mesmo havendo relatos não comprovados de que isso se deu após ter havido não apenas troca de palavras ríspidas, como também de socos. Na superfície, constataram que o mundo continuava como antes. Nenhum dos dois lados havia disparado contra o outro. Mas, tivessem eles feito isso, a Terceira Guerra Mundial teria, sem sombra de dúvida, iniciado. Com o estopim aceso, nada mais impediria retaliação após retaliação, com perda de milhões de vidas humanas. Com contato reestabelecido com sua base, voltaram para casa.
Em 28 de outubro daquele ano um acordo foi firmado, colocando fim à crise. Mas, a situação extrema teve pelo menos três consequências: foi estabelecida uma linha direta de comunicação telefônica entre Moscou e Washington a partir de então, para soluções rápidas de quaisquer impasses; os mísseis dos EUA foram retirados da Turquia em troca do mesmo ser feito em Cuba; e começaram discussões bilaterais para redução dos armamentos nucleares. Entretanto, ambos os lados prosseguiram tendo arsenais fortes o suficiente para destruir o planeta mais de uma vez. E a tecnologia foi desenvolvida para garantir alcance muito maior dos mísseis, que agora podem ir de um lado ao outro da Terra, sem ser necessária a anterior proximidade geográfica para disparo. Ou seja, a lição foi aprendida, mas não tanto.
Arkhipov por bom tempo foi visto por muitos em seu país com grande desconfiança, como alguém sem a coragem necessária para levar a termo uma decisão drástica. Entretanto, quem pensava assim esquecia que devia a ele, provavelmente, a sua própria sobrevivência. Seguiu na marinha soviética até 1980, quando se aposentou. E morreu em 1998.
09.07.2021

O bônus de hoje é uma música russa contemporânea, apresentada pelo grupo Otaba Yo. Ele foi formado em 2003, na cidade de São Petersburgo, depois de três anos de experiência de seus componentes como artistas de rua. Na verdade, apenas um deles tinha conhecimento musical anterior. Já levaram seu folk rock para mais de 30 países. A canção deste clip é Про Ивана (Sobre Ivan), num ritmo groove.
No conocía este personaje ( Arkhipov), he tenido que buscarlo en la wikipedia. Una prueba más de lo necesarios que son los hombres de voluntad inquebrantable. Gracias por la historia, un afectuoso saludo.
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A história da humanidade está repleta de heróis improváveis. Agradeço por sua leitura e comentário. Saudações afetuosas!
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