Para começo de conversa, um vírus nem sequer é um ser vivo. Nenhum deles possui estrutura celular. São apenas uma espécie de invólucro que carrega uma informação genética no seu interior. Sendo mais explícito e usando as denominações rigorosas da biologia, são o somatório de um ácido nucleico e um envoltório feito de proteínas que é chamado de capsídeo. Eles são incapazes de se reproduzir, a não ser quando adentram em um organismo mais complexo, como parasitas que são. Sem metabolismo próprio, depois que conseguem abrir e penetrar numa célula é que se multiplicam – o termo correto é ciclo de replicação –, usando para isso a capacidade que a invadida possui. Portanto, a partir dessa informação já se sabe que contra todo e qualquer vírus não adianta usar antibióticos. A estrutura da palavra informa o que fazem esses remédios: anti é contra e bio é uma referência à vida. Mas como matar algo que não é vivo?

Simplesmente não se mata. O que se faz é ensinar o organismo da pessoa infectada a identificar e combater o invasor, antes que ele se aproprie de células do seu hospedeiro involuntário. Essa defesa já existe naturalmente: trata-se do nosso sistema imunológico. Por isso são iniciativas muito importantes os cuidados com alimentação adequada, exercícios físicos regulares e repouso, entre outras providências que deveriam ser rotineiras para todos. Mesmo assim, muitas vezes a defesa interna é insuficiente ou mesmo inoperante, diante de um agressor novo e desconhecido, além de excepcionalmente forte. Nessas ocasiões pesam e entram em campo a imponderável condição genética da pessoa e até mesmo uma dose de sorte. Porque a carga viral pode ser grande ou menor, dependendo da circunstância na qual aconteceu o contágio. Também precisa ser considerada a cepa do vírus, porque ele vai sofrendo mutações adaptativas constantes e a agressividade de cada uma delas é diferente.

Diante dessa situação, surge o auxílio essencial da ciência, com a criação de vacinas. Essas são um modo de acelerar as defesas naturais. Quando inoculadas, preparam um verdadeiro exército que fica pronto para enfrentar com maior antecedência e muito mais rigor os invasores que ousarem buscar a contaminação da qual necessitam, para a sua reprodução. É isso que se faz há anos, no combate a várias doenças, como catapora (vírus Varicela-Zoster), caxumba (Paramyxovirus), diarreia grave (Rotavírus), febre amarela (Flavivírus), poliomielite (Poliovírus), rubéola (vírus Togaviridae), gripe (vírus Influenza) e algumas outras, como as hepatites e o sarampo. Também existem vacinas que previnem contra doenças causadas por bacilos e bactérias como difteria, coqueluche, tétano e tuberculose. Esses dois são organismos vivos e dez mil vezes maiores do que um vírus.

Diante do exposto, fica evidente que a tentativa de convencimento das pessoas para o uso de um tal “tratamento precoce” para a Covid-19, que é um vírus – agora seu nome foi estrategicamente alterado para “tratamento imediato”, para fugir ao que seus defensores estão dizendo tratar-se de uma estigmatização – é um equívoco que nasce do desconhecimento ou da má fé. Essa defesa no mínimo parte da certeza de que as pessoas em sua maioria não sabem nem mesmo o que seja um vírus. Confiando no desconhecimento da verdade plantam algo irreal. A humanidade convive com doenças virais há séculos e não existe nem um único medicamento que combata quaisquer delas antecipadamente. Nem a mais conhecida de todas, que é a gripe. O que comprimidos, xaropes, pastilhas e outros que tais conseguem é amenizar sintomas, deixando que o organismo resolva a situação com menos sofrimento, com um menor mal-estar do tipo coriza, febre ou espirros. Ou ela é evitada por uma vacina ou nos deixa quando o ciclo normal se completa no nosso corpo.

No caso da Covid-19, que pode ser letal, o kit que vem sendo oferecido, de forma totalmente irresponsável, nem isso consegue fazer. Ele apenas mascara a situação, dando uma falsa impressão de segurança que pode resultar em busca de ajuda tardia e em internações com ainda menor chance de sucesso e sobrevivência. Sem falar nos efeitos colaterais da medicação: estão crescendo de forma assustadora, por exemplo, o número de intoxicações e comprometimentos hepáticos entre pacientes consumidores de Ivermectina. Esse medicamento é indicado para o combate de vermes, apenas isso. E seu uso indiscriminado pode causar perda de apetite, náusea, vômitos, fraqueza generalizada, inchaço nos olhos e até hepatite medicamentosa, com resultado muito grave, exigindo internação hospitalar. 

Também são sérios os efeitos indesejados causados por Azitromicina (distúrbios no sistema sanguíneo e linfático), Hidroxicloroquina (anorexia, dores abdominais e erupções cutâneas), Cloroquina (danos nos olhos e no canal auditivo) e Nitazoxanida (hipertensão, taquicardia, transpiração excessiva, gases e anemia), que foram criadas para outros tratamentos. Quem diz que testes comprovaram sua eficácia contra a Covid-19 ainda não apresentou nenhuma prova científica que comprove isso e nem conseguirá fazer tal coisa. Porque essas comprovações não existem ou são falsas. O único resultado eficaz que todos esses remédios causam é o aumento estratosférico do lucro dos laboratórios que os produzem – duvido que seus proprietários ou mesmo os profissionais envolvidos na produção dos fármacos façam uso direto ou recomendem para seus familiares. E se alguém está sendo comissionado para que essa recomendação seja feita, comete um crime contra a saúde pública. Porque muito pior do que ser inócua, essa receita vai além e é perigosa.

Durante a Peste Negra, que no Século 14 assolou a Europa inteira, os médicos de então recorreram a diversos “tratamentos” absurdos para o seu enfrentamento. Recomendaram esfregar cebolas ou mesmo carne de cobra nos furúnculos que apareciam na pele das pessoas. Também sugeriam que os pacientes sentassem perto de fogueiras e até mesmo usassem fezes para expulsar a doença do corpo. Algum dos de hoje em dia daria as mesmas sugestões? Quando a Gripe Espanhola – que na verdade não se originou na Espanha – causou 50 milhões de mortes no mundo todo, no início do Século 20, “especialistas” indicavam terapias milagrosas, como fórmulas a base de formol, canela e flores de jasmim amarelo. Alguém se arrisca a fazer o mesmo hoje em dia? Seguro é usar sempre máscaras, manter o isolamento social e exigir que as vacinas disponíveis cheguem logo ao Brasil.

19.03.2021

No bônus musical de hoje, Chico Buarque de Holanda e Gilberto Gil cantam a música-tema da série televisiva Sob Pressão: Plantão Covid.

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