Uma das músicas brasileiras mais conhecidas em todo o mundo até hoje foi composta por Zequinha de Abreu, ainda em 1917, ano em que se vivia os combates da Primeira Guerra Mundial e acontecia a Revolução Russa. Mas quando foi tocada pela primeira vez, num baile em Santa Rita do Passa Quatro, cidade natal do compositor, ela tinha um nome diferente daquele que a tornou famosa, anos mais tarde. Tico-Tico no Farelo foi rebatizada em 1931, apenas porque já existia, sem que o autor soubesse, uma outra com o mesmo nome, essa de autoria de Américo Jacomino, o Canhoto, um exímio violonista e concertista nascido em São Paulo.
Extremamente popular, Tico-Tico no Fubá teve inúmeras gravações: Carmen Miranda, Ray Conniff, Pixinguinha, Michel Legrand, Waldir Azevedo, Paco de Lucia, João Bosco, Henry Mancini, Yamandu Costa, Dominguinhos e Orquestra Filarmônica de Berlim, além de pelo menos outros 20 artistas nacionais e internacionais. Embora essencialmente instrumental, ela ganhou letra escrita em parceria por Eurico Barreiros e Aloísio de Oliveira. Também houve uma versão em inglês, essa de Ervin Drake. O ápice da popularidade ocorreu na década de 1940, tendo sido utilizada em seis filmes distintos, todos produzidos em Hollywood. Um deles foi estrelado pela então famosíssima Esther Williams, que antes de se tornar atriz fora campeã de natação e modelo profissional. Outro destaque da música nas telas foi Copacabana, de 1947, no qual Carmen Miranda contracena com Groucho Marx.
José Gomes de Abreu, o Zequinha, além de compositor era ainda um ótimo instrumentista. Tocava flauta, clarinete e requinta, conhecida também como viola braguesa, sendo natural do nordeste de Portugal. Ele foi ainda organizador e regente de bandas e de orquestras em várias localidades no interior de São Paulo. Ganhou destaque maior com seu trabalho com o chorinho, no qual foi realmente um mestre. Com apenas 17 anos já fundara um pequeno grupo musical, que se apresentava em aniversários, saraus, casamentos, bailes e serestas. Além disso, ganhava algum dinheiro nos cinemas, acompanhando a exibição de filmes mudos. Como compositor, além de choro gostava de produzir tangos, foxtrotes, marchinhas e especialmente valsas. A que maior popularidade alcançou foi Branca, de 1918. No ano seguinte, em virtude do falecimento do seu pai, foi morar em São Paulo. Na capital, ganhava a vida tocando piano em cabarés, bailes e também em casas de famílias mais abastadas, além de vender suas partituras. Em 1933 fundou a banda Zequinha de Abreu, que tinha 25 integrantes. Mas isso durou pouco, com sua morte ocorrendo dois anos mais tarde, quando estava com 54. Em 1952 os diretores de cinema Adolfo Celi e Fernando de Barros filmaram Tico-Tico no Fubá, inspirado em sua vida.
Ainda sobre a música, em 2006 ela teve nova regravação, essa feita por Ney Matogrosso, que a incluiu no álbum Batuque. Em 2009 Daniela Mercury fez o mesmo, para seu décimo-terceiro trabalho gravado em estúdio, Canibália. No XV Mundial de Esportes Aquáticos, ocorrido em 2013, na cidade de Barcelona, a seleção brasileira de nado sincronizado a utilizou como tema em sua apresentação. Ela também foi executada na cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, com Roberta Sá.
O nome original de Tico-Tico no Farelo teria sido dado em função do comentário de alguém presente ao primeiro baile onde foi tocada. Disse que a alegria e a movimentação frenética das pessoas dançando lembrava todo o entusiasmo dos pássaros, quando lhe jogavam farelo de milho, para que se alimentassem. Quanto à expressão tico-tico no fubá, ela também é usada, fato que consta em dicionários, para designar popularmente casais que mantêm um relacionamento ao mesmo tempo estável, mas sem maior compromisso, baseado mais em sexo ocasional. Nada ocasional, como vimos no relato, foi e segue sendo o enorme sucesso desta música.
09.03.2021

No bônus musical de hoje, o Duo Siqueira Lima toca, a quatro mãos, Tico-Tico no Fubá.
Obrigada por este excelente artigo Solon! E que dizer dessa melodia! Maravilhoso!
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Adorei. Pude esquecer por alguns minutos a tragédia que vivemos. Teu texto lembrou um Brasil lindo que se perde na luta contra a destruição em curso. A música é linda com estes dois musicistas. Obrigada.
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excelente. Cultura, lazer e entretenimento.
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