Quando eu era criança, perguntei a alguém o que era o Universo. Não lembro para quem foi, mas a resposta objetiva me ajudou em parte. “O universo é tudo. E ele é infinito”. Começou bem, mas precisava mesmo a segunda parte? Abranger tudo era compreensível, o resto não. Pensei um tempão sobre isso e não consegui um entendimento satisfatório. Eu não conhecia nada que não tivesse fim, nem mesmo as brigas com a minha irmã Maria Helena e os temas da escola. Isso terminava, sendo que normalmente acabava bem. Hoje entendo que essa confusão vinha da falta de referência mesmo. Algo sem fim também não tem começo. Falta ainda o antes e o depois, o encima e o embaixo. Se tudo está dentro, não existe o lado de fora. E por aí vai.

Se já não era fácil isso que descrevi, imaginem então quando surgiram teorias que ampliaram essas conceituações. Sobre outras dimensões, universos paralelos e agora, mais recentemente, sobre o que passaram a chamar de multiversos. Estes temas são difundidos popularmente em séries de TV, livros e filmes de ficção científica, além de histórias em quadrinhos. Mas também habitam o território mais do que sério das pesquisas científicas. A primeira questão seria a existência de dimensões que vão além da nossa capacidade de percepção, três delas de espaço e uma de tempo. Uma quinta ou mais dependeriam de uma estruturação mental que não possuímos para entender. Do mesmo modo que, se nossas vidas fossem em duas dimensões, com tudo plano, não conseguiríamos entender a terceira espacial, que dá volume ao que se vê e toca. Sobre a ideia da existência de um ou mais universos paralelos ao nosso, que também é defendida muito seriamente, ela parte do entendimento de que a energia vibraria de múltiplas formas e nós apenas estaríamos nos dando conta de uma delas. Então, existiriam universos simultâneos, uns “dentro” dos outros, imperceptíveis. Isso está explicitado pela Teoria das Cordas, que visa conciliar a física quântica com a Teoria da Relatividade Geral.

Quanto aos multiversos, a teoria é ainda mais fascinante e tentadora. A ciência já comprovou, por exemplo, que se existe uma possibilidade qualquer de partículas ínfimas da matéria – que na verdade também é energia – atingirem determinada configuração, isso acontecerá. Sendo esse mesmo conceito extrapolado, se nossas decisões na vida são muitas e frequentes, tomarmos uma delas não anula em definitivo as demais possibilidades. Ou seja, essas outras também irão acontecer, de uma forma ou de outra. Trata-se de uma equação matemática, incontestável. Então, teríamos muitos universos superpostos e cada um deles tomando a configuração que nossas outras decisões determinariam. E isso tornaria infinitas as alternativas, com as pessoas vivendo cada uma dessas vidas possíveis. Se nos universos paralelos não haveria essa “obrigatoriedade” de serem os mesmos habitantes, os mesmos tipos de vida, inclusive do ponto de vista biológico, na proposta intelectual dos multiversos nós seríamos os mesmos, diferentes apenas nas possibilidades de destino. As decisões sobre nossos empregos, filhos, relacionamentos e até o time pelo qual torcer, onde morar, como se alimentar e vestir, com a soma de todas elas configurando vidas ao mesmo tempo potencialmente semelhantes e diversas das atuais. Com milhões, bilhões de “receitas de bolo” distintas, até porque teríamos que multiplicar as alternativas de cada um de nós pelas alternativas de todas as outras pessoas.

Um Solon já é dose, muitos não sei se o universo aguentaria. Mas existindo esses demais, algum deve ter continuado a estudar engenharia, que eu abandonei; o mesmo ou outro deles pode ter casado com pessoa diferente, tendo ou não os filhos maravilhosos que eu tive. E também tem que ter tido quem não se mudou para o interior, como fiz após formado. Talvez um ou mais possuírem a habilidade que nunca tive para jogar futebol, apesar do meu desejo; ou prosseguirem no serviço público, que preferi deixar de lado. Mas não posso evitar de imaginar alguns riscos que tenham corrido, como vir a ser morto num assalto; enfrentar alguma doença. Ou, horror dos horrores, se tornar colorado e direitista, combo que eu não suportaria. Pensando nessas últimas hipóteses, as pessimistas, me torno ferrenho defensor do universo único, que já está de bom tamanho. Até mesmo porque é infinito.

11.03.2021

No bônus musical de hoje, a cantora espanhola Zahara canta Multiverso. María Zahara Gordillo Campos tem 37 anos e compôs sua primeira canção com 12. Com curso superior de Ensino Musical, ela faz parte de uma empresa dedicada à comunicação, debate e oratória. Também é escritora, tendo dois livros publicados.

2 Comentários

  1. Uma boa reflexão matinal através de um texto agradável e profundo. É sempre muito bom pensar em nosso lugar no universo, diminuiríamos nossos problemas. A música linda junto a imagens fantásticas.

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