Por questão de respeito aos meus leitores e também por honestidade intelectual, preciso acrescentar algo importante no que se refere ao texto hoje publicado, sobre a tubaína. Depois da postagem descobri que o termo foi usado com sordidez muito maior, pelo presidente. Ao dizer que para a direita recomendava cloroquina e para a esquerda tubaína, ele não estava fazendo referência a um refrigerante popular, sinônimo de pobreza, como fazem seus parceiros ideológicos associando, por exemplo, pão com mortadela aos trabalhadores que protestam. Tampouco fazia referência aos doentes entubados nas UTIs, conforme alguns entenderam, mesmo depois de mais de 16 mil brasileiros mortos pela pandemia do coronavírus.
Na ditadura militar, que ele enaltece, tubaína era o apelido dado a um dos tantos tipos de tortura. Com o preso imobilizado, introduziam um funil na sua garganta e despejavam água (às vezes urina e fezes) de forma contínua, provocando terrível sensação de afogamento. O que muitas vezes de fato acontecia. Entre outros locais, isso era feito na “ponta da praia”, que ele já citou em pronunciamentos anteriores – Base Naval da Restinga da Marambaia, no Rio de Janeiro –, onde pessoas eram torturadas e mortas, também ponto de desova de corpos vindos de outros porões clandestinos.
É inacreditável que isso esteja acontecendo em nosso país: um governo que não respeita a vida dos seus cidadãos e que faz da morte motivo de escárnio e deboche constantes. A ameaça e a perpetração de violências passam a ser conduta política normal e aceitável. O fascismo acima de tudo, Deus como desculpa para aceitação pelos trouxas.
Por incrível que pareça, dessa vez o garoto-propaganda tem razão: a tubaína é realmente uma alternativa excelente. Esse é o nome dado aos refrigerantes produzidos em pequena escala, em especial no interior de São Paulo, tendo uma composição na certa menos nociva para a saúde do que tantos outros de secretíssimas fórmulas, muita química e abrangência mundial. Quase todas são engarrafadas em vidro, mas já existe hoje o uso também de embalagens pet e latas.
A tubaína pioneira foi fabricada na cidade de Piracicaba, em 1898, com o nome de Gengi-Birra – a base de gengibre. Depois a mesma empresa lançou a Cotubaína, denominação surgida a partir da palavra cotuba, que significava na época algo como “legal”, “jóia”. Desde então o sufixo se popularizou (algo como Guaraná e Cola), sendo usado por fábricas de vários municípios, normalmente depois de sílaba inicial identificando a localidade. Nasceram Etubaína, Itubaína, Taubaína entre muitas outras. A primeira dessas três citadas é hoje a mais antiga entre as que seguem sendo produzidas, sempre com esse nome no rótulo, tendo sido homenageada em 2013 ao completar um século de existência.
A bebida é feita com guaraná, frutas variadas e flavorizantes, sendo saborosa e barata, o que facilitou sua popularização. Com a ascensão das classes C e D no Brasil, a partir de 2002, famílias passaram a consumir bens e serviços aos quais antes não tinham acesso. Na alimentação houve substancial incremento de carnes vermelhas, bolachas recheadas e refrigerantes, entre outros produtos. Com isso as tubaínas, que antes tinham somadas uma fatia de 20% do mercado nacional, dobraram essa participação. Tal fato obrigou a Coca Cola e a Ambev a frearem sua lucratividade, reduzindo os preços em cerca de 25%, naquele período. A medida deu certo e provocou nova acomodação no tocante às vendas.
Fora do Estado de São Paulo, no entanto, a denominação tubaína ainda é considerada depreciativa, muito mais por preconceito do que por alguma razão lógica. Isso porque os processos industriais são cuidadosos e pouco ou nada devem ao que de moderno existe em estruturas de maior porte e volume de produção. Isso é bastante injusto: na cidade de São Paulo existe inclusive o Tubaína Bar, na Rua Haddock Lobo, duas quadras distante da Rua da Consolação – e cerca de sete quadras longe do Instituto Emílio Ribas, referência no combate ao coronavírus naquela capital. O local tem ambiente retrô muito charmoso, oferece diversos pratos, inclusive vegetarianos, sendo conhecido pelos drinks que serve tendo como base justo esse refrigerante, desde 2009.
Existem tubaínas em todo o Brasil. Não dá para ir a Juazeiro do Norte (CE) e não provar a Cajuína. Nas Minas Gerais há o Guarapan, que tem gosto de maçã. Em Ribeirão Claro (PR) fabricam o Fabiane, de framboesa. A mesma cor de rosa é característica do famoso Guaraná Jesus, que só se encontra no Maranhão. Em São Gonçalo (RJ) bebem o Mineirinho, que apesar do nome não cruza a fronteira. Ele é feito de guaraná com erva chapéu-de-couro. Outra versão tem erva-mate na composição. Mas em termos de guaraná, nada pode ser mais legítimo do que o Tuchaua, produzido na Amazônia. Os catarinenses apreciam uma tubaína feita de abacaxi, chamada Água da Serra. São muitas, mesmo. Mas se todas matam a sede, com certeza nenhuma elimina o coronavírus, pouco importando se quem a bebe é de esquerda ou direita.
A bebida é boa. Quem a anunciou agora, continua péssimo. Não tem humor para ser, por exemplo, como um Carlos Moreno. Este fez centenas de anúncios da marca Bombril, entre 1978 e 2019, com raros intervalos. Era arquiteto, com pós-graduação nos EUA e, como ator, esteve em inúmeros trabalhos – foi inclusive Euclides, o dono da cobra Sílvia, no Rá-Tim-Bum da TV Cultura. Nem para o Tiozão da Sukita o novo garoto-propaganda serviria, porque é incapaz de se constranger com as próprias bobagens e inconveniências. Um pobre bufão que só faz sucesso perante a claque que o acompanha. Melhor a tubaína.
21.05.2020
Abaixo, um dos excelentes produtos existentes no mercado.