Talvez eu tenha sido um dos telespectadores com mais idade entre os que acompanharam com gosto e prazer a série de TV Globo, Malhação, entre maio de 2017 e março de 2018. Foram nada menos do que 213 capítulos de Viva a Diferença!, a vigésima quinta temporada dessa espécie de escola de atores que aquela rede televisiva mantêm. Mesmo mirando um público tão jovem quanto muitos dos estreantes na profissão que dela participam, desta vez foi revolucionária na narrativa e nos temas abordados, que me chamaram atenção. O que me fez acompanhar todo final de tarde em que tinha tempo, justo no horário tradicional do chimarrão na minha casa.
Eram 30 minutos diários de uma história bem contada e bem dirigida. Não por acaso, acabou premiada com o prêmio Emmy Internacional Kids, em Cannes, na França, como Melhor Série 2018, em abril do ano seguinte. Derrotou na final produções da Alemanha, Austrália e Canadá, alcançando algo até então inédito para nosso país.
Basicamente a história contava o encontro acidental de cinco garotas paulistanas, de origens e classes sociais muito distintas, que terminam como boas amigas, superando essas peculiaridades todas. O fato que desencadeia isso é o parto de uma delas, mãe adolescente, que ocorre de forma inesperada dentro de uma composição do metrô que estava parada por problema técnico. As demais a auxiliam neste momento, que terminou sendo crucial para a vida de todas. Uma espécie de ritual de passagem, que assinala o que vem depois.
Era grande a diferença de personalidades, vivências e ideologias entre as protagonistas. Mas aos poucos elas vão aprendendo a conviver e assimilar aquilo que nas outras eram características distintas das suas. Uma lição de tolerância tão necessária nos dias de hoje – a série chegou um pouquinho antes da melhor hora, o que agora será corrigido pela reprise compacta que volta ao ar, a partir de hoje, no mesmo horário e canal.
Keila (Gabriela Medvedovski) é a mãe, que engravidara em relação casual, sofre preconceito pelo seu sobrepeso e fica também dividida entre o pai da criança e outro namorado. Filha de um dono de bar, mora com o pai junto ao estabelecimento. É classe média como Benê (Daphne Bozaski), filha de uma servidora de escola pública e com leve transtorno autista. Nunca teve amigos e sofre bullying pela sua condição. Lica (Manoela Aliperti) é uma menina rica, libertária e bissexual, filha de empresários donos de uma escola de elite, onde também estuda. Enfrenta problemas de relacionamento com o pai, que tem amante e outra filha. Também abastada é a família de Tina (Ana Hikari), que é descendente de japoneses, mãe médica, conservadora e autoritária e pai dono de restaurante típico. E Ellen (Heslaine Vieira) é negra, pobre e mora numa favela. Mas é nerd e uma hacker exímia. Ao conseguir bolsa na escola de Lica, sofre forte preconceito pela cor e condição social.
A história foi escrita por Caio Hamburger, que fora roteirista e diretor de filmes como Castelo Rá-Tim-Bum, Xingu e o Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias. Em produções infantis e juvenis, acabou indicado para vários prêmios nacionais e internacionais, tendo vencido alguns. E a precisa direção de Viva a Diferença foi de Paulo Silvestrini, que já estivera à frente de inúmeras novelas – O Beijo do Vampiro, Avenida Brasil e O Rebu, entre elas –, além de minisséries de sucesso como Memorial de Maria Moura e Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados.
Quem não teve oportunidade ou interesse de ver esta produção, faça isso agora. Se começar a ver os capítulos quando ainda estiver com restrições para sair de casa, talvez depois dê um jeito de continuar assistindo. Porque verá que vale mesmo a pena. E se tiver idade próxima da minha, poderá me fazer companhia entre os que aplaudem o trabalho mesmo sem fazer parte do seu público alvo. O que, para mim, sinceramente nunca foi problema.
06.04.2020
Great reading yourr blog
CurtirCurtir