NOSSA MÚSICA TEM SEUS DIAS
Existem tantas datas comemorativas que a grande maioria delas sequer é conhecida de boa parte da população. Não necessariamente por falta de merecimento a o que ou quem seja homenageado, mas apenas de informação. E existem também dadas em duplicidade, sem que se saiba a razão. Uma destas é o Dia da Música Popular Brasileira, que segundo algumas fontes ocorre amanhã, 27 de setembro. Teria sido instituído por ser esse o aniversário da morte de Francisco Alves, em 1952. Outros apontamentos garantem que correta é a lembrança coincidir com o 17 de outubro, por ser quando ocorreu o nascimento de Chiquinha Gonzaga, em 1847. Nesse caso não importa quem tem razão, pois ambos de fato merecem ser associados a esse fenômeno cultural tão expressivo.
Francisco de Moraes Alves nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de agosto de 1898. Conhecido primeiro como Chico Viola e depois como Chico Alves, foi um dos mais expressivos cantores de nosso país, na primeira metade do século passado. Apelidado de “Rei da Voz”, pelo radialista César Ladeira, vendeu cerca de cinco milhões de discos, a partir de 1919, quando fez sua primeira gravação. Nessa estreia foram apenas três canções, mas sem ter alcançado muito sucesso: Pé de Anjo, Fala Meu Louro e Alivia Estes Olhos. Fenômeno numa época anterior ao surgimento da televisão, fez sua carreira graças a emissoras de rádio e apresentações, especialmente a partir da segunda metade dos anos 1920. E seu ápice profissional foi alcançado em 1932, quando passou a integrar o cast exclusivo da Rádio Mayrink Veiga, ao lado de Carmen Miranda e outros nomes consagrados.
Foi de Chico Alves a gravação pioneira de um disco elétrico feita em nosso país. Antes eram apenas mecânicas, com uso de cilindros e sem a possibilidade de armazenar som nos dois lados do mesmo disco. Também foi ele o responsável pela primeira gravação de Aquarela do Brasil, do seu parceiro Ary Barroso. E atingiu recordes absurdos de audiência com Ai! Que Saudades da Amélia, de Ataulfo Alves e Mário Lago. Um dos cinco filhos de casal de imigrantes lusos, começou a se interessar pela música ainda criança, ao ganhar uma guitarra de presente de Ângela, sua irmã mais velha. Durante a adolescência e o início da vida adulta, trabalhou como engraxate, guarda-livros e numa fábrica de chapéus. Perdeu pai e irmão com a chegada da gripe espanhola, em 1918, mesmo ano em que começou a tentar a vida como cantor. Homem ligado a causas populares, foi responsável por impulsionar e tornar conhecidos compositores negros como Heitor dos Prazeres, Cartola e Ismael Silva. Também conviveu com Pixinguinha e Lupicínio Rodrigues, a quem conheceu durante longa excursão que fez pelo Rio Grande do Sul. Faleceu em um acidente de automóvel, no interior de São Paulo, quando ainda era a voz número um entre todos os cantores de música popular brasileira, sambas e marchas.
A também carioca Francisca Edwiges Neves Gonzaga, conhecida como Chiquinha Gonzaga, foi oficialmente a primeira compositora de música popular brasileira. Era também pianista e regente, tendo sido a mulher pioneira no Brasil em pelo menos mais duas coisas: reger uma orquestra e colocar letra numa marchinha de carnaval, a eterna Ó Abre Alas. Era filha de um marechal de campo do Exército Imperial Brasileiro e sua avó materna fora escrava, depois alforriada. Afilhada de Duque de Caxias, precisou conviver longo tempo com a rigidez militar e aristocrática de sua família paterna. Mas jamais deixou de frequentar rodas de umbigada, lundu e outros ritmos africanos, graças à influência da mãe. Com apenas 16 anos casou com um oficial da Marinha Mercante, por imposição do seu pai, matrimônio que não poderia mesmo dar certo. Alguns anos mais tarde abandonou o marido e não pode, pelo escândalo que isso ocasionou na época, levar consigo dois dos três filhos que havia tido.
Professora e musicista, trabalhava para manter-se e sustentar o filho que ficou com ela, enfrentando enorme preconceito. Mas foi se tornando cada vez mais respeitada como compositora. Trabalhou adaptando o som do piano para o gosto popular. Na política, passou a militar em defesa da abolição e pelo fim da monarquia. Lançou-se no teatro e foi fundadora da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Compôs músicas para 77 peças e mais de duas mil outras em gêneros como valsa, tango, maxixe, fado, choro, mazurca, polca e lundus. Com 87 anos, em 1934, assinou sua última composição: Maria. Faleceu em 1935, na data da abertura do Carnaval.
Pelos breves e incompletos relatos, torna-se possível entender que o ideal seria “fechar os olhos” e manter ambas as datas comemorativas. Até por ser a música popular brasileira muito ampla, abarcando com certeza perfis diversos e muitos talentos distintos e dignos de serem a ela associados.
26.09.2020

Bônus: música Corta-Jaca, um maxixe de Chiquinha Gonzaga e Machado Careca, interpretado por Lysia Condé, em show de lançamento de CD, em 2014. O local da gravação foi a Casa da Ribeira, em Natal, Rio Grande do Norte.