Nos meus primeiros anos frequentando a escola, numa infância hoje tão distante, era comum que eu retornasse para casa com um bilhete onde havia relato de algo que eu fizera e não deveria ter feito. A questão é que apenas com a assinatura do meu pai, comprovando estar ciente do fato, eu poderia entrar na sala no dia seguinte. Em geral ele assinava, depois da expressão desolada, enquanto perguntava “outra vez, meu filho?”. As minhas explicações bastavam e consequências mais sérias eu nunca cheguei a enfrentar.

Com esse currículo todo, não teria como reclamar, anos mais tarde, quando enfrentei algumas situações semelhantes, então protagonizadas pela minha filha. O encaminhamento era um pouco diferente, uma vez que solicitavam que eu ou a mãe dela fossemos até a escola, quando a direção achava necessário. E foram um bom punhado delas, a maioria comigo indo cumprir o papel de responsável. Ficavam na sala pelo menos duas pessoas comigo, uma delas sendo a professora queixosa ou a diretora, e a outra a orientadora educacional. Eu cumpria o papel de pai zeloso, ouvia e prometia providências, que no fundo raras vezes entendia como necessárias. Então, apenas conversava depois com ela.

Agora, em pelo menos duas oportunidades os motivos alegados foram tão ridículos que deu vontade de punir as “mestras”. Ou pedir que me indenizassem pela perda de tempo. Uma professora de História dizia não ser possível que ela continuasse agindo de determinado modo, porque não conseguia dar suas aulas assim. A queixa era que minha filha lia muito e fazia perguntas demais, antecipando temas que a professora pretendia abordar depois. Ou seja, ela queria nivelar o conhecimento da menina ao patamar de seu plano pedagógico, ao invés de aproveitar a situação e agilizar demandas de todos os estudantes da sua sala. Em outra oportunidade a Bibiana se insurgiu fortemente em aula, por não ter recebido nota máxima em uma atividade, mesmo tendo acertado todas as questões que haviam sido propostas. O enunciado determinava identificar em alguns mapas certos países e também regiões do Brasil, pintando esses locais depois de localizados. A justificativa da professora é que ela não pintou com o devido cuidado, observando as linhas que delimitavam os espaços. Acontece que era na disciplina de Geografia e não na de Artes: o que a menina precisava demonstrar que aprendeu, afinal?

Não é nada fácil ser professor ou professora, admito. Mas, aqui entre nós, com certeza esses dois relatos que fiz acima não são situações isoladas. E demonstram que a formação destes profissionais está bastante defasada, não de hoje. A destruição do sistema de ensino, especialmente o público sem ser apenas ele, foi sendo evidenciada nos últimos anos. Ocorre pelo sucateamento de instalações físicas, pela falta de recursos para coisas básicas, como laboratórios, bibliotecas, informatização e mesmo para merenda escolar, mas principalmente pelo desestímulo à profissão. Os salários dos professores são ridículos, sua formação continuada simplesmente não interessa e plano de carreira é algo desrespeitado toda hora. Por isso tudo eu entendo perfeitamente quando a insubordinação é dos profissionais, a exemplo daquelas que a Bibiana também apresentava.

Estou, por exemplo, torcendo para que isso ocorra agora, com força e organização, para que se barre a reta final da implantação do chamado Novo Ensino Médio em nosso país. Porque ele foi feito para engatar a ré na educação, não para ser marcha que nos leve para frente e para o futuro. Mas nessa luta, pais e alunos devem estar ao lado dos professores. A comunidade escolar como um todo será atingida fortemente, indo o problema muito além de coisas simples como ler demais e pintar mapas sem a atenção esperada.

27.03.2023

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O bônus de hoje é a própria expressão do que seja a globalização: um quarteto de cordas em instrumentos elétricos, natural da Ucrânia, que tem nome espanhol e que gravou na Bulgária o clipe hoje trazido pelo blog. A música é Hypnotic e o grupo se chama Asturias. É composto por Miroslava Tsybka (violoncelo), Vera Valieva (violino), Elena Moskalenko (viola) e Kateryna Golovko. Entre parêntesis estão seus instrumentos prioritários. Escolhi pensando que teria esses vários locais no mapa para pintar. Com todo o cuidado, claro.

3 Comentários

  1. Quando minha filha fez uma redação numa folha de caderno a professora nem leu e deu zero porque tinha pedido numa folha grande. Aí eu pergunto se fosse uma folha grande em branco valeria dez? Pois so o que foi avaliado foi o tamanho da folha. Falta muito a alguns professores/as é o que mesmo se quer avaliar!
    A avaliação precisa muito de critérios bem objetivos!

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  2. Parabéns pelo seu artigo Solon! Identifiquei-me nas suas palavras. A minha mãe foi professora e diretora de uma escola durante toda a sua vida ativa. Uma das minhas irmãs é professora em Lisboa. Ambas por vocação e convicção, coisa rara nos dias de hoje. Os meus dois filhos frequentam uma escola pública em França e às vezes trazem bilhetes dis professores dizendo: riu na sala, falou com o colega, defendeu um colega que fez um disparate.

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