Quem tenha o hábito de reparar minimamente na paisagem urbana de Porto Alegre deve estar espantado com o crescente número de podas extremas e no de derrubadas desnecessárias de árvores. Nossas ruas estão perdendo um encanto que diferenciava a cidade e também, nesse aspecto, se desumanizando. Isso dói tanto ou mais do que o conhecido descaso de muitos anos com a arquitetura, as pichações e a priorização dada aos veículos em detrimentos das pessoas – apenas esse último aspecto parece estar melhorando. Agora, em se tratando das árvores, nem tente buscar dados oficiais, que comprovem aquilo que se percebe pelo olhar sensível. Desde o início da gestão de Nelson Marchezan Jr. (2017-2020) esses números não são mais divulgados. E o atual prefeito, Sebastião Melo, conseguiu ainda a proeza de firmar contratos com duas empresas terceirizadas cujo texto prevê o pagamento pelo número de intervenções feitas, o que estimula serviços desnecessários.

O problema começou ainda com a vitória de José Fortunati nas eleições de 2012. Foi a partir de então que o serviço de poda e conservação deixou de ser realizado diretamente pela administração pública. Com a chegada das terceirizadas, a média anual passou de cerca de 2.400 intervenções, entre 2007 e 2011, para 4.000 por ano até 2016, quando então os números oficiais sumiram. Quando se vê diante de protestos, a resposta padrão da prefeitura é dizer que as pessoas reclamam porque desconhecem a necessidade desse trabalho. A principal das alegações é que as redes de energia elétrica e de telefonia ficam ameaçadas na sua integridade pelo crescimento das árvores. Mas eu próprio fui testemunha de um caso espantoso, acontecido na rua Dona Eugênia, proximidades do meu apartamento. Me deparei com uma equipe realizando uma poda nada cuidadosa e perguntei a razão. “Está atingindo os fios”, recebi como resposta. Detalhe: não havia fiação alguma daquele lado da rua, pois toda ela estava apenas sobre a calçada oposta.

Em 19 de janeiro a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural buscou junto à administração pública municipal saber a razão pela qual foi serrada uma árvore sadia existente na esquina da Avenida Venâncio Aires com a Rua Vieira de Castro. Esse cruzamento, para quem ainda não se localizou, fica nas proximidades do Parque da Redenção. A resposta da Secretaria de Serviços Urbanos foi protocolar: a árvore era exótica e se encontrava em “estado crítico de conservação, com sinais de apodrecimento, inclinada e com risco de queda”. O burocrata que informou isso com certeza não esteve no local, uma vez que fotos tiradas pela Agapan desmentem totalmente essa argumentação.

As árvores podem ser classificadas como espécies nativas ou exóticas, considerando-se o local onde se encontram. As nativas, como o próprio nome indica, são aquelas que estão na região onde surgiram ou para onde se expandiram naturalmente, considerada a área de potencial dispersão. As exóticas são as estabelecidas fora do seu perímetro de distribuição natural, tendo nascido graças ao transporte intencional ou acidental feito pelo homem. Umas ou outras atuam como integrantes de um ecossistema, servindo como fonte de alimento e de habitat para uma gama muito grande de animais, algo que vai além da obviedade dos pássaros que possam ser citados. Servem ainda como matéria prima para a feitura de papel, medicamentos e fornecendo madeira para os mais diversos fins. Nas cidades, contribuem ainda para amenizar os efeitos da temperatura e como embelezamento.

Existem 8.715 espécies de árvores distintas catalogadas no território brasileiro. Ou existiam, porque várias estão em processo de extinção. Esse total corresponde a 14% das que nascem em todo o planeta, que são 60.065. Isso nos coloca ainda como o país onde ocorre a maior biodiversidade de árvores na Terra. A segunda colocação é ocupada pela nossa vizinha Colômbia, com 5.776 espécies.

Voltando à lamentável situação que ocorre em Porto Alegre, com as podas e os abates, existe um projeto já anunciado pelo Ministério Público que, se vier mesmo a ser colocado em prática, obrigará a publicização de toda e qualquer intervenção. Mas não há ainda previsão de quando tal ferramenta estará disponível. Além de uma articulação entre diversas secretarias do município, tal iniciativa depende também da vontade e do parecer da CEEE Equatorial, empresa que resultou da privatização do serviço de fornecimento de energia elétrica. Deste modo, só resta torcer e muito para que a flora aguente por conta própria essa espera, sem ser definitivamente arruinada até lá.

26.02.2023

Árvore sadia derrubada em rua de Porto Alegre. Foto da AGAPAN

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7 Comentários

  1. Ti sono solidale, anche qui, una cittadina del Sud Italia, spesso si abbattono albri anche sani ma che necessitano di semplice manuntenzione a causa del loro livello di sviluppo (o danno fastidio a chi mira ad edificare sul terreno). Veramente disumanizzante.

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    1. Triste saber que essa realidade também acontece na Itália. Infelizmente aqui a especulação imobiliária está entre os motivos, como no teu país. Mas também ocorre por falta de conhecimento, de educação mesmo. Abraço!

      Curtido por 2 pessoas

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