O PATETA PATÉTICO
O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação é uma figura que parece fora da realidade. Ele já foi astronauta, mas a impressão que dá é que permanece em órbita. O que é quase uma incongruência, num governo terraplanista. De qualquer forma, ele está lá. Ocupa o cargo desde o começo, talvez por se manter mais do que discreto, quase invisível. Como um ET que caiu aqui na Terra e não pode ser visto para não ser expulso ou se tornar cobaia de experimentos. Essa segunda hipótese é a mais provável, tipo assim pacientes da Covid internados em hospitais suspeitos de São Paulo, Porto Alegre ou Manaus. Sendo minimamente bem informado, o extra terrestre deve saber que fim tiveram aqueles.
A comparação com alguém de outra galáxia se torna mais fácil, quando nos damos conta de que ele não fala. Ou ao menos nunca havia falado. Talvez porque desconhecesse nosso idioma, o que passados esses mil dias desde a posse do Inquilino do Alvorada, pode ter aprendido parcialmente. O suficiente para gritar contra mais um corte na pasta onde sempre esteve disfarçado, em meio a tantos prédios na Esplanada dos Ministérios. Dessa vez a tesourada foi mais drástica, passando de 90% daquilo que ainda restava. Daí ele ao menos fingiu rosnar, dias atrás. Vai ver que ficou tão pouco que nem os salários dele e de alguns apaniguados estejam mais assegurados – técnicos competentes e cérebros privilegiados há muito estão abandonando o barco. Até porque no próximo passo restará apenas a sugestão que era dada na minha época de jovem estudante, em plena ditadura militar: diante do slogan Brasil, Ame-o ou Deixe-o, nos restava sugerir que o último a sair apagasse a luz. Mas não era séria essa resposta e nós ficamos, para que se ajudasse na construção de um país mais democrático e igualitário. Só que os avanços duramente conquistados agora estão por um fio, com a ação da extrema-direita.
Nenhum país que se preze, em todo o mundo, destrói sua própria base de pesquisa, as suas universidades e seus centros de excelência em tecnologia. Nenhum, exceto o Brasil atual. Enfim, a pasta ocupada pelo astronauta deveria ter o status mais do que merecido de ESTRATÉGICA. Assim, com maiúsculas. O problema é que Bolsonaro e sua trupe não têm qualquer preocupação real com o futuro da nação e de sua gente. O último dos ataques bolsonaristas à ciência e ao conhecimento foi dado com a modificação feita, na última hora, no projeto de lei que tratava dos créditos suplementares aos ministérios. Os R$ 690 milhões previstos foram reduzidos a menos de R$ 70 milhões, o que provocou a tímida reação do pateta, citada no início. A medida foi adotada depois que um ofício do Ministério da Economia sugeria isso e atinge a execução de projetos já agendados e o pagamento de bolsas.
Ainda no início de abril uma das publicações científicas mais respeitadas do mundo, a revista Science, divulgou artigo relatando o clima de tensão constante entre o governo federal e a comunidade científica brasileira. Ela chegou a enumerar vários episódios de perseguição, ameaça aos empregos e inclusive contra a segurança pessoal de pesquisadores. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) tratou de elaborar um dossiê sobre o assunto, para informar o Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito do problema. As universidades públicas sofreram intervenções, com reitores que foram empossados apenas para atender interesses que não têm quaisquer relações com a finalidade das instituições. Ao mesmo tempo, suas verbas também vinham sendo minguadas para forçar deterioração e estrangulamento.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) foi outra vítima da ignorância. Seu diretor, Ricardo Galvão, foi demitido depois de cometer o pecado de informar detalhes sobre o constante, premeditado e criminoso desmatamento da Amazônia, que subiu 88% apenas no primeiro ano após Bolsonaro assumir. Outro dos emblemáticos ataques presidenciais foram contra a pesquisa do epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Curi Hallal, que apontava com dados consistentes a gravidade da pandemia e sugeria que as providências do Ministério da Saúde iam no sentido inverso ao que deveria ser feito para contê-la.
Muitos outros exemplos poderiam ser acrescidos aos citados. Mas esses são por si mesmos suficientes e estarrecedores. Estão vários graus acima da tímida reação do senhor ministro, que se tivesse um mínimo de dignidade falaria mais grosso e se demitiria. Pelo menos iria conservar um mínimo da altivez que se imagina deva ter um homem público, ciente de suas responsabilidades. Certamente ele viu lá do alto o tamanho do Brasil. Deveria trabalhar aqui em baixo para manter essa grandeza, respeitando nossa história, dignidade e independência, que são todas constitutivas de uma identidade forjada pelo conhecimento acumulado pela nossa gente, ao longo dos anos. O Pateta, de Walt Disney, ao menos é engraçado.
17.10.2021

No bônus musical de hoje, O Astronauta de Mármore, da banda gaúcha Nenhum de Nós. Ela integra o DVD A Céu Aberto.