Ter um banheiro em casa, com instalações sanitárias apropriadas, deve ser a tônica entre os leitores que acompanham esse blog. Mas, com certeza, isso não contempla boa parte da população do nosso país. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, do total de domicílios existentes no Brasil 14,5% não possuíam ligações à rede de abastecimento de água. E 31,7% não tinham esgotamento sanitário, seja por rede geral ou por fossa séptica ligada. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) informavam que cerca de quatro milhões de brasileiros não contavam com banheiros em suas casas, tendo que defecar em latrinas ou ao ar livre. E sua higiene pessoal continuava sendo feita de modo precário, com o uso de bacias. Pessoas distantes da água potável e do saneamento adequado, um número assustador que não mudou em nada desde então.
Nos castelos medievais, pequenas salas eram instaladas junto à sua parede externa, para servirem de latrinas privativas. Em cada uma delas havia um duto vertical que levava diretamente até o solo e fora do prédio as necessidades feitas no local. O curioso é que receberam como primeiro nome a expressão “garderobe”. Era uma derivação da palavra francesa que designava guarda-roupas. Esse apelido surgiu porque era prática das pessoas dependurarem, junto ao poço existente, as peças de suas vestimentas. O intuito era usar a presença da amônia expelida com a urina para matar as pulgas e também as mariposas. Há registros de que muitas das invasões acontecidas na época eram perpetradas por esses acessos improváveis. Cavaleiros destemidos enfrentavam um ambiente realmente hostil e entravam de surpresa nos castelos. Por causa disso, muitos moradores morreram nos seus banheiros, alguns sendo apunhalados em pontos pouco apropriados dos seus corpos, uma vez que os ataques vinham por baixo.
Várias fortificações, em especial as normandas e as alemãs ainda ostentam intactas essas construções. Um dos melhores exemplos é o Castelo de Burresheim, onde três garderobes são bem visíveis. Na realidade, eles se tornaram obsoletos apenas quando começou a ocorrer a instalação de encanamentos internos, mesmo que dos banhos todos continuassem fugindo. Uma modernização deste ambiente foi obra do inglês Sir John Harrington que inventou um sistema de descarga. Isso aconteceu em 1596, quando ele fez a instalação em aposentos de sua madrinha, a Rainha Elizabeth I. Com pias e também banheiras fixas, os banheiros ganharam destaque somente quando a higiene pessoal passou a ser mais valorizada, séculos depois. Não se pode estranhar muito isso, ainda mais quando se sabe que o papel higiênico foi patenteado no ano de 1880.
No mundo moderno, os banheiros não surgem nas residências. Os primeiros que os adotaram foram hotéis, sendo pioneiro entre todos o Mount Vernon, em New Jersey, em 1853. Nas casas particulares, no entanto, a situação continuava calamitosa. Aliás, quem mais relutava em adotar esse local de higiene pessoal eram os ricos, que entendiam que os banhos deveriam ser tomados pelos criados, pessoas pobres que suavam muito justamente porque executavam trabalhos braçais. Quando os encanamentos chegaram nas casas, foram até a cozinha apenas. As latrinas eram feitas fora, no fundo dos terrenos.
Se conhece muito bem por aqui a história dos primeiros europeus que chegaram ao Brasil, na imensa maioria portugueses. Eles não tinham o costume de tomar banho, ao contrário dos índios nativos, que faziam isso todos os dias. Esses estrangeiros realizavam higiene completa muito raramente. Há quem assegure ser apenas uma vez por ano, ocasião que se tornava quase solene. Primeiro se banhava o pai, depois a mãe e após todos os filhos, em ordem decrescente de idade. Todos na mesma água, que obviamente ia ficando imunda.
Hoje em dia, pelo menos para a parcela que pode pagar pelo conforto, há banheiros com mais recursos tecnológicos do que muitas residências. Piso aquecido, banheiras de hidromassagem, sistemas especiais de iluminação e coisas ainda mais surpreendentes. Já existem chuveiros elétricos ou a gás que possuem termostato e até alto falantes embutidos. Vasos sanitários com regulador de volume de água para descarga, recursos automáticos de limpeza, assento com aquecimento por controle remoto e neutralizador de odores. Há secadores de toalhas e corpóreos, além de difusores de perfumes personalizados. O que talvez seja um excesso. E, para meu gosto, bastam água quente e abundante, além de uma descarga mais discreta do que barulhenta. Isso já me coloca anos luz à frente daqueles períodos históricos que citei no começo. Além de, infelizmente, um privilegiado em relação aos tantos brasileiros que são ainda privados de algo muito mais simples do que isso.
11.06.2021

No bônus de hoje, o grupo Vermaledeyt. Ele existiu desde o ano de 2004, quando surgiu na Baviera com o nome de Societas Morbis, até 2014, quando foi extinto. A troca de nome ocorrera em 2007, sendo que em alemão médio vermaledîen seria uma expressão idiomática algo próxima de “maldição”. Tocavam regularmente na Alemanha, Suíça e Áustria, em geral em espetáculos ligados ao período medieval. Porque essa era a arte que dominavam. O vídeo apresentado é da música Totus Floreo, gravação feita no Feuertanz Festival, em 2013.
Such a plight still exists in India. But improvements are being made. The image you’ve provided is very interesting. A long way down for waste to travel. 🙂
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Além de ser interessante, o resgate desta história nos faz refletir sobre as desigualdades inaceitáveis de nossa sociedade. Textos desta natureza continuam a ser imprescindíveis.
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Interessante e informativo.
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Faço minhas as palavras da Maria Rosa. Belíssimo registro, meu amigo Solon. Parabéns! Grande abraço…
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