Bruno Neri foi um jogador de futebol profissional, ídolo na Fiorentina, da Itália. Nascido na pequena cidade de Faenza, na região da Emilia-Romagna, fora revelado em equipe de sua terra natal. Como se destacava entre os demais, teve oportunidade de ir para o Livorno, na Toscana, clube com mais tradição no calcio, de onde terminou também saindo, agora para Florença. Essa segunda transferência custou o valor equivalente a cinco vezes o salário anual que recebia um trabalhador médio do país, naquela época. Foi em 1929 e o profissionalismo ainda engatinhava.

Inicialmente ele atuava no setor defensivo. Depois, devido à técnica refinada que demonstrava nas quatro linhas, acabou deslocado para o meio de campo. Fora do jogo, não se encaixava no estereótipo comum aos demais praticantes do futebol. Estudava, era apreciador de literatura, frequentava o tradicional Caffè Giubbe Rosse – um dos principais pontos de encontro de intelectuais e artistas da cidade –, apoiava movimentos contestatórios e era defensor das liberdades individuais. Permaneceu na La Viola durante boa parte da década de 1930, período em que também integrou uma lendária Seleção Italiana, então considerada melhor do mundo, jogando ao lado de Meazza, Schiavo e Piola, entre outros. Mas politicamente aquele não foi um período nada fácil.

O primeiro-ministro Benito Mussolini implementava o regime fascista na Itália. As liberdades individuais foram sendo reprimidas. O controle social, a censura, a perseguição a quem pensava diferente, eram norma vigente. Justo neste clima a Fiorentina inaugurou o seu estádio, que foi batizado com o nome de Giovanni Berta. O homenageado era ligado ao fascismo e teria sido supostamente assassinado em confronto com militantes comunistas, na década anterior. O jogo inaugural foi marcado contra um time austríaco, o Admira Viena. E fora determinado que, na abertura de todo e qualquer evento esportivo, os atletas precisavam se perfilar diante do público e esticar o braço direito para o alto, com a mão espalmada. Todos fizeram isso, menos um: Bruno Neri não aceitava tal imposição ideológica da extrema-direita. Ficou altivo, imóvel, com ambos os braços colados ao tronco.

O seu posicionamento não era segredo, mas nunca antes havia sido tornado tão claro publicamente. O ato de coragem extrema só não teve repercussão maior, com seu afastamento e talvez prisão, porque o status que ele já havia alcançado no clube, pelo qual fora campeão, de certa forma o protegia. O risco de reações em sua defesa fez com que fossem feitas vistas grossas. O silêncio acobertou a ação, que se não tivesse sido fotografada jamais seria confirmada.

Bruno também jogou no Lucchese e no Torino. Nos vários clubes, em mais de uma oportunidade foi treinado por húngaros. Mas o fascismo determinou leis raciais, que forçaram demissões de estrangeiros. Ernó Erbstein, de origem judaica, teve que abandonar a equipe de Turim e deixar o país. Isso aumentou o descontentamento do meio-campista, que já integrava o Comitê de Libertação Nacional (CLN), uma organização antifascista que daria posteriormente origem aos partigiano, a Resistência Italiana. Quando inicia a Segunda Guerra Mundial, ele passa a fazer parte da luta armada popular. Era um grupo heterogêneo, integrado por trabalhadores, homens e mulheres, reunindo desde socialistas até monarquistas. Veio a integrar o Batalhão de Ravena, que combatia junto à chamada Linha Gótica, uma forte defesa organizada pelos nazifascistas no norte do país. Esse grupo precisava agir para favorecer o posterior avanço das tropas aliadas, que naquela região contavam inclusive com soldados brasileiros.

Durante uma missão, incumbidos de apanhar suprimentos lançados pela aviação aliada, ele e o companheiro Vittorio Bellenghi acabaram sendo surpreendidos por 15 soldados alemães. Cercados, conseguiram resistir por algum tempo, mesmo diante de artilharia pesada. Mas acabaram ambos mortos. O homem hábil com os pés, lúcido em suas ideias, e muito corajoso na defesa dos seus ideais, já não estava mais entre nós. Depois da guerra, o estádio da Fiorentina foi rebatizado. E o de Faenza recebeu o nome de Bruno Neri. Na placa colocada no local, a última e merecida homenagem: “Comandante partisano morto em combate no dia 10 de julho de 1944. Depois de se destacar como atleta de primeiro nível, revelou magníficas virtudes de combatente na ação clandestina. Um grande exemplo para as futuras gerações”.

31.03.2021

Bruno Neri se recusou a realizar a saudação fascista na inauguração do estádio

No bônus musical de hoje, Bella Ciao, um verdadeiro hino para os partisanos, a resistência italiana contra o fascismo. Hoje ele é usado em todos os lugares onde essa luta está tendo que ser outra vez travada, para barrar o ressurgimento perigoso da extrema-direita.

1 Comentário

  1. Estás histórias precisam ser lembradas sempre, ainda mais em tempos terríveis que vivemos. Para mim, tem um significado especial, porque nasci no norte da Itália e meu pai esteve na segunda guerra.

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