A próxima pandemia não deve demorar muito para acontecer. E tem tudo para ser muito pior do que a atual, do coronavírus. Quando ela vier, não adianta ficar culpando morcegos, como agora. A responsabilidade não foi deles, acreditem. E se um bicho tem culpa por tudo o que agora está acontecendo e por tudo o que a ciência já antecipa que vai ocorrer, este é o ser humano. A destruição do meio ambiente, que está acabando com um grande número de ecossistemas, alterando o sensível equilíbrio que a biodiversidade garante, vai inevitavelmente fazer com que uma carga viral muito maior chegue até nós. Isso porque animais estão sendo expulsos de seus habitats naturais, se aproximando do homem em uma tentativa desesperada de sobrevivência, trazendo consigo patógenos diferentes.
Contra todos esses, outra vez não teremos defesa prévia. E vamos precisar novamente correr atrás do tempo e de vacinas. Com isso, o novo normal no qual tanta gente gosta de falar pode se tornar uma repetição de sucessivas quarentenas, a naturalização do uso das máscaras como acessório permanente e a desumanização do que nos resta de humanos. Nosso descaso com a vida da Terra poderá determinar a inviabilidade da vida na Terra. Vai ser a vitória final do econômico sobre o social, da ganância sobre a solidariedade. Venha a nós tudo, ao vosso reino nada.
Os homens vêm sendo ensinados há muito que só devem chorar pelos seus. E por pouco tempo, porque a produção não pode ser abalada por arrombos emocionais. Quanto aos outros, eles que se virem, que se danem. Esses outros podem estar no outro lado do planeta ou no outro lado da cerca. Não importa a distância física, mas a distância afetiva faz bem. O virtual já garante prazer e entretenimento suficientes. A solidão fica bem disfarçada. Havendo banda larga e comida congelada, todo o resto será desnecessário.
A Universidade Brown – localizada em Providence, no estado de Rhode Island –, que foi fundada antes mesmo da independência dos EUA, além de antiguidade tem também reconhecida competência em pesquisas na área da saúde. Estudos lá realizados mostraram que o número de surtos de doenças infecciosas se multiplicou por três, nas últimas décadas. Em meados do século passado não ocorriam mais do que um ou dois por ano; agora não acontecem menos do que seis. Pior ainda que estas doenças, além de serem mais frequentes, são cada vez mais difíceis de serem enfrentadas. As mutações dos microorganismos que as causam estão também se acelerando, o que amplia a dificuldade para a criação de remédios e vacinas. Sua complexidade desafia mesmo a ciência, sendo o H1N1 exemplo recente. Ninguém mais fala do ebola, mas ele segue em atividade. Outro mais mortal do que ele, o nipah, não tem cura e aparece todos os anos. O que difere os dois últimos citados é que a sua propagação está restrita quase que exclusivamente a países mais pobres, desestimulando investimentos na busca por soluções farmacêuticas.
Sendo mais explícito, não existirá saída que não passe por repensarmos nosso modo de vida. A preservação ambiental é urgente, inadiável. Mas para ela ser adotada, o consumo desenfreado deve ser contido, uma vez que é a principal causa do problema. Essa é uma decisão política que precisa ser global. Assim como a ciência médica mudou, nos últimos tempos, voltando a conhecimentos milenares e passando a enxergar o corpo humano como um todo que tem que estar em equilíbrio – antes via a doença ou, mais precisamente, o órgão doente –, temos que enxergar o planeta como um organismo único. Não basta preservar a Amazônia e o Pantanal, apesar desta ser tarefa inadiável. Temos que nos preocupar com as geleiras derretendo pelo aquecimento dos mares e a poluição do ar. É necessário cuidar da camada de ozônio. Se torna essencial recuperarmos áreas degradadas na África, na Ásia. Precisamos usar combustíveis renováveis; reduzir as emissões industriais, o uso de embalagens plásticas e o consumo de carne; combater a obsolescência programada; tratar esgotos; investir menos em estética e mais em conhecimento. É imperioso impedir o comércio ilegal de animais exóticos, que podem levar consigo vírus perigosos. E saúde, educação e arte têm que estar acima da rentabilidade financeira.
As ações citadas acima, entre outras tantas, são essenciais para que se retarde ou impeça as próximas pandemias. Podem acreditar: eu não estou confundindo nada, não estou misturando assuntos. Tudo isso está profundamente interligado. E esse tempo todo que ficamos mais reclusos, mais confinados aos nossos ambientes domésticos, deveriam ter servido ao menos para que se pensasse nisso: na necessidade de se parar de correr e de se caminhar apenas, mas lado a lado. Respirando melhor e aproveitando de fato a vida.
13.10.2020
Bônus: Xote Ecológico, de Luiz Gonzaga e Aguinaldo Batista, música lançada em 1989. O pernambucano “Gonzagão” foi considerado um dos mais completos e criativos músicos e compositores do nosso país.
Análise precisa, parece que as pessoas decidiram que está tudo normal, e são como gado indo ao matadouro. Uma pena que os que escolheram o risco, estarão levando outros …e a ganância, sempre presente, vai destruindo o que resta do nosso pequeno planeta.
CurtirCurtir
Vamos acreditar que ainda exista solução, amigo Rogério. Mas o preço será bem alto. Abraço!
CurtirCurtir
Irretocável o texto, Solon. Pena que os seres humanos não parecem estar preocupados com nada além de seus próprios umbigos. Mas a esperança não pode morrer… Sigamos com fé e mudança de hábitos e atitudes individuais para tentar, ao menos, minimizar os estragos.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Obrigado Moema! Temos mesmo que seguir tentando. A Laura e a Vitória certamente esperam isso de nós. Beijos!
CurtirCurtir