MINAS TERRESTRES

Não existe nenhuma guerra que seja moralmente justificável. Todo e qualquer conflito armado apenas confirma o caráter beligerante que sempre norteou a humanidade. Mas, mesmo nesses momentos, temos normas que em tese deveriam dar limites à barbárie. Armas e ações que podem ser ou não adotadas, o que até soa estranho porque você tem permissão para matar tendo que fazer isso sem ultrapassar limites ou desobedecer a padrões. Armas nucleares, por exemplo, teriam sido criadas mais para aterrorizar os inimigos do que para reduzi-los a pó. Mas, por duas vezes chegaram a ser utilizadas de fato, causando centenas de milhares de mortos, sem que houvesse punição para quem decidiu fazer isso. Armas químicas são outras com restrições que já foram desconsideradas em várias ocasiões.

Na verdade, os combates corpo a corpo talvez fossem os que mais deixavam os soldados em condições similares, desconsiderando-se as diferenças de contingente, tipo de armamento e condições de terreno. Entretanto, esses foram abandonados desde que os EUA e seus aliados perderam um número considerável de homens no desembarque feito na Normandia: 4.500 mortos e 9.000 feridos e desaparecidos. Desde então, quando em guerra – e quase sempre eles estão em guerra – a tática usada é o bombardeio aéreo até o aniquilamento da resistência inimiga, para só então a invasão ser confirmada. Não é por outra razão que as baionetas caíram em desuso. O que continuou sendo feito é a colocação covarde, não importando que exército faça isso, de minas terrestres nos momentos de retirada. Quem abandona um terreno, além de destruir a infraestrutura do local, deixa esses “presentinhos” traiçoeiros, que matam e mutilam.

A origem das minas terrestres não é facilmente determinada. É muito provável que os primeiros no uso dessas armas ocultas tenham sido os chineses, em 1277, quando invadidos pelos mongóis. No início do Século XX foram decisivas para retardar o avanço de tropas. E até hoje ainda são utilizadas, mesmo com o problema residual que permanece por vários anos, nos locais onde instaladas, quando não são detonadas. Em inúmeras oportunidades fazem vítimas entre civis, bem depois da guerra ter terminado.

O governo Bolsonaro é um exército retirante. E está usando esse recurso covarde. O que mais o presidente cujo mandato está terminando tem feito é assinar nomeações. Sua caneta ficou absurdamente nervosa, em contraste com a depressão do portador. Até o início desta semana, nada menos do que 42 aliados do Jairzinho foram plantados no solo onde Lula e seus parceiros irão pisar, a partir de 1º de janeiro. Não há nenhum segredo: tudo está publicado no Diário Oficial da União, sendo todas elas para cargos estratégicos. Isso tem ocorrido em comissões, conselhos, agências reguladoras, em áreas diplomáticas e de adidos militares. O presidente que está prestes a se retirar, promoveu nomeações também no Tribunal Superior Eleitoral.

Boa parte disso poderá ser revertida, mas essas ações demandam tempo e energia, retardando e prejudicando as ações iniciais do próximo governo. Seriam como minas desativadas por profissionais habilitados para tanto. Mas outras não serão passíveis disso, como os dois nomes postos na Comissão de Ética Pública. Com mandato de três anos e uma impossibilidade legal de substituição, lá ficarão até o início do último ano do governo Lula o atual ministro da Secretaria de Governo, Celso Faria Júnior, assim como também o assessor especial da Presidência, João Henrique Nascimento de Freitas. Aquela comissão integra a instância consultiva do presidente da República, sendo acionada cada vez que ocorram suspeitas de conflitos de interesse, dúvidas e suspeitas relativas à aplicação do Código de Conduta da Alta Administração Federal. Desse modo, o deprimido terá mais olhos e ouvidos muito próximos do centro do poder, em Brasília. Outro exemplo: no Conselho Nacional de Educação ele plantou quatro nomes escolhidos a dedo, com mandatos de quatro anos, sem possibilidade de troca.

Uma curiosidade sobre as minas de uso militar está no fato de que ratos têm condições de, uma vez treinados, detectar a sua localização. Isso porque percebem a presença de um composto químico encontrado nos explosivos. Assim, quando encontram uma delas passam a arranhar a superfície, chamando a atenção dos humanos que estão com eles empenhados no trabalho. Ou seja, um tipo de rato a instala, outro ajuda a impedir que o mal seja feito. Não deve ser muito difícil farejar más intenções na Capital Federal, mesmo para os não roedores.

22.12.2022

Acima vemos soldados removendo minas terrestres. Abaixo, uma criança mutilada por explosão. Essas armadilhas ainda estão presentes em 80 países

O bônus musical de hoje é o áudio da música Rosa de Hiroshima, com os Secos & Molhados. Uma narrativa sensível sobre o uso de armas atômicas pelos EUA contra civis japoneses na 2ª Guerra.

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ARMAS QUÍMICAS

Pouco mais de um século atrás o uso de armas químicas já era condenado, com seu emprego sendo considerado crime de guerra. Uma coisa que é bastante estranha de se entender, isso dos conflitos bélicos terem essa espécie de “código de honra”, estabelecendo que formas são aceitáveis para matar os inimigos e que formas não podem ser usadas. De qualquer maneira esse critério, que foi estabelecido como uma espécie de “graduação da crueldade”, de fato existe. Mesmo que, como todos nós sabemos, nem sempre ele seja respeitado. A decisão fora tomada em 1907, durante a Convenção de Haia. Ficavam proibidos a partir de então o uso de venenos ou armas tóxicas de qualquer natureza, que atingissem água ou solo. O documento citava ainda o pueril uso de flechas envenenadas. Gases não eram contemplados no texto porque simplesmente ainda não existia nenhum que tivesse esse fim. Pois bem: voltando à informação inicial, esse tipo de recurso nunca havia sido utilizado quando, numa batalha ocorrida em 1915, na Bélgica, os alemães recorreram a ele.

Foi durante a Primeira Guerra Mundial, na noite de 22 de abril. Soldados franceses e alemães disputavam território nas proximidades de Ypres, no noroeste da Bélgica. A luta pela posse da cidade se prolongava, sem perspectivas de vitória, quando um gás tóxico foi empregado. Centenas de recipientes de metal contendo cloro líquido haviam sido enterrados pelos alemães. Quando surgiu uma oportunidade, com a direção favorável do vento, eles abriram as válvulas e dispersaram 180 toneladas do produto. Liberado, esse líquido pressurizado se transforma rapidamente em um gás, que se espalha próximo ao solo, justo onde ficam as trincheiras.

Uma nuvem de cor amarela flutuou na direção dos inimigos, causando horror e desespero. Cegos e sufocados, rostos vermelhos e em brasa, tossindo desesperadamente, os franceses tentavam em vão recuar para posições mais seguras. Três mil deles morreram e outros sete mil sobreviveram, mas com corrosões graves. Segundo o historiador Ernst Peter Fischer, foi este o instante que marcou a perda da inocência da ciência. Essa, que deveria ser sempre usada para melhorar as condições de vida das pessoas, acabara de extinguir propositalmente milhares delas.

Foi o químico alemão Fritz Haber quem descobriu que o gás de cloro poderia ser usado como uma arma estratégica. Ele sabia que o produto ataca as mucosas, causa forte secreção de líquido e muco, dispneia e termina levando à morte. Tudo com a vantagem de ser barato, uma vez que se tratava, na época, de um resíduo industrial. Este foi o primeiro entre todos os cientistas conhecidos a colocar o seu conhecimento a serviço das Forças Armadas. Pelo sucesso alcançado nessa “batalha experimental”, recebeu a patente de capitão – esse gosto doentio pelo sofrimento e morte dos outros está me lembrando de outro capitão agora. Foi ele também quem descobriu a possibilidade de se produzir amônia com a combinação de hidrogênio e nitrogênio. Um bom método para fabricação de certos fertilizantes, por exemplo, mas também para que com ele se façam explosivos. Essa descoberta lhe rendeu o Prêmio Nobel de Química em 1918.

Esse novo produto surgido do saber de Haber recebera o nome de Zyklon A. Em setembro de 1941, já na Segunda Guerra Mundial, uma variedade dele, o Zyklon B, que era usado para fumigação, foi aplicado para dizimar 600 prisioneiros de guerra soviéticos e 250 pessoas enfermas, no Campo de Concentração de Auschwitz. Em forma de um granulado, quando em contato com o ar ele se transforma em um gás letal. No total, aproximadamente 1,1 milhão de vidas foram tiradas com esse método pelos nazistas, até o final dos conflitos, em 1945. Um detalhe que soa ainda mais sinistro está no fato do inventor ser judeu. O que o levou a ter que fugir da Alemanha durante o regime liderado por Hitler, indo para a Inglaterra.

Entretanto, se faz necessário explicar que essa conduta não ficou restrita aos alemães, nas duas guerras. Outros países acabaram fazendo o mesmo. O fosgênio e o gás de mostarda foram largamente aplicados. O requinte da técnica permitiu inclusive o uso combinado de mais de uma dessas substâncias. Os militares da época apelidaram essa receita de “tiro colorido”. E as indústrias produtoras alcançaram lucros exorbitantes com isso. O grupo BASF, por exemplo, foi um deles. Em termos de baixas, na Primeira Guerra Mundial foram 90 mil os soldados que tombaram vitimados por gases tóxicos. Em função disso foi assinado um documento chamado de Protocolo de Genebra, ao seu término, tentando alcançar seu banimento. Mas as pesquisas e o seu aprimoramento continuaram disfarçados, como sendo estudos para o combate de pragas agrícolas.

Durante a Guerra do Vietnã os EUA aplicaram largamente um herbicida e desfolhante químico, o “agente laranja”. A vegetação era praticamente dissolvida, expondo os soldados vietcongs que se tornavam alvos muito fáceis. O solo ficou envenenado, causando deformidades por muitos anos. Em agosto de 2013 houve um ataque com armas químicas na Síria, com governo e rebeldes até hoje se acusando mutuamente, no tocante à autoria. E esses recursos de destruição em massa já foram inclusive usados como pretexto para outros conflitos. Como quando os EUA atacaram o Iraque, supostamente porque ele as possuía, o que depois foi comprovado ser uma mentira plantada pelo governo Bush. E assim caminha a humanidade. Sabe-se lá até quando.

01.09.2021

O uso de máscaras contra gases passou a integrar a lista de equipamentos militares

No bônus de hoje a cantora e compositora norueguesa Sigrid, com a música Everybody Knows (Todo Mundo Sabe), do cananense Leonard Cohen. O clip está legendado com a tradução da letra em português. E, ao final, está a explicação de que a intenção de Cohen,  com essa composição de 1988, era demonstrar que, no fundo, não estamos no controle dos nossos destinos, mas “apenas navegando em um barco comandado por outros, que está afundando”.