Acredito que poucas pessoas saibam quem foi Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897-1973). Mas basta conhecer um pouco da música popular brasileira, ou gostar especialmente de um bom chorinho, e saberão algo de Pixinguinha. Esse maestro e compositor era brilhante no seu ofício. Também tocava flauta – como seu pai, a quem chegou a acompanhar em saraus pela cidade do Rio de Janeiro –, saxofone e cavaquinho, além de ser ótimo arranjador. Quando era criança, ele ficava quieto em algum canto da sala para acompanhar as serenatas que a família promovia em casa. Aprendeu a apreciar valsas, polcas e lundus. Gostava mais disso do que das aulas que tinha no Mosteiro de São Bento, onde admite que estudou apenas para agradar seus pais.

Precoce por ter aprendido música em casa mesmo, também muito jovem conseguiu o seu primeiro emprego, quando com 15 anos foi tocar num cabaré da Lapa. E nem me perguntem como isso era possível naquela época. Isso foi em 1912, com ele logo passando a atuar como flautista na orquestra da sala de projeção do Cine Rio Branco. Bendito cinema mudo, que dava trabalho bom para músicos talentosos! Foi assim que ele trilhou o caminho que o levou ao teatro de revista. Depois, junto com João Pernambuco e Donga, outros dois ícones da música em nosso país, integrou o grupo Caxangá. Também fez parte do conjunto Oito Batutas, que começou a tocar em 1919. Em 1921 ele e seu grupo musical estiveram cumprindo temporada em Paris, algo surpreendente para a época. Foram de vapor para a Europa, financiados pelo milionário Arnaldo Guinle, ficando seis meses por lá. Assim é que o Velho Mundo foi apresentado oficialmente ao chorinho e ao samba. Na volta, comprou uma casa com o dinheiro ganho.

E em 1930 foi contratado pela RCA Victor para criar arranjos para os astros daquela gravadora, como Francisco Alves e Mário Reis. Ficou por lá mais de uma década, sendo depois substituído por Radamés Gnattali. Saiu para integrar o Regional Benedito Lacerda, onde se notabilizou com o saxofone tenor. Pixinguinha teve o mérito de sistematizar boa parte da música que era produzida no Século 19, na capital carioca. E também contribuiu de modo significativo para a sua modernização. Foi um estudioso de ritmos de influência africana, que ocupavam as ruas, mas também os que eram ensinados em escolas e os tocados por bandas. O choro ou chorinho, que o notabilizou, surgiu em meados daquele período, do mesmo modo que o samba. Ambos tiveram seu começo nas reuniões de escravos libertos que tinham vindo da Bahia e ocupavam morros do Rio, em local que era conhecido como “Pequena África”. Uma das diferenças entre os dois é que o samba-de-roda começa mais lentamente e ganha força e cadência, em geral com um coro repetindo o refrão. O choro tinha jeito mais lastimoso, talvez daí derivando seu nome.

Nos anos 1960, criou a trilha do filme “Sol Sobre a Lama”, em parceria com Vinícius de Moraes. Pouco tempo depois sofreu um infarto e esteve internado por 20 dias. Aproveitou o recolhimento forçado e compôs 20 músicas, uma por dia. Ao longo da vida, assinou mais de 130 composições, tendo com muitas delas atingido enorme sucesso, como Carinhoso e Lamentos, dois dos seus mais famosos choros. Mas seu repertório contempla, como dito antes, alguns outros gêneros. Rosa, Lamentos, Naquele Tempo e Mundo Melhor são bons exemplos de receptividade pública.

O apelido Pixinguinha acompanhou Alfredo desde a infância. E bota período movimentado nisso: eram 17 irmãos. Foi uma mulher de sua família, não se sabe exatamente se a avó nascida na África ou uma prima de nome Eurídice que lhe deu. Mas o original era na língua pátria dos antepassados e um pouco diferente: Pizindim, que significa simplesmente “menino bom”. A corruptela na pronúncia e na grafia foi posterior, sendo resultado da soma do apelido primeiro com Bexiguinha. Esse novo veio também da infância, quando ele teve varíola, doença na época chamada popularmente de bexiga. Ela fez com que seu rosto guardasse marcas características. Homem com biografia cheia de momentos incomuns, despediu-se da vida em outra situação inusitada. Morreu na Igreja de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, quando foi ser padrinho de um batismo.

21.10.2021

Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha

No bônus de hoje, Luciana Mello interpreta Rosa, de Pixinguinha. Ela é filha do sambista Jair Rodrigues e a gravação foi feita para o DVD O Samba Me Cantou, realizado ao lado do seu irmão Jair Oliveira. O local é o palco do Auditório do Ibirapuera, em São Paulo.

1 Comentário

  1. Obrigada por estas lembranças. Há tanta criação artística linda no nosso país! Lembrar o que tivemos é ajudar a seguir apesar de tudo.

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