Para aquela parcela da população brasileira que segue acreditando que nada melhor poderia nos acontecer do que nos tornarmos uma cópia dos EUA, no comportamento social e na economia, a pandemia pode ter contribuído para a assimilação parcial de um detalhe que identifica muito aquele povo. Me refiro à pouca afinidade com manifestações públicas de afeto. Nós, que somos totalmente latinos de “sangue quente”, sempre fizemos isso com muito mais desenvoltura. Os nossos “irmãos do norte”, no entanto, não raras vezes aparentam verdadeira repulsa diante da possibilidade de qualquer contato físico. Um gesto de carinho de uma outra pessoa ganha conotação de desrespeito ao seu corpo, de invasão e de assédio. Por isso, a necessidade de cuidados e de distanciamento social trazida pela pandemia nos aproximou dessa verdadeira ojeriza, reduzindo nossos toques e abraços literais. O que faz imensa falta.

Um abraço é uma expressão com múltiplos sentidos e significados, que em geral duas pessoas – pode envolver um número maior, de modo simultâneo – praticam com o envolvimento do corpo uma da outra pelos seus braços e mãos. Uma troca afetiva com certa dose de intimidade, sem que precise ser extrema. Mas podendo também ser, evidente. É assim porque pode ir de simples cumprimento a uma significativa manifestação de sentimentos. Todas as culturas do mundo parecem ter essa prática, com maior ou menor intensidade e frequência. Com um abraço as pessoas revelam carinho, compaixão, saudade, amor, proteção e muito mais. Até mesmo o medo pode nos levar a esse estreitamento mútuo. O abraço é um poderoso recurso não verbal que comunica; uma forma sem igual de reconhecimento.

O poeta gaúcho Mário Quintana escreveu que “abraçar é dizer com as mãos o que a boca não consegue. Porque nem sempre existe palavra para tudo”. Um abraço é algo tão incrível que os mais apertados muitas vezes nos dão maior alívio. E nessa arte os brasileiros são mestres. Por aqui, muito antes da Covid-19 estar presente já havia, em paralelo com os concretos, abraços virtuais e falados. Aqueles que nossa conhecida informalidade permite escrever ao final de mensagens de e-mail ou de WhatsApp, mesmo sem muita intimidade com a pessoa destinatária. Ou os dados apenas com o falar, para conhecidos com os quais cruzamos na rua: na despedida a pessoa diz “um abraço” e recebe resposta idêntica, mesmo que nem sequer cheguem muito próximas uma da outra.

Mas o abraço literal, esse do qual reafirmo todos sentimos mais falta, é quase uma terapia. Ele faz um belo par com o “bom dia”; com encontros e reencontros; substitui remédio contra a depressão. Se vem com um beijo, se potencializa. Sendo sincero, ultrapassa o corpo e acalma a alma. O abraço é ponto de partida para intimidades, mas sua conotação maior está longe de ser sexual. Até porque abraço se dá em público – ao menos aqui no Brasil – e ninguém transa nas ruas, em corredores de shoppings, na porta de teatros. Mesmo em ocasiões nas quais a vontade pode até estar presente. Sobre esse, dado no homem ou na mulher amada, Caio Fernando Abreu confessou: “Eu sinto ciúme quando alguém te abraça, porque por um segundo essa pessoa está segurando meu mundo inteiro.

Na verdade, abraço bom nem tem motivo. Vem sem aviso e nos enlaça. Abraço bom dá vontade de ficar morando nele. Abraço bom tem um silêncio eloquente. É quentinho; é insubstituível. Por tudo isso a vacina contra o coronavírus pode e deve ser vista como um remédio a favor do abraço. Se a efetividade dela no combate à doença não for o suficiente para lhe convencer a oferecer o braço para o aplicador, pense nas pessoas que ama e para as quais poderá voltar a alcançar não apenas um, mas ambos os braços, com muito menos risco para você e para elas. Uma chance ímpar de voltar a parecer outra vez um brasileiro nato e não um norte-americano constrangido – sem que se faça generalizações, evidente. Dito isso, encerro o texto de hoje com um forte abraço a quem leu com atenção até aqui.

06.08.2021

Abraços têm valor terapêutico, afetivo e emocional

No bônus de hoje, a banda mineira Jota Quest com a música Dentro de Um Abraço. Ela é uma das faixas do álbum Funky Funky Boom Boom.

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