A BALSA DO SEXO
Um antropólogo com dupla nacionalidade, espanhola e mexicana, foi o responsável por um experimento estilo Big Brother, em 1973. Ou seja, muitos anos antes deste e de outros reality shows virarem moda na TV. Santiago Genovés teve a ideia de submeter a si próprio e mais dez voluntários a uma viagem em pequeno barco e em alto-mar, totalmente isolados e sem a possibilidade de contar com qualquer apoio, durante 101 dias. Eles não possuíam motor nem eletricidade, comunicação ou quaisquer outras embarcações de acompanhamento. Assim, não haveria sequer a possibilidade de recuar, depois de ter sido aceito o embarque. O objetivo era estudar o comportamento humano. Assim, com anúncios publicados em jornais de vários países, ele selecionou quatro homens e seis mulheres de nacionalidades, contextos sociais e inclusive religiões diferentes. Até um padre estava entre os escolhidos. O barco foi especialmente construído, tendo apenas 12 por sete metros.
Como exposto acima, o propósito não era entretenimento dos participantes e do público: tratava-se de uma experiência científica apesar do ineditismo do laboratório ser flutuante. O pesquisador queria ver se, confinados, os humanos iriam reagir como ratos, que se tornam violentos e agressivos em situação semelhante. Uma espécie de estudo como o feito por Skinner. Aliás, fazendo um necessário parêntesis, esse senhor norte-americano foi um psicólogo, inventor e filósofo que defendia a ideia de que o livre arbítrio é uma ilusão humana e que nossas ações são determinadas pelas consequências de outras anteriores. Ele foi o responsável por um dos maiores estudos já realizados a respeito de estratégias usadas para manipulação social, sendo autor da Teoria do Behaviorismo Radical. Acho mesmo que Steve Bannon deve ter lido o que ele escreveu, além de ter consumido Maquiavel.
Voltando à história da balsa, por incrível que pareça a ideia surgiu durante o sequestro de um avião no qual Genovés estava voando entre Monterrey e a Cidade do México, onde lecionava. Ele era uma das figuras de maior prestígio na antropologia, tendo doutorado nesta área pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido. E suas pesquisas se concentravam justamente na questão da violência. O grupo armado que tomou o avião fez isso exigindo a libertação de companheiros seus que estavam presos. Mais tarde ele chegou a comentar que esse fato “era bom demais para ser verdade”, tendo ele a chance ímpar de observar por dentro uma ação como aquelas que apenas em teoria acompanhava. Então ele passou a pensar na possibilidade de reproduzir um ambiente semelhante para o prosseguimento dos trabalhos.
Ele já havia ouvido de marinheiros amigos seus que nada se compara ao comportamento de homens confinados em alto mar, afirmação que passou a considerar com muito maior seriedade. No barco que mandou construir, apenas com uma pequena vela, existia uma única cabine onde cabiam os corpos deitados dos navegadores, quando o repouso fosse de fato necessário. Chuveiro e vaso sanitário ficavam ao ar livre, no convés. O nome dado à balsa foi Acali, uma palavra no idioma náuatle, falado pelos astecas, que tinha o significado de “casa na água”. E nela, para ampliar as possibilidades de haver conflito, Genovés criou uma série de estratégias. A primeira foi dar às mulheres as funções dominantes. Uma capitã foi designada: a sueca Maria Björnstam, de 30 anos e solteira. As outras também ganharam algum tipo de destaque, propositalmente, com as tarefas mais insignificantes ficando com os homens.
Quando a mídia tomou conhecimento do experimento, tratou de apelidar maliciosamente a embarcação de “Balsa do Sexo”. Como se a situação levasse necessariamente a facilitar orgias e um total descontrole. Mas isso terminou não acontecendo, apesar de ter havido relações entre alguns, de modo eventual. A viagem iniciou dia 13 de maio, em Las Palmas, nas Ilhas Canárias, pertencentes à Espanha. E seu destino era a ilha mexicana de Cozumel. Quando chegaram ao México, todos os passageiros, incluindo Genovés, ficaram mantidos em isolamento por uma semana, período no qual foram submetidos a vários exames com psicólogos, psiquiatras e outros médicos.
O que não deu muito certo foi o resultado em si do experimento. Não se confirmou a tese de que o confinamento aumentaria substancialmente a agressividade. A maior parte dos conflitos foram resolvidos com a devida diplomacia, apesar de várias desavenças. E o antropólogo esse sim ficou mais tenso do que esperava ficar, na ansiedade de comprovar sua tese. Chegou a destituir a capitã para assumir o comando. Tempos depois alguns dos participantes confessaram que, contra ele, chegaram a pensar em atos extremos. Até mesmo a ideia de assassinato ocorreu para alguns. Genovés chegou a fazer outra expedição, mas desta feita sozinho. Talvez não tenha desejado correr novos riscos. E não se sabe qual foi a nova tese que tentou comprovar.
05.08.2022

O bônus de hoje é Arabia, Violin and Dance Show, uma apresentação musical e performática de Hanine El Alam. Ela é uma talentosa violinista libanesa que toca desde os nove anos de idade. Seus shows mesclam o instrumental com a dança, esbanjando qualidade sonora e sensualidade.