DIRETORA CENSURA OBRA QUE ELA PRÓPRIA PEDIU

Jeferson Tenório nasceu no Rio de Janeiro, mas está radicado em Porto Alegre, onde se tornou mestre em Literaturas Luso-Africanas, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e doutor em Teoria Literária, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. É um dos bons escritores de algo que se pode chamar de “nova geração”, tendo em vista que seu romance de estreia, O Beijo na Parede, foi publicado em 2013. Pouco tempo atrás, portanto. Esta primeira obra, no entanto, já saiu lhe rendendo a eleição como Livro do Ano, pela Associação Gaúcha de Escritores.

Produziu também bons textos teatrais, que mereceram tradução para os idiomas inglês e espanhol. Mais recentemente, em 2021, Tenório foi agraciado com o Prêmio Jabuti – talvez o mais cobiçado no Brasil – pelo seu romance O Avesso da Pele. Segundo seu relato, um dos motivos pelos quais decidiu começar a escrever foi a série de experiências que viveu com abordagens policiais violentas. Afinal, ele não é um homem branco, o que o torna suspeito em muitas circunstâncias. Assim, usou do seu inegável talento para enfrentar o racismo, tão presente em todo o nosso país, com ênfase extremamente maior justo aqui no Sul, onde ele escolheu viver.

Interessante é que a maioria dos seus textos são narrados sob o ponto de vista de personagens pertencentes à faixa infanto-juvenil. Faz isso porque acredita que pode atingir um público maior, alcançando aquele seu real objetivo, esclarecendo mentes mais abertas e sinceras, com as quais a empatia se torna mais provável. Então, ele escreve abordando desigualdades e pobreza. Buscando quebrar a lógica da naturalização destes fenômenos sociais tão nefastos. O que, entre os mais velhos, parece ser bem mais difícil.

Um fato ocorrido agora com ele, confirma isso. Este seu segundo livro que citei foi incluído na relação que o Ministério da Educação (MEC) disponibiliza através do seu Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), para escolas públicas de todo o país. Atende pedidos das próprias instituições, para fazer isso. Deste modo, no final do ano passado O Avesso da Pele chegou também a escolas aqui do nosso Estado. Entre elas estava a Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, de Santa Cruz do Sul. Só que sua diretora, Janaína Venzon, decidiu devolver os pacotes. Mais do que isso: ela gravou um vídeo reclamando de palavras constantes em algumas das páginas, bem como dando a entender que o assunto seria sexo. Não conseguiu se dar conta de que o tema tangenciava a conotação sexual para tratar, isso sim, do efeito do racismo na vida de pessoas negras.

A história contada é a de um professor de literatura que é assassinado após uma abordagem policial inadequada, em Porto Alegre. O narrador é o filho da vítima, com o texto trazendo reflexões sobre relações familiares e educação. Só que Janaína provavelmente não tenha lido a obra. Se ateve a interpretar erradamente trechos que não estão soltos e gratuitos, sendo necessários no contexto. A repercussão do vídeo foi imediata e ela se defendeu dizendo que a 6ª Coordenadoria Regional de Educação havia corroborado seu pedido, determinando o recolhimento. Entretanto, o coordenador Luiz Ricardo Pinho de Moura negou o fato. Mas, ele foi desmentido quando surgiu cópia do ofício através do qual realmente dava tal ordem.

Com o assunto virando notícia nacional, a editora Companhia das Letras, uma das maiores do Brasil, repudiou a interpretação da diretora, que chamou de “distorcida e descontextualizada”. E acrescentou ainda que este ato “viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo”. Foi quando a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) emitiu nota negando ter orientado ou sequer concordado com a decisão de Moura. Interessante é que consta no Sistema Integrado de Monitoramento do MEC, que é aberto para que seja consultado por quem possa se interessar, um pedido formal pelos livros, assinado em novembro de 2022 – ainda durante o governo Bolsonaro, portanto –, pela própria Janaína.

Quanto às palavras que escandalizaram a diretora puritana, é hipocrisia acreditar que alunos cursando o Ensino Médio as desconheçam ou não as usem. E precisamos acrescentar que, além de vencer o Jabuti, na categoria de Romance Literário, o livro de Tenório foi finalista do Prêmio Oceanos no mesmo ano. Esse é o de maior reconhecimento à qualidade de obras escritas em língua portuguesa, em todo o mundo. Talvez por aqui se tenha pessoas que não façam parte deste mundo.

05.03.2024

Jeferson Tenório é um escritor premiado

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