O MSTchê

Não é incomum que se faça generalizações apressadas e muito menos que se use termos de um modo impreciso, quando se atribui a outras pessoas ou verifica de fato nelas algum comportamento inapropriado e absurdo. Como chamar de louco, por exemplo. Ou de paranoico. Podem ter certeza de que muitas vezes os verdadeiros loucos e paranoicos não merecem essa comparação, que os deprecia.

Para evitar incorrer nessa falha – ao menos desta vez, porque em muitas com certeza cometi esse erro –, fui me informar o que seria de verdade a paranoia. Achei descrições que a colocam como uma série de sensações de caráter irracional, que se tornam persistentes e que um indivíduo tem em relação a outras pessoas e ao mundo em geral. Ainda verifiquei que elas podem ser esporádicas e aleatórias, ou ter sempre um alvo específico. Posto isso, não me parece que seja exagero considerar a hipótese de tal distúrbio esteja presente em muita gente que agora se manifesta usando as redes sociais e os meios de comunicação.

O paranoico não pode ver duas pessoas conversando e acha que estão falando dele. Como se tudo fosse uma conspiração o tempo todo. Fica de fato convicto da realidade de suas preocupações e passa a tirar conclusões precipitadas e distorcidas. Ele suspeita que o tempo todo há algo ou alguém querendo atingir a ele e também ao que o constitui, como os seus pontos de vista, seus projetos pessoais e profissionais, bem como seus relacionamentos. E o mais interessante é que o paranoico não aceita sequer a possibilidade de que esteja paranoico. Se outra pessoa ousa levantar essa hipótese é porque ela também faz parte deste emaranhado de injustos e mentirosos que estão atentos a ele.

Dias atrás um colega jornalista, que atua na Gazeta do Povo e na Jovem Pan, postou uma imagem que retirou da transmissão do programa que a Globo leva ao ar nas noites de domingo, o Fantástico. E a usou como sendo a prova de que os golpistas que atacaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro, eram na verdade esquerdistas disfarçados. O texto que colocou junto da tal imagem era o seguinte: “Pergunta para a CPMI fazer: O que esse “patriota” estaria fazendo com a bandeira do MST na mão, dentro do Palácio do Planalto, durante a invasão com depredação do 8 de janeiro?”. A reprodução que faço aqui é exata. Inexato é o pensamento do autor da postagem, uma vez que a bandeira portada pelo depredador era a do Rio Grande do Sul.

Considerando que o cidadão trabalha profissionalmente há três décadas e que também é professor universitário, se torna impossível acreditar que não soubesse ser aquela a bandeira de uma unidade da Federação. Ele fez curso superior, especialização, trabalhou em emissoras de rádio tendo sido inclusive diretor e editor-chefe em mais de uma delas. E tem um blog no qual escreve sobre política. Logo, afasta-se a hipótese de ser pura desinformação: é paranoia mesmo. Seus olhos viram algo, mas o cérebro decidiu enxergar outra coisa, escancaradamente. Ele precisava achar alguma prova de que seu ponto de vista político é coerente. E foi incoerente para alcançar isso.

Como as redes sociais são implacáveis, de imediato sofreu a reação de centenas de pessoas. A maior parte delas de forma bem humorada. Uma que se tornou talvez o carro-chefe dos memes foi a que atribuiu a ele a fundação do MSTchê. Para quem seja necessário explicar o que isso significa, trata-se da fusão da sigla do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) com uma expressão coloquial gaúcha, o Tchê. Ela é uma espécie de saudação, que usamos para nos referirmos a alguém, tendo sentido semelhante – mas não igual – a cara, amigo, companheiro. E a CPMI é a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que deverá ser instalada para investigar os acontecimentos antidemocráticos e golpistas.

Já que o “vivente” se meteu a incluir gaúchos na empreitada de querer associar os eventos a movimentos de esquerda e ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, podemos prosseguir usando alguns dos ditados que são comuns aqui no Sul. Como dizer que ele, diante da imagem, ficou “mais assanhado que lambari de sanga”, acabou se precipitando e mostrou ser “mais boca aberta que burro que comeu urtiga”.

28.04.2023

P.S.: Escrevi esse texto na quarta-feira, dia 26. Quando estava concluindo recebi a informação de que a Jovem Pan o demitira na manhã anterior. Ele atuava no programa “3 em 1” e, além de ter postado a inverdade, ainda foi grosseiro com internautas que depois o corrigiram, sendo isso a “pá de cal”. A emissora já sofreu penalidades antes, pela disseminação de fake news, estando por isso mais atenta quanto às questões editoriais. Na semana passada a JP também rompeu contrato com uma afiliada que tinha sede em Itapetininga, cidade do interior de São Paulo. Isso porque o proprietário da parceira confirmou, em entrevista, que foi um dos financiadores da tentativa de golpe em 8 de janeiro.

Invasor levava consigo uma bandeira do RS, mas por cegueira ou má fé entenderam ser ela o pavilhão do MST

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O bônus musical de hoje é Paranoia, de Raul Seixas. Ela é uma das faixas do seu álbum Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!, lançado em março de 1987.

A SITUAÇÃO EM BENTO GONÇALVES

Eu gosto da cidade de Bento Gonçalves. Tenho familiares, pessoas a quem amo, que moram lá. No mês passado estive visitando o Vale dos Vinhedos, um local encantador, quando pude aproveitar um pouco da gastronomia do local e visitar algumas vinícolas. E reconheço toda a importância que tem aquele município para a economia e a história do Rio Grande do Sul. Mas, infelizmente, pela ação de pessoas que representam o que de pior pode ter uma comunidade, a sua presença no noticiário dos últimos dias não foi devida a nenhuma das suas inúmeras qualidades.

Foi em Bento que, a partir da fuga e da denúncia que conseguiu fazer um dos que eram explorados, pode ser descoberta toda uma estrutura que vinha se locupletando com o uso de trabalho análogo ao escravo. Mais de 200 homens foram então libertados, naquela que é a maior operação de todos os tempos em nosso Estado, no combate a esse tipo de crime. O número se equipara à soma do que havia ocorrido em mais de dois anos anteriores. Eles eram baianos, em sua imensa maioria, trazidos de sua terra natal com a promessa de receberem bom salário e alojamento adequado, para trabalho na colheita da safra de uva. Mas nada disso era verdade.

O aliciador Pedro Augusto Oliveira de Santana (45) já fazia com que os trabalhadores chegassem ao Sul com dívidas. Isso porque a alimentação que consumiam ao longo da viagem desde a Bahia até a Serra Gaúcha era anotada para compensação posterior no primeiro salário. Depois, o alojamento em que ficavam era de condições precárias, sendo também cobrado. Como se não bastasse, todos eram obrigados a comprar o que desejavam consumir em um local indicado. Acontece que o “hotel” assim como o mercado eram de parceiros do aliciador – que, aliás, mantém várias empresas em seu nome e de sua esposa, como forma de burlar a fiscalização –, de tal maneira que no final das contas o trabalho era feito em troca de comida muitas vezes estragada e da péssima estadia.

Outros agravantes foram sendo somados, como a proibição de que se ausentassem tanto do local de pernoite quanto das plantações onde eles realizavam a colheita. Contato com familiares, nem pensar. E ameaças de agressão algumas vezes formam tornadas reais. Aqui, um ponto de muita relevância para as investigações em curso: existe a suspeita de que policiais militares participassem desses atos. Depois de libertados eles contaram que tais ameaças eram ainda estendidas às famílias que aguardavam na Bahia por notícias e por valores que jamais chegavam.

Uma vez denunciado e comprovado o fato lamentável, uma sucessão de outros absurdos começaram a acontecer. As três vinícolas envolvidas no caso, por estarem sendo atendidas por essa mão de obra terceirizada, se apressaram a dizer que nada sabiam. Mas como? Estruturas do tamanho delas não têm departamento jurídico? Não tinham a informação de que são também responsáveis pelo pessoal que lhes presta serviço, mesmo que contratado indiretamente? Então a Câmara de Indústria e Comércio da cidade tratou de afirmar que a culpa disso tudo era – pasmem! – dos programas sociais do governo, que fazia com que muita gente capaz de trabalhar na região se recusasse a fazer isso, obrigando a que fossem trazidos trabalhadores de longe. Quem emitiu essa opinião, se não foi por má fé, na certa desconhece que tais valores não garantem o sustento de uma família, sendo forma de amenizar a carência.

Nos dias seguintes, um vereador bolsonarista de Caxias do Sul, ligado ao agronegócio, resolveu meter sua colher torta no assunto. Na sessão da Câmara, Sandro Fantinel disse que o povo baiano não gostava de trabalhar – esqueceu que estes homens atravessaram o país em longa viagem justamente porque queriam trabalho – e que sua única cultura é “viver na praia batendo tambor”. E sugeriu que nunca mais ninguém da região contratasse “aquela gente lá de cima”. Com o vídeo, que muito rapidamente viralizou nas redes sociais, produziu contra si próprio as necessárias provas de crime de racismo e xenofobia. Esse mesmo vereador, que tem fotos participando de acampamento antidemocrático nas portas de quartel, já havia ofendido a honra de ministro do STF, no mês de novembro. Agora foi expulso do Patriotas, vai enfrentar processo de cassação, terá que responder na justiça ações do Governo da Bahia, entre outras, e passou a ser investigado pela Polícia Federal.

Como vergonha pouca é bobagem, um novo grupo de trabalhadores foi localizado na cidade, composto por 24 homens que haviam sido trazidos pelo mesmo aliciador. Este, que fora preso no primeiro momento e saiu com o pagamento de fiança de R$ 39.060,00, ao que parece tentou fazer com que os recém localizados declarassem não estar mais a serviço de sua empresa de mão de obra – o que, no entanto, ainda precisa ser averiguado. Ou seja, em liberdade está tentando interferir no andamento das investigações. Outro detalhe que causa bastante estranheza é que Santana teria concordado em indenizar os primeiros liberados, com R$ 600 mil, a título de dano moral coletivo. Isso além do pagamento de todas as verbas rescisórias devidas. Mas de onde estariam vindo esses recursos? Seriam dele mesmo ou dos peixes graúdos que acabaram atingidos com a descoberta?

Também foi informado que os baianos passaram a ser buscados após não terem conseguido manter haitianos e senegaleses no trabalho, com a volta da maioria destes migrantes que estavam na Serra para os seus países de origem. Ou seja, se reproduzia de certa forma a história da escravidão no Brasil: quando não asseguraram mais os indígenas nas plantações, trouxeram os negros escravizados da África.

A verdade é que, mesmo se o problema for resolvido de forma razoável, o estrago causado à reputação regional está feito. A cidade que deu 75,80% dos seus votos para Bolsonaro, no segundo turno das eleições do ano passado, sentirá de alguma forma na pele o que representa apoiar esse pensamento, esse posicionamento político, no qual o desrespeito ao ser humano, a precarização do trabalho, a defesa dos interesses de poderosos está sempre em primeiro plano. Não há acaso, não há coincidência ou mal entendido. Com o perdão do trocadilho, estão apenas colhendo o que plantaram. E não são apenas uvas.

02.03.2023

Sandro Fantinel, vereador caxiense eleito pela extrema-direita

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Quanto ao bônus musical de hoje, trata-se do clipe de Deuses Afro-Baianos, com a Banda Reflexus.

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