O CÓDIGO SECRETO DA NATUREZA

Um matemático italiano chamado Leonardo Fibonacci (1170-1250), que também ficou conhecido como Leonardo de Pisa, pode ser considerado, com pouquíssima chance de erro, como o melhor entre os europeus que viveram durante a Idade Média. E, entre suas realizações, nenhuma ganhou mais notoriedade do que aquela que foi popularizada como Sequência de Fibonacci ou Código Secreto da Natureza. Isso até hoje ainda gera estupefação e uma certa polêmica, mas é inegável que se trata de um elemento que surpreende por ser encontrado com frequência avassaladora no mundo natural.

Foi em 1202 que Fibonacci escreveu Liber Abaci (Livro do Ábaco ou Livro de Cálculo, em português), onde aparece a tal sequência. Por mais absurdo que isso possa parecer, seu trabalho foi baseado na análise de um problema teórico sobre a criação e reprodução de coelhos. Nessa suposição, ele parte da hipótese de uma pessoa que não possuía coelhos (zero) adquirir um casal destes animais recém nascidos. Eles levam dois meses para atingir a idade de reprodução e, a partir disso, podem se reproduzir a cada 30 dias. Assim, imaginando que depois dela – a maturidade – ser alcançada façam todos os casais essa multiplicação, com absoluta precisão mensal, sempre nascendo um novo casal e nenhum animal morrendo, quantos pares de coelhos existiriam ao final de um ano inteiro? Claro que essa é uma probabilidade que é praticamente impossível, do ponto de vista biológico, mas muitíssimo adequada quando se pretende realizar um cálculo meramente matemático.

No primeiro mês existiria apenas o casal original, ainda imaturo. No segundo, ainda o mesmo, agora em idade reprodutiva. No terceiro, seriam dois casais: o original e sua primeira cria. No quarto, o original, sua primeira prole agora em condições de reproduzir e mais a segunda geração dos primeiros, num total de três. No quinto mês, os pioneiros, agora com três proles e os primeiros filhotes da primeira ninhada, num total de cinco. Seguindo sempre dessa forma, o número de pares de coelhos obedeceria à seguinte sequência: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, número atingido no final do ano. Mas prosseguiria com 233, 377, 610, 987 e assim sucessivamente, sempre com cada número sendo o resultado da soma dos dois anteriores. E a sequência é, portanto, infinita. Há quem diga que não teria sido baseado em coelhos, mas nas abelhas que o estudo de Fibonacci se baseou. Primeiro, porque são idênticos os resultados; segundo, porque muito próximo de sua cidade estava a mais importante exportadora de cera daquela época.

Essa “descoberta” passou totalmente despercebida da comunidade científica de então. Mas, ao longo do Século 19, muitos matemáticos estudando a sequência se deram conta da enormidade de vezes que ela aparece espontaneamente na natureza. Ela se repete de modo idêntico em diversas estruturas e em padrões de crescimento. Pegando como exemplo as pétalas das flores: o lírio tem três, a prímula cinco, o delfínio oito, a erva-de-são-tiago 13 e a chicória 21. Margaridas, por sua vez, podem ter 13, 21 ou 34. E os girassóis, que possuem duas camadas de pétalas podem ter 21, 34, 55, 89 ou 144 na primeira delas, com 34, 55, 89, 144 ou 233 na segunda, ambas emparelhadas perfeitamente.

Nos desenhos da casca do abacaxi, assim como também nas conchas dos caramujos, a mesma lógica é observada. As pinhas possuem um padrão geométrico em suas espirais, com oito delas irradiando no sentido horário e 13 no anti-horário. Inúmeras outras configurações biológicas repetem a frequência, como no arranjo do cone da alcachofra e no desenrolar das folhas das samambaias. Os números de Fibonacci aparecem na fórmula das diagonais de um triângulo de Pascal. E têm uso na conversão de milhas para quilômetros. O incrível é que recentemente se descobriu aplicações deles na análise de mercados financeiros, na teoria de jogos e na ciência da computação. A astronomia os identifica na disposição de constelações e galáxias. Isso tudo lhe rendeu também o apelido de Código de Deus.

Na realidade, não se sabe ao certo a razão de tantas “coincidências”. Mas que isso é de fato intrigante, não se pode negar. E, sem tentarmos resolver isso, o melhor é se pedir emprestada uma famosa frase de Shakespeare, em Hamlet: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”.

13.10.2021

Há padrões que se repetem na natureza, sem que se saiba exatamente a razão

No bônus de hoje, um músico cria uma melodia atribuindo números ao seu teclado, em determinada escala. Depois, toca seguindo rigorosamente a sequência de Fibonacci. A curiosidade está em saber o que resultaria disso.

ESTATÍSTICAS E PROBABILIDADES

As pessoas em geral, incluindo nesse grupo eu próprio, não se dão conta do quanto é difícil ganhar numa loteria. Mas jogam (jogamos) mesmo assim. Fazemos isso movidos pelo sonho, sendo que essa expectativa na verdade é quase uma profissão de fé. Quando se imagina o que se faria com os valores que se pode vir a ganhar, isso equivale mais ou menos à conquista do paraíso. Mesmo quando se conhece e até repete aquela expressão “dinheiro não traz felicidade”. Ela até pode ser verdadeira, mas facilidades e conforto não prejudicam ninguém. Entretanto, se a racionalidade fosse considerada, teríamos que lembrar que até ser atingido por um raio, no Brasil, é muito mais fácil do que ganhar na Mega Sena.

Nosso país, sabe-se lá a razão disso, ocupa a primeira posição mundial em um ranking que mostra a incidência de raios. Chegam ao solo cerca de 77 milhões de descargas por ano, em todo o território nacional. E ficamos em quarto quando se trata em mortes provocadas por elas: são 110 os casos em média, a cada ano, desde 2000 para cá. A cada 50 casos fatais no mundo, um acontece dentro das nossas fronteiras. No caso da Mega Sena, para conseguir o prêmio máximo a chance do apostador é de uma em pouco mais de 50 milhões. Para sermos bem exatos, numa sacola gigantesca onde coubessem 50.063.860 bolinhas, uma e apenas uma representa esse jogador sortudo. A certa teria que ser retirada de dentro em apenas uma tentativa. Estatisticamente isso significa ainda que é mais provável você ser atropelado no caminho da casa lotérica do que sair dela com um tíquete que venha a ser aquele que contenha os números premiados.

Mas já que abordamos aqui essa questão de ter ou não chances, delas serem palpáveis ou não, vamos dar uma olhadinha em conceitos de estatística e de probabilidade. A primeira é um conjunto de métodos que se usa para analisar dados já existentes. Ela pode ser aplicada em quase todos os ramos de atividade e áreas do conhecimento, sendo feito isso DEPOIS que se conhece os números. A probabilidade, por sua vez, é um ramo matemático que avalia chances de ocorrência de algum resultado, em quaisquer experimentos. Isso orienta, por exemplo, muitos tipos de pesquisa, ANTES delas serem feitas. É a determinação da expectativa mais provável de ocorrer, em algo que não se conhece ainda o resultado. Simplificando, a estatística examina o resultado, enquanto a probabilística tenta apontar qual ele possa vir a ser.

Assim, toda e qualquer loteria, observado o seu histórico, quais números foram mais sorteados ao longo do tempo, número de apostas vencedoras, valores médios distribuídos, etc., estará sendo vista pela estatística. E muitos apostadores se apoiam nesses dados para decidir como fazer sua aposta. Assim como se as probabilidades estivessem de braços dados com as estatísticas, mesmo elas não sendo a mesma coisa. E até mesmo quando se tenta pensar apenas nas chances, a matemática nos prega peças.

Para efeito de explicação e entendimento, vamos imaginar um conjunto de bolinhas brancas e de bolinhas pretas, que possam ser postas em um determinado recipiente, de onde vamos retirá-las depois. Uma lata ou vidro não transparente, por exemplo. Se você coloca uma de cada cor e deseja retirar, sem olhar para elas, a preta, terá 50% de chance de acertar. Se colocar duas de cada cor e continuar desejando tirar uma bola preta, a chance de ter sucesso continua em 50%. Antes era uma em duas; depois ficaram duas em quatro. Agora, se a sua vontade for tirar em sequência as duas pretas, as coisas começam a se complicar. Vejamos a razão disso.

Do ponto de vista probabilístico, em tese será uma chance em quatro. Ou seja, de 25%. Isso porque teremos quatro possíveis sequências e apenas uma delas interessa. Pode ser branca/branca, preta/branca, branca/preta ou preta/preta. Agora, se vamos examinar isso usando a matemática, para o cálculo das possibilidades, muda tudo. Quando se busca a primeira bolinha no recipiente a chance é de 50%, pois existem duas de cada cor, sendo duas possibilidades no total de quatro. Mas, supondo que se tenha o sucesso esperado na primeira das retiradas, sobram três bolinhas: duas brancas e a segunda preta. Daí, a chance será de 33,3%. Então, o sucesso total, dependente dos dois acertos em sequência, será de 50% x 33,3%. Ou seja, de apenas 16,65%. Assim é ensinado o modo de fazer o cálculo. Então, não se deve estranhar se, depois de um bom número de vezes que se tentar, a estatística possa estar apontando para um resultado menor do que a expectativa gerada pela probabilística. E isso dá um nó na cabeça da gente.

Voltemos à Mega Sena, imaginando que fizemos uma aposta simples, com seis números. Quando o primeiro for sorteado, temos seis chances em 60 (10%); no segundo, cinco chances em 59 (8,5%); no terceiro, quatro delas em 58 (7%)… Seguimos assim até o sexto sorteado, quando teremos uma chance em 55 (1,8%). Agora, para a avaliação ser exata, temos que multiplicar em sequência cada um desses percentuais. O que resulta naquele número absurdamente pequeno que citei antes.

Na verdade, tudo isso é uma brincadeira para mostrar como os números enganam a gente – do mesmo modo que os sonhos. Lauro Quadros, um cronista esportivo que fez história no Rio Grande do Sul, costumava dizer que “estatística é como biquíni: mostra tudo menos o essencial”. Ele tinha razão. Quase vale o mesmo para a probabilística. Lembro ainda que na época em que eu cursava o que hoje seria o chamado Ensino Médio, com a Loteria Esportiva no auge, toda a semana eu fazia uma fezinha. E costumava dizer que isso era como pagar um “imposto esperança”. Um colega meu preferia chamar de “seguro felicidade”. Acho que ele é outro que também tinha razão.

Seguro é aquilo que a gente acha caro quando paga, raramente precisa e em geral perde o dinheiro que nele foi investido. Mas, quando se faz uso, damos graças a Deus por ter feito esse “investimento”. Eu tenho seguro de vida, apartamento e carro. Pelo menos o primeiro deles, posso afirmar com absoluta certeza que eu mesmo nunca vou usufruir. Mas é bom que eles todos existam. E, por via das dúvidas, vou continuar fazendo algumas apostas em loterias, vez por outra. Vai que…

27.09.2021

No bônus musical de hoje, Vanessa Da Mata canta Boa Sorte, em apresentação feita ao vivo.