NICOLAU, CLAUS E NOEL

O território brasileiro está quase todo em área tropical. Mesmo aqui, bem ao sul, onde chamam o clima de “temperado subtropical”, cidades do Rio Grande do Sul chegam a atingir 40 graus centígrados com facilidade, nos meses mais quentes do ano. Entretanto, a figura de Papai Noel, que nós importamos de outras culturas, segue usando sua roupa pesada e tem um trenó puxado por renas. A roupa até seria razoável em alguns dias durante o forte inverno que ocorre na campanha ou nas serras gaúcha e catarinense. Não em dezembro, naturalmente. Mas nunca se usou trenós por aqui e não temos renas. Os cartões de Natal que nós costumávamos trocar via Correios, que hoje foram tornados virtuais, enviados pela internet, em geral tinham e têm muita neve. Bom seria se a tecnologia permitisse que essas mensagens nos refrescassem, também. Mesmo assim, convenhamos, essa incongruência climática não é um problema tão grave.

A figura de Papai Noel tem sua origem na história real de um homem chamado Nicolau de Bari, que teria nascido 280 anos depois de Cristo, na cidade de Lycia, hoje pertencente à Turquia. Sua família tinha posses e consta que a educação que lhe foi dada valorizou a compaixão e a caridade. Desde a infância tinha preocupação com os mais pobres. Mas seus pais faleceram cedo, vitimados pela peste, e ele teve que mudar-se para Mira, indo morar com um tio que era bispo. Tinha apenas 19 anos quando uma nova perda, agora do tio que o acolhera, abriu caminho para que fosse nomeado como seu substituto. E continuou levando uma vida na qual se preocupava com os carentes e os protegia.

Foi assim que, depois de sua partida, que aconteceu no ano de 345 e em data próxima ao Natal, mantiveram a entrega de presentes e doces para as crianças, como ele fazia, agindo agora em seu nome. Depois, passou a ter milagres atribuídos a si, sendo considerado um homem santo. Seus restos mortais foram levados para Bari, em 1087. Naquela altura, muitos templos já haviam sido erguidos em sua homenagem, com a tradição católica de São Nicolau crescendo em toda a Europa. E ele se tornou padroeiro de Turquia, Grécia e Rússia. O que o difere da imagem hoje conhecida do “Bom Velhinho” é que ele tinha grande estatura e uma tez delgada.

O real e o imaginário foram se fundindo e formando esse personagem lendário, que foi depois fortemente difundido pela cultura cristã ocidental. A transformação de São Nicolau em Santa Claus, Kris Kringle e Papai Noel, não necessariamente com sucessão, mas inclusive com convívio, se acentuou no Século XVII, quando imigrantes vindos da Holanda fundaram a cidade de Nova Amsterdã, nos EUA, que mais tarde teve seu nome mudado para Nova Iorque. Eles trouxeram consigo a tradição de Sinterklaas, celebrada no início de dezembro em seu país de origem, como também na Bélgica, Luxemburgo, Áustria, Suíça e Alemanha.

No ano de 1931 a empresa produtora da Coca-Cola lançou campanha de Natal que girava em torno dessa figura lendária. O pintor sueco Habdon Sundblom foi encarregado de adaptar a imagem já conhecida, utilizando as cores que os caracterizavam. Começaram a surgir velhinhos barbudos vestindo vermelho e branco. Entretanto, soube-se depois que se tratou de apenas uma releitura, pois se encontram ilustrações anteriores onde o bem-humorado personagem era semelhante. Um exemplo são as feitas por Thomas Nast. Mas, antes disso, prioritariamente San Nicolás de Mira ou San Nicolás de Bari apareciam quase sempre vestindo verde.

Na lenda atual, Papai Noel vive no Polo Norte com sua esposa, a Sra. Claus, um grupo indeterminado de duendes que passam o ano todo no trabalho de fabricar brinquedos, algumas renas e um trenó mágico que tem a capacidade de voar. Ele percorre o planeta todo, em uma velocidade incalculável, ao longo de uma única noite: entre os dias 24 e 25 de dezembro, distribuindo presentes para a criançada. Mas existem exigências para que cada criança esteja apta a receber o seu ou seus: bom comportamento e/ou uma carta que convença o bom velhinho do seu merecimento. Hoje em dia parece que os Correios ajudam muito nessa missão. E também existe a suspeita que ele tenha uma residência de verão, que ficaria nas proximidades de Gramado e Canela, duas cidades do Rio Grande do Sul.

Agora, uma coisa é certa: a origem da figura histórica e do personagem criado pela imaginação ou marketing perde importância diante do significado que ele agrega ao dia de Natal. Não se trata de negar ou reduzir a importância do nascimento de Cristo, o aniversariante da data, mas de oportunizar algo que Jesus mesmo aprovaria. Me refiro à possibilidade de congregação entre as pessoas, com a troca de presentes ou da simples e fundamental atenção recíproca. Isso todos nós precisamos, sempre. O que se deveria buscar é que tal sentimento se espalhasse por mais dias durante o ano.

24.12.2022

Nicolau de Bari, o São Nicolau

Como bônus, o blog oferece hoje dois áudios de músicas relacionadas ao Natal. São elas: Bom Natal, de Edson Borges; e Natal Todo Dia, com o Roupa Nova.

Edson Borges, Bom Natal

Roupa Nova, Natal Todo Dia

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OS GAVIÕES ENGAJADOS

“A democracia alienada é a ditadura disfarçada”. Com essa afirmação tem início o clip oficial do samba-enredo que a Gaviões da Fiel, escola de samba de São Paulo, levou para as ruas no carnaval de 2021/2022. Anos e datas dos desfiles ficaram confusos, desde o início da pandemia. Ele resultou da junção de dois sambas que venceram concursos prévios, levando o título Basta!, assim com a exclamação final, o mesmo que foi dado ao enredo desenvolvido. Os compositores são tantos que, uma vez listados, parecem ser os integrantes de uma ala inteira da escola. Mas vamos lá, respeitando o fato de ser uma produção conjunta, colaborativa. São eles Grandão, Sukata, Jairo Roizen, Morganti, Guiné, Xerém, Ribeirinho, Cláudio Gladiador, Meiners, Japonês da Moóca, Claudinho, Julhyan, Luciano Costa, Felipe Yaw, Marcelo Adnet, Fadico, Júnior Fionda, Fábio Palácio (Mentirinha), Lequinho, Leonel Querino, Altemir Magrão, Sandro Lima, Marcelo Valente e Rodrigo Dias.

A escola cumpriu seu papel ao levar para a avenida uma crítica social, o que não é nenhuma novidade, nem em termos do carnaval em geral e muito menos da Gaviões em particular. O projeto vem assinado pelo carnavalesco Paulo Barros e, conforme sua concepção, conseguiu esparramar no asfalto problemas que vinham sendo enfrentados pela sociedade brasileira. Desfilando desde o ano de 1989, a escola é o braço carnavalesco da maior torcida organizada do Sport Club Corinthians Paulista, que foi fundada em 1969 e tem sede no bairro do Bom Retiro, na cidade de São Paulo. O primeiro título que obteve no Grupo Especial foi em 1995, com o enredo Coisa Boa é pra Sempre. Aquele feito é outro muito lembrado por quem ama o samba.

Mas, por que estou lembrando disso tudo agora? Primeiro que o final do ano se aproxima e a próxima festa de Momo já está programada, com ensaios sendo incrementados em breve. Em geral, deixam só passar Natal e Reveillon. Segundo, para mostrar o quanto esse clube e sua torcida vão além do futebol, mesmo sendo esse o seu foco principal. Vamos lembrar, por exemplo, que nas rodadas finais do Brasileirão desse ano foi essa torcida terminou com barreira feita por viúvas de Bolsonaro, na estrada, o que impediria sua ida até o Rio de Janeiro, onde enfrentou e venceu o Flamengo. Fizeram aquilo que as forças policiais não queriam fazer, permitindo que o trânsito voltasse a fluir com normalidade. O Corinthians, ao lado de Bahia, Vasco da Gama e um pouco também o Grêmio, são clubes que têm preocupação e serviços sociais atuantes.

Alienados seguem querendo romper com a normalidade democrática, em defesa da democracia. Segundo eles, lógico. Ou quem sabe seria melhor dizer “segundo eles, ilógico”? O atentado à gramática resultaria ao menos em uma compreensão mais próxima da realidade. Deixando essa discussão de lado, a Gaviões da Fiel foi a segunda escola a entrar no Sambódromo do Anhembi, no segundo dia dos desfiles. Eles ocorreram fora de época, no final de abril, ainda em decorrência dos problemas trazidos pela pandemia de Covid 19. Ela levantou o público, que cantou junto o samba nas arquibancadas.

Além da letra completamente engajada, também os quatro carros que estiveram no desfile compuseram com perfeição a história que estava sendo contada. O abre-alas homenageava o povo africano, mostrando como os escravizados chegaram ao Brasil. O segundo se referia à desigualdade, dando destaque para a escultura de uma criança negra diante de um prato com ossos. No andar de cima, apropriadamente se via um banquete. Na mesma estrutura móvel, cortiças e favelas, troca de tiros e a falta de oxigênio para tratar internados com coronavírus.

O terceiro simulava um incêndio na mata, mostrava a devastação ambiental e também a resistência dos povos originários. O último pedia paz e celebrava pessoas que lutam por justiça, citando personalidades como Nelson Mandela, Frida Kahlo, Mahatma Gandhi e o cacique Raoni, entre outros. A arte de fato, em muitos momentos, retrata com enorme perfeição a vida. E o Carnaval é uma das maiores expressões da cultura, arte e criatividade do povo brasileiro.

20.12.2022

O bônus musical de hoje é o clipe oficial do samba-enredo citado no texto acima. Com vocês, o excelente Basta!

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