UM PAÍS ESTÁ PERDENDO SEU IDIOMA
Idiomas se modificam ao longo do tempo: algumas palavras caem em desuso, outras mudam seu significado, mais algumas surgem adaptadas de línguas diferentes, mesmo que distantes, ou simplesmente aparecem fruto de modismos. Além disso, em fronteiras é bastante normal que surjam quase que novos dialetos, uma vez que tornam de uso comum palavras de ambos os lados. Tudo isso dá vida ao falar, em primeiro lugar. Depois as alterações podem chegar também à forma de se escrever, com um tanto a mais de demora.
Há nações no mundo que têm mais de um idioma oficial. O que não é nada comum é que um povo plenamente desenvolvido vá deixando de usar sua própria língua, substituindo essa sua identidade cultural e histórica básica por outra, vinda do exterior. Pois isso, segundo se sabe, está ocorrendo com a Islândia. Ainda torço para ser distorcida essa informação, mas não é o que se apresenta, segundo relatam habitantes daquele país mesmo.
A Islândia é um país muito pequeno, situado no norte da Europa. Sua população aproximada é de 370 mil habitantes – para se ter uma ideia comparativa, a cidade de Caxias do Sul tem 520 mil –, pessoas que têm um padrão de vida elevadíssimo. Educação e saúde são gratuitas, a maior parte da energia utilizada é renovável (geotérmica), ela possui dois grandes parques nacionais e sua paisagem natural é exuberante. No seu território convivem enormes geleiras com vulcões e gêiseres; tem fontes termais muito conhecidas e campos formados de lava. A maior parte do seu povo vive em Reykjavik, a capital, onde pelo menos dois museus contam em detalhes a história de seus antepassados vikings. É um lugar que merece ser visitado.
O idioma islandês é falado unicamente lá e por pessoas que emigraram daquele país para outros. Não é como o português, por exemplo, que se fala em nove países, distribuídos em quatro continentes. E na Islândia, como em qualquer outro lugar do mundo, se aprende a falar ouvindo as pessoas mais velhas. Isso é uma característica muito humana, uma vez que tendemos desde cedo a imitar comportamentos e a fala também é um deles.
Mesmo tendo sido invadida por longo tempo pela Dinamarca, o islandês não incorporou praticamente nada do idioma dos seus conquistadores. Continuou sendo a que mais preservou detalhes da língua nórdica antiga e seus atuais habitantes adultos conseguem, em função disso, ler e entender textos antigos, com mil anos ou mais, sem qualquer esforço. Uma outra caraterística é que eles não adotam estrangeirismos, como estes mais comuns, ligados à tecnologia. No Brasil, palavras como mouse, drive, site e outras tantas simplesmente chegaram e firmaram presença. Por lá nenhuma delas vinha sendo usada, pois criavam um termo local que pudesse identificar aquele produto, ideia ou procedimento novo que aparecesse.
Mesmo assim, com todo esse cuidado, as crianças menores estão sendo levadas a adotar o inglês como idioma. E a razão apontada é a internet. Como fazer pesquisas sobre quaisquer temas é algo quase obrigatório hoje em dia, isso as conduziu automaticamente para fora. Porque, sendo o seu um idioma quase hermético, sua maior qualidade se tornou um defeito. Ou no mínimo um problema. Não há suficiente tradução e nem geração de conhecimento em islandês. Com isso as novas gerações estão sendo conduzidas para o inglês com uma forma que nem uma invasão física do país poderia fazer.
Também é necessário entender que existe um problema econômico por trás disso tudo. O custo para produzir algo em inglês e algo em islandês, na linguagem das máquinas, no mundo real ou virtual, é o mesmo. Mas, enquanto a primeira língua é quase universal, sendo falada em todo o planeta, a outra tem um mercado potencial mínimo, não valendo de modo algum o investimento. Assim, as grandes empresas internacionais ignoram totalmente essa possibilidade. Então, como a tecnologia não chega ao idioma local, os habitantes da Islândia têm que ir ao seu encontro com a adoção da outra língua. Isso para que permaneçam inseridos no mundo. Então, pelo pouco uso, a língua materna, que sobreviveu a tudo, agora está mesmo condenada ao desaparecimento.
As novas gerações já nem se preocupam tanto em aprender sua própria gramática. E o que se percebe são diálogos cada vez mais frequentes, nos mais diversos locais, deixando de ser feitos em islandês. A tal ponto que muitas palavras estão sendo esquecidas até quando a língua mãe é a escolhida. A morte é apenas uma questão de tempo. Tão triste quanto isso é saber que o fenômeno se alastrará para outros territórios e povos. Há especialistas projetando que, dentro de alguns anos, dos cerca de sete mil idiomas ainda falados no planeta, não passe de 350 os que serão preservados. Tudo em virtude da Era Digital. Depois, um lapso pode retardar o processo, com o barateamento das soluções. O que deve retornar adiante, levando ao aniquilamento de outras tantas. Não se sabe com que consequências para a nossa memória, para a nossa cultura.
04.07.2022

Os dois bônus trazem primeiramente a banda islandesa de rock alternativo Ylja, com a música Sem Betur Fer (em uma tradução livre, Felizmente), gravada no Studio A, programa da televisão pública local, pelos produtores Ólafur Gunnarsson e Helgi Jóhannsson. Depois temos uma canção de exaltação viking, com cunho religioso, chamada Trollabundin (Enfeitiçado). A cantora é Eivor Palsdottir.Uma curiosidade: na Islândia as pessoas não têm sobrenomes, os nossos nomes de família. Por lá usam o prenome seguido do nome do pai e uma terminação. Sendo filho, SSON; sendo filha, DOTTIR. Em dois dos exemplos acima, Ólafur Gunnarsson é “Ólafur, filho de Gunnar”; e Eivor Palsdottir, é “Eivor, filha de Pals”. Se eu fosse islandês, meu nome seria Solon Waltersson (Solon, filho de Walter).