O MAESTRO E O MAR

Ao longo da semana passada vi todos os nove episódios que compõem a primeira temporada da série O Maestro e o Mar, na Netflix. Trata-se de uma produção grega, o que já é algo bastante incomum de se encontrar por aqui. Asseguro que tem qualidade muito boa, além de nos oferecer um olhar bem diferente do usual e cansativo padrão norte-americano de narrativas. Ela é muito recente, tendo sido lançada no país de origem no ano passado. Os personagens são complexos e a história toda é muito bem amarrada, oferecendo drama, romance e mistério em doses bem distribuídas e generosas.

Toda a história se passa na ilha de Paxos, uma das 227 habitadas que compõem a Grécia – no total são cerca de seis mil delas espalhadas entre o Mar Jônico e o Mar Egeu. O elenco é local, sendo a fala mantida na língua nativa e nos sendo dada a permissão de escolher entre assistir lendo legendas ou dublado. Quanto ao enredo, a história está centrada na figura do músico Orestis (Christoforos Papakaliatis) que é contratado para preparar habitantes do local, num esforço para a retomada de uma tradição suspensa em virtude da pandemia de covid-19: um festival de música. Isso porque naquele momento – tudo se passa em 2021 – já se vivia na Europa uma fase de transição, não existindo mais uma restrição tão rigorosa quanto a participação das pessoas em eventos públicos.

Todas as gravações foram feitas em Paxos, Corfu e Atenas, mostrando cenários de rara beleza, mas sem cair na obviedade dos catálogos que buscam atrair turistas para aquele país mediterrâneo. Com ambientação real, o texto é totalmente fictício. Mas traz temas e preocupações bem cotidianas, como o amor proibido entre um homem de 46 (Orestis) e uma jovem de 19 (Klelia) ; dois gays que enfrentam problemas de aceitação, tanto sociais e familiares como deles próprios; um casamento onde a violência doméstica é realidade constante e outro que se mantém apenas pela aparência; além de ilícitos como o tráfico de drogas sendo feito por pessoas acima de qualquer suspeita. Há encontros e desencontros marcando a vida de todos. E mesmo as coisas mais cruas são mostradas com sensibilidade rara, usando como linha condutora a música e o que ela representa na vida das pessoas.

No fundo, tudo gira em torno do que sejam a tolerância e a intolerância. O que há de verdade e de mentira nos relacionamentos. A ambição que não deixa de existir apesar de estarem todos em um paraíso, do ponto de vista estético e material. A questão se dá pela forma como cada um dos personagens suporta as consequências de suas próprias escolhas. Famílias mostradas são aparentemente um porto seguro, mas cada uma delas tem seus fantasmas do passado, suas dúvidas no presente e suas expectativas quanto ao futuro. É uma luta constante entre o que são desejos e sonhos confrontados com a realidade; mecanismos de defesa e necessidades de fuga.

A trilha sonora é fantástica, viajando entre extremos como Vivaldi e a banda U2. E até mesmo o Brasil se vê representado, pelo talento de Astrud Gilberto, uma cantora aqui da terrinha, que fez carreira e fama internacionais com bossa nova e jazz. Existem cenas de sexo, mas são todas relativamente sutis e estão integradas com o contexto da história, não sendo banais. Quanto à violência, ela tem um personagem central que a incorpora – Haralambos, vivido por Yannis Tsortekis –, sendo ele de fato na história a representação do desequilíbrio, do machismo e de uma agressividade que só não é gratuita porque revive o que ele mesmo sofrera na infância. E merece aplauso o fato disso tudo ser apresentado com diálogos escritos com a verossimilhança necessária.

Enfim, ver cada um dos episódios com a devida atenção – há momentos nos quais a narrativa deixa de ser linear – jamais terá sido uma perda de tempo. Ao contrário, se tornará oportunidade para apurar a sensibilidade de quem assiste. Acreditem: vale a pena.

24.05.2023

Orestis (Christoforos Papakaliatis) e Klelia (Klelia Andriolatou), personagens centrais de O Maestro e o Mar

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O bônus de hoje é Manhã de Carnaval, de Luiz Bonfá, na voz de Astrud Gilberto. Foi essa a música brasileira na trilha de O Maestro e o Mar. Logo depois, o trailer legendado da série grega da Netflix.

AS TATUÍRAS DA PRAIA DO PINHAL

Na Pinhal da minha infância parecia existirem milhões de tatuíras. Acho mesmo que não há exagero nesse número. E eu me surpreendia pela velocidade com a qual elas voltavam a se esconder na areia, depois que as ondas do mar lambiam a praia e se recolhiam ao berço das águas outra vez. Faziam isso para se proteger dos nossos olhos, dos nossos pés e de predadores, certamente. Que vida monótona devia ser aquela: arrancadas do seu esconderijo pela força das águas, depois devolvidas para as proximidades dele, para outra vez serem removidas. Ficavam numa repetição sem fim de serem expostas e se ocultar.

Mas, se pensarmos bem, até as ondas do mar que as revolviam eram também entediantes, apesar daquela sua constante atividade. Se repetiam e repetiam, umas atrás das outras, constantemente. Nascendo não muito longe da rebentação, espumavam em brancura por alguns metros e se dissolviam. O que não tinham nada de monótonos eram os nossos dias, divididos entre banhos de mar, brincadeiras diversas, soltar pipas, caminhadas dos cômoros e ainda auxiliar nas pescarias que os adultos promoviam, tanto no mar quanto na lagoa. Algumas das tarefas domésticas também eram nossa responsabilidade, mas as mais simples. Coisas como ir comprar o pão todas as manhãs e secar a louça depois do almoço e do jantar.

As tatuíras – também conhecidas como tatuís – são crustáceos, sem a fama de camarões, lagostas, siris e caranguejos. Também não possuem o tamanho de nenhum deles e nem existe possibilidade de se tornarem uma iguaria culinária. Mesmo assim, são consumidas por corajosos que as preparam com azeite, sal, pimenta, cebola, alho e orégano, antes de fritar. Provavelmente apenas as que atingem tamanhos maiores, em torno de quatro centímetros, sirvam para isso. Aquelas das quais me lembro não passavam da metade disso, com muito boa vontade. Esse segundo nome que citei era como os povos originários as chamavam. A palavra é derivada do idioma tupi e significa “pequeno tatu”. A razão óbvia decorre da enorme semelhança física entre ambos. Outra informação relevante é que são excelentes iscas para pesca, sendo recomendado apenas que após apanhadas sejam mantidas em balde com água, uma vez que sua vida é curta fora do ambiente e exposta ao sol. Robalos e miraguaias são peixes que adoram os bichinhos, não se dando conta dos anzóis. Para azar deles e sorte dos pescadores.

Eu era levado para a praia pelo meu tio e padrinho Bento. O carinho dele e da tia Ivone eram imensos e só guardo boas recordações destes e de outros momentos, vividos em Porto Alegre. A vó Mariana, o Luís (não consigo saber se com S ou com Z), meus primos Rogério e Rosângela, completavam a família. Mas era ótimo quando também estavam outros do ramo Symanski, que dividiam a casa. Ainda mais quando o Guto e a Marilene apareciam por lá. E tinha a Gisela. O tempo não se repetir é uma das grandes injustiças da criação. Ele deveria ter um pouco do que nos mostram as ondas do mar, sendo diferentes e ao mesmo tempo iguais, além de sucessivas. E também poderia esconder coisas, como as tatuíras fazem consigo na areia. Mas apenas ocultar as que fossem ruins, as dores e as perdas. Seria tão bom estar lá outra vez, com todos eles ao vivo e não apenas na memória.

16.02.2023

Tatuíra se escondendo na areia da praia

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Após temos o bônus de hoje, que é um clipe com Pouca Vogal e sua música Pinhal.

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