LOUCURAS CARNAVALESCAS

Tirando o tempo no qual eu ainda criança era levado para ver o desfile dos blocos na Avenida dos Industriários, no coração do IAPI, em Porto Alegre, como adulto fui poucas vezes ver pessoalmente o Carnaval de Rua. Na capital gaúcha creio que apenas duas vezes: a primeira por insistência do meu sobrinho Luciano, quando acompanhamos tudo na Perimetral, em ano no qual o Império da Zona Norte levantou o título. Na comissão de frente, um grupo vinha representando robôs, em um enredo que falava de tecnologia. Agora, bem recentemente, passei outra madrugada para ver a justa homenagem prestada para Olívio Dutra, pela mesma escola que vencera na minha primeira experiência. Desta vez ela não levou, mas o desfile foi muito honesto, tanto como toda a vida da figura lendária que reverenciou. O local era o Porto Seco, para onde os foliões foram deslocados, pelo preconceito que os tirou do centro da cidade. Não que o ponto seja ruim, mas é tão distante que afasta o público e transforma o Carnaval num nicho.

No Rio de Janeiro estive em apenas um carnaval, quando participei do incrível baile Vermelho e Negro, que lotava as dependências da Gávea, território flamenguista de corpo e alma. De resto, foi apenas na frente da televisão e sem um entusiasmo digno de nota. Em termos de escolha, toda a vida fui e sou Portela. Forçando outra vez a memória, muito para territórios quase esquecidos, era ainda um projeto de gente quando fui aos bailes infantis no Juventude e Santa Cruz, em Bom Jesus; e no Recreio Guarany, em Caxias do Sul. Os dois primeiros eram e são os únicos clubes sociais da minha cidade natal. O terceiro, porque a gente era vizinho, morando na mesma quadra.

Mas o Carnaval é mais do que festas privadas e escolas de samba, sejam umas ou outras de quaisquer tamanhos. Ele hoje em dia é muito um espetáculo que se vende a turistas. Entretanto, da sua origem ele guarda uma manifestação autêntica, de extravasamento, de libertação, de momento de exaltação no qual se quer e precisa ver o mundo todo do avesso. Ou, ao menos, a nossa vida de ponta cabeça. Talvez porque com a cabeça para cima não raras vezes ela seja complicada, complexa e até confusa – três palavras com a mesma letra C, inicial de Carnaval. Como nem sempre se consegue levar revolta adiante, se quebra regras por alguns dias, até que as cinzas nos permitam uma ressaca e a volta posterior à realidade.

Não estou sendo nem um pouco original ao escrever isso. O filósofo e pensador Mikhail Bakhtin (1895-1975), por exemplo, já havia percebido que as brincadeiras e festas que o Carnaval permite estavam e estão repletas de inversões que colocam o mundo sob uma perspectiva nova. Os risos, brincadeiras e até mesmo uma certa embriaguez, que não precisa necessariamente ser alcoólica, fazem com que a celebração da vida se torne, ao longo deste curto período, singular. No fim, a loucura é necessária para que se mantenha a sanidade. E o exagero contribui para que se exorcize tantas carências cotidianas.

Interessante é que o Carnaval brasileiro, sendo hoje o maior do mundo, a muitos parece indicar ter nascido aqui a festa – pensamento semelhante ao que acontecia em relação ao futebol. Mas isso não corresponde à verdade de modo algum. Suas raízes teriam sido festas na Grécia e no Egito, que celebravam a chegada da primavera. O que também pode nos remeter às festas dedicadas para Dionísio, para bacanais que ocorriam quando os próprios deuses tratavam de vir do Olimpo até a Terra. Tudo isso depois incorporado pela própria Igreja Católica ao melhor estilo “se não consegue vencer um inimigo, junte-se a ele. E o que poderia ser mais relevante, para o mundo cristão ocidental, do que a retirada da culpa em relação ao prazer? Melhor permitir isso ao longo de quatro dias, com vistas grossas, assegurando que fiquem garantidos os 40 seguintes, de sacrifícios, jejum e penitência, que separam essa festa da Páscoa.

No Brasil, ele iniciou no período colonial, com os escravos praticando o “entrudo”, quando saíam pelas ruas com rostos pintados e jogando água de cheiro e farinha nas pessoas que se aglomeravam para vê-los. Hoje ocorre, com variações na forma, em dezenas de países espalhados pelo mundo. No seu livro Carnavais, Malandros e Heróis, publicado em 1979, o antropólogo Roberto DaMatta comenta que todas as sociedades, de algum modo, têm festas que desmontam sua ordem social. E se não a desmontam de verdade, ao menos apontam muita hipocrisia cotidiana. São muitos os sambas-enredo que fazem isso com uma competência extrema. O que as marchinhas também nos oferecem, em geral com letras embaladas de verdades e ironias.

20.02.2023

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Após temos o bônus de hoje, que é um clipe com marchinha carnavalesca muito bem-humorada e atual, composta por Nino Antunes: Presidiota.

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PARABÉNS, CATÓLICOS!

Primeiro ponto: O Círio de Nazaré, que ocorre em Belém, a capital paraense, é uma das mais importantes manifestações da religiosidade católica que acontecem em nosso país. Em devoção à Nossa Senhora de Nazaré, a celebração se realiza desde 1793, sempre no segundo domingo do mês de outubro. No início ela era vespertina ou noturna, quando faziam uso de velas. Mas, desde 1854, passou a ser realizada pela manhã. Essa tradição começou devido à influência dos portugueses, que iniciaram culto à santa ainda em 1653, na cidade de Vigia, em Portugal, local onde existe registro da ocorrência de círio em 1697. Atualmente, sua ocorrência em Belém atrai mais de dois milhões de pessoas em suas romarias e procissões, algo sem similar em todo o Brasil. Também existem em Macapá, Rio Branco e Manaus, com menor magnitude.

Para quem não sabe – eu mesmo não sabia – o termo círio é dado para uma vela grossa de cera. Por alusão, terminou sendo também usado em festas ou procissões de romaria ou romagem, que significa caminho percorrido, em homenagem a santos. Isso porque nesses eventos havia ou ainda há o hábito de levar a frente uma dessas velas.

Segundo ponto: Foi no ano de 1717 que três pescadores encontraram, nas águas do Rio Paraíba do Sul, próximo de Guaratinguetá (SP), uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. Eles haviam lançado as redes sem sucesso, por diversas vezes. Após a retirada da imagem das águas – ela teria vindo em dois momentos: primeiro apenas o corpo e depois a cabeça, que se encaixou perfeitamente –, passaram também a apanhar peixes de modo abundante, mesmo não sendo a época mais apropriada para a pesca. A peça tem 36 centímetros de altura e pesa 2,5kg. O nome Aparecida foi acrescentado ao original justamente pela forma como ela surgiu. Tornou-se assim Nossa Senhora da Imaculada Conceição Aparecida. Confeccionada em terracota, ela tem cor escura e está coberta pelo característico manto azul.

A devoção pela santa só cresceu, nos anos seguintes, sendo a ela desde então atribuídos vários milagres. O ato que a tornou Padroeira do Brasil, no entanto, foi assinado em 16 de julho de 1930, pelo Papa Pio XI. O que foi oficializado em missa solene, em 31 de maio de 1931. Apenas em 1980 foi assinada a lei federal decretando ser 12 de outubro um feriado nacional, em sua homenagem. O mesmo documento a reconhece de forma oficial como a Protetora do Brasil.

A primeira capela feita para a santa foi concluída em 1745. Em abril de 1822 o imperador Dom Pedro I a visitou com grande comitiva. As obras da Basílica Velha começaram em 1834, com ela sendo consagrada em 08 de dezembro de 1888. Com o crescimento constante dos romeiros, foi necessário ser projetado aquele que hoje é o mais majestoso templo do catolicismo no Brasil. Suas dimensões são 168m de largura por 173m de comprimento. As naves atingem 40m de altura e a cúpula central alcança 70m de pé direito. Uma celebração eucarística solene, conduzida pelo Papa João Paulo II, a consagrou em 04 de julho de 1980. O Santuário de Nossa Senhora Aparecida é a maior basílica de todo o mundo dedicada à Maria Mãe de Deus.

Terceiro ponto: O Círio de Nazaré de 09 de outubro de 2022 teve uma presença não anunciada, que deixou muito desconfortável boa parte dos fiéis. Jair Bolsonaro, candidato à reeleição como presidente, fez uso da Corveta Garnier Sampaio, embarcação da Marinha que levava a imagem peregrina, sem que tivesse permissão para isso. O “carteiraço” eleitoreiro constrangeu de tal forma a Arquidiocese de Belém que ela emitiu nota informando que não o havia convidado. O Arcebispo Metropolitano de Belém, Dom Alberto Taveira Corrêa, foi enfático ao afirmar que “não desejamos e nem permitimos qualquer utilização de caráter político partidário nas atividades do Círio”. E o prefeito da cidade afirmou que isso “ameaçou a paz social e a tradição de mais de 200 anos”. Detalhe: Bolsonaro pretendia fazer , diretamente, a entrega da imagem da santa ao final do percurso, no lugar do bispo, o que não foi aceito. Ele também postou nas suas redes sociais que estava no “Sírio”, assim, com a letra “esse” – mais tarde a gafe foi corrigida. Contaminada pela campanha eleitoral, a procissão fluvial era uma das 13 romarias do Círio de Nazaré.

Quarto ponto: Apenas três dias depois, uma outra afronta – e desta vez muito pior – foi cometida em Aparecida, São Paulo. Bolsonaristas, vários deles com canecas de chopp e cerveja nas mãos, ocuparam a parte externa do santuário, provocando brigas e gritando “mito”. As cenas estão registradas em inúmeros vídeos. Em um deles um homem mostra que a caneca na qual consome bebida alcoólica há uma imagem de Jair Bolsonaro, para a qual ele aponta gritando “Deus está aqui, olha”. Além disso, fiéis que por acaso estivessem usando qualquer peça de roupa na cor vermelha passaram a ser hostilizados abertamente. Um homem chegou a ser perseguido e agredido. O mesmo ocorreu com jornalistas: o cinegrafista da TV Vanguarda e até mesmo a equipe de profissionais da TV Aparecida, que é da própria igreja, foram impedidos de trabalhar, com empurrões e uma série de palavrões proferidos.

No exato instante em que Jair Bolsonaro adentrou no templo (15h) seus seguidores, dentro e fora do ambiente, passaram a gritar “mito, mito”, interrompendo a Consagração à Nossa Senhora Aparecida, momento de fé e de oração. O padre Eduardo Ribeiro, que conduzia a cerimônia, teve que pedir silêncio e ficar aguardando para dar início à missa. Durante a homilia, o arcebispo Dom Orlando Brandes ressaltou que o Brasil está precisando “vencer muitos dragões”, fazendo referência à fome, miséria e desemprego. Foi vaiado pela horda de verde e amarelo, que entende serem esses assuntos e preocupações que revelam ser qualquer pessoa um esquerdista. Me deixem repetir: pela primeira vez na história, dentro de uma igreja, um arcebispo foi vaiado, justo por um grupo que vem se apropriando do cristianismo, fazendo uma releitura da fé com os mais sórdidos interesses partidários. Tão ou mais inacreditável do que isso é o fato de muitos católicos, que ao longo de suas vidas se mostraram cristãos sinceros e verdadeiros, estão sendo cooptados. A lavagem cerebral a que estão sendo submetidos os está conduzindo para a negação de tudo aquilo no qual eles acreditaram a sua vida toda.

Quinto ponto: Como a memória das pessoas nem sempre é muito boa, quero lembrar alguns dos tantos incidentes com desrespeito e também perseguição religiosa, protagonizados por pentecostais contra católicos. A mais antiga entre as que lembro tem 27 anos. Foi de autoria do bispo Sérgio Von Helder – um daqueles pastores que adoram se apropriar desse termo da hierarquia católica –, em 12 de outubro de 1995. No programa “Palavra da Vida”, da TV Record, ele chutou e quebrou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Hoje ele trabalha fortemente na campanha de Bolsonaro, postando sistemáticas críticas ao PT em suas redes sociais.

Em 2014, evangélicos invadiram a igreja matriz da cidade de Sacramento, em Minas Gerais, e quebraram oito imagens de santos. Em maio de 2020 aconteceu o mesmo, em Nova Alvorada do Sul, que fica distante 118 km de Campo Grande (MS). Em maio de 2021 foi a vez de igreja de Osasco, em São Paulo, com sete imagens quebradas. Dia 11 de outubro deste ano agora (2022), na véspera do feriado de Nossa Senhora Aparecida, portanto, o fato se repetiu. Foi na Paróquia São Mateus, em São Mateus do Sul, a 150 km de Curitiba. Lá foram 28 imagens sacras destruídas. Quero registrar que nem me dei ao trabalho de fazer uma pesquisa mais apurada, que muito provavelmente me levaria a encontrar inúmeros casos semelhantes a mais.

Eu também posso incluir aqui uma série de atentados perpetrados contra outras correntes religiosas, como os umbandistas. Há relatos de várias invasões, na Bahia, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro. Em todas, praticamente, com destruição de altares e agressões físicas a adeptos. Na Baixada Fluminense existe o “Bonde de Jesus”, que se organiza e se arma para fazer isso. Em maio de 2022 um evangélico armado invadiu terreiro de candomblé em Planaltina (DF) e o depredou. Esse parêntesis, incluindo religiões de matriz africana, é apenas para reforçar o perigo que se está correndo com isso tudo. Para reforçar que a cegueira precisa ser combatida com urgência e que a intolerância está se agravando. Ao longo de 2021 foram feitas 571 denúncias de violação à liberdade de crença no Brasil, mais de 90% dos casos se relacionando com pentecostais, que trabalham firmemente para se tornarem hegemônicos no país, como autores desses fatos.

Voltando ao catolicismo, dias atrás vazou a informação de que membros da bancada evangélica no Congresso Nacional estariam se articulando no sentido de propor a revogação da Lei Federal 6.802, aquela que declarou feriado nacional o dia 12 de outubro e confirmou a santa como padroeira e protetora do Brasil. A alegação é de que ela não poderia ser assim tratada, por não “representar a totalidade do pensamento cristão”. A ideia seria substituir o texto legal por outro que a considerasse como a “Protetora dos Católicos” apenas. Tão logo isso chegou ao conhecimento público, também devido ao fato de pessoas começarem a atribuir essa proposta ao próprio Jair Bolsonaro – o que não parece ser mesmo de fato verdade –, sua campanha tratou de desmentir a participação dele. Essa ação direta pode ser mesmo fake news, mas o desejo de que isso venha a ser concretizado não é.

Ponto final: É muito estranho ver a mão que dá o tapa jurar que está estendida, propondo conciliação. Quem vê Bolsonaro na televisão, agora durante o horário de propaganda eleitoral gratuita, dizer que votando nele se terá um Brasil de paz, desconhece qual o grupo que está “propondo guerra”. A suavidade do sorriso deste homem, nas gravações, é tão falsa quanto uma nota de três reais. É tão falsa como é falso o cristianismo que defende quem também propõe armas e não se sensibiliza com a morte de ninguém.

Dou parabéns a todos os católicos pela grandiosidade do Círio de Nazaré e das Celebrações de Aparecida. Principalmente os saúdo pela força da sua fé. E deixo aqui um pedido: se vocês não conseguem perceber que votando em Bolsonaro estão colocando em risco o futuro do Brasil, ao menos se deem conta de que estão arriscando o futuro do catolicismo. Os pentecostais se tornarão algo como os xiitas em boa parte do mundo islâmico. Pensem em quem o Papa Francisco votaria, se fosse cidadão brasileiro e tivesse, portanto, essa obrigação e esse direito. E se não acreditam que só existe uma saída nesse segundo turno, para quem defende não apenas a fé como também a vida, a liberdade, o respeito humano, a democracia, o meio ambiente, a fraternidade cristã, a justiça e o desenvolvimento da Nação, façam então o favor de votar em branco. Para que pelo menos não se tornem coniventes com o desastre que será inevitável com uma possível reeleição.

19.10.2022

O bônus de hoje é Romaria, música de Renato Teixeira, na voz de Maria Rita.

Esse blog recomenda muito que seus leitores conheçam o site da Rede Estação Democracia. Acesso através do link abaixo.

https://red.org.br/

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