COMO AGIR NUMA ESTRADA INTERROMPIDA

Abril de 1996. Um grupo de trabalhadores rurais sem-terra se reúne em Eldorado do Carajás, no Pará. Estão em marcha pelas margens da rodovia PA-150, em direção à capital do Estado, buscando sensibilizar as autoridades locais para a necessidade de desapropriarem uma fazenda improdutiva da região. Isso permitiria que 3,5 mil famílias pudessem passar a viver do seu trabalho, fornecendo alimento para a população. Uma operação da Polícia Militar os deteve a tiros, matando 19 trabalhadores no local, com mais dois perdendo a vida após, em um hospital.

Inacreditável nisso é que os 155 policiais militares envolvidos na “missão” a executaram diante de câmeras de televisão, sem constrangimento algum. Uma equipe da TV Liberal, a afiliada da Rede Globo na região, registrou imagens. A repórter escalada para a cobertura foi Marisa Romão. Em determinado momento ela deixa seu trabalho de reportar os fatos e pede aos policiais, aos gritos, que parem com o massacre. Dizia haver muitas mulheres e crianças no local, mas não foi ouvida. As imagens estão à disposição de quem desejar fazer uma pesquisa: há pessoas ensanguentadas, correndo sem rumo. Se ouve tiros em meio a muito desespero.

O grupo de trabalhadores havia sido cercado por policiais provenientes de dois batalhões distintos: o de Parauapebas e o de Marabá. Entre os mortos, a média foi de quatro tiros em cada corpo. Os disparos atingiram a testa e a nuca, evidenciando a execução. Além dos que tombaram no local, 79 ficaram feridos e foram conduzidos depois para hospitais. A dispersão do grupo começou com o lançamento de bombas de gás, mas os tiros iniciaram imediatamente a seguir, sem que sequer fosse esperado algum resultado do primeiro ato. Boa parte do grupo conseguiu buscar refúgio em vegetação próxima, evitando que o resultado final fosse ainda pior. Esses permaneceram deitados numa faixa entre o leito da estrada e a mata fechada.

Do contingente policial que atuou no massacre, apenas dois acabaram depois condenados pela operação. Foram eles os comandantes Mário Pantoja e José Maria de Oliveira. Mas se tratou de uma condenação meramente protocolar, pois cumpriram a pena em liberdade. Os outros 153 policiais militares foram absolvidos. Interessante é que muitos deles agiram sem identificação na farda e portando armas que haviam sido retiradas dos seus quartéis sem registro, o que não é algo usual. Nunca buscaram associar esse excesso com o descontentamento de grandes fazendeiros da região, que enfrentavam crescente pressão contra o fato de extensas áreas de terras permanecerem totalmente desocupadas, sem gerar um quilo sequer de qualquer alimento. Para eles, a visibilidade do movimento dos trabalhadores precisava ser barrada a qualquer custo. E sua proximidade com o poder constituído permitia que o Estado cumprisse esse papel, sem que suas próprias mãos ficassem sujas.

Logo após a confirmação da vitória eleitoral de Lula, reconduzido pelo povo brasileiro à Presidência da República, no domingo passado, grupos de extrema-direita bloquearam, em ação orquestrada, 227 trechos de rodovias federais em 22 estados. Esses números cresceram, nos dias seguintes, segundo dados fornecidos pela própria Polícia Rodoviária Federal que, ao invés de cumprir sua função de assegurar o direito das pessoas em ir e vir, chegou a associar-se ao movimento. Vídeos mostram agentes falando com a maior sem-cerimônia que as ordens que receberam foram apenas para ficar nas proximidades. Há imagens, por exemplo, de um deles ajudando manifestantes a cortarem a cerca que dá acesso ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, para o terminal ser obstruído. Inúmeros voos precisaram ser cancelados.

Nada disso pode surpreender qualquer pessoa minimamente informada, uma vez que o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, indicado para o cargo por Flávio Bolsonaro, teria ordenado uma operação, no dia das eleições, para retardar ou impedir que eleitores de Lula chegassem às seções eleitorais. Agora, no caso dos bloqueios pós-derrota, o Supremo Tribunal Federal o ameaçou com multa pessoal e voz de prisão, para que então e muito lentamente algo começasse a ser feito. Detalhe: as ações desse servidor público, desde sua posse, também estão postas sob sigilo de cem anos pelo presidente Jair Bolsonaro. A esperança dos democratas é que esse século termine um pouco antes, talvez logo após a posse do novo governo, em 1º de janeiro de 2023.

Nas estradas, pessoas foram impedidas de prosseguir viagem, mesmo que para tratamento médico. Cargas perecíveis foram perdidas e se chegou a temer por início de desabastecimento. O prejuízo para nossa economia ainda não foi calculado. E, mesmo autorizadas pela Justiça a também tomarem providências, as polícias militares da maior parte dos estados custaram a agir. Como se vê, nesse brasilzão de contrastes, existem maneiras bastante distintas de atuação, em casos de estradas interrompidas. Mesmo quando em um deles se trata de um grupo caminhando pelas suas margens e em outros há queima de pneus e bloqueio total.

04.11.2022

Os sem-terra tiveram velório coletivo. Foto de João Roberto Ripper

O bônus musical de hoje é Estrada Nova, de Oswaldo Montenegro.

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ESTÃO DE OLHO NAS NOSSAS PRAIAS

No final do mês de fevereiro deste ano, uma Proposta de Emenda à Constituição, que originalmente havia sido encaminhada para a Câmara dos Deputados ainda em 2011, voltou a tramitar. E com uma velocidade de fato contrastante com o período anterior. Isso porque foi apenas em 2015 que ela chegou na Comissão de Justiça e Cidadania, onde contou com a relatoria de um deputado gaúcho: Alceu Moreira, do MDB. Depois, foi encaminhada para uma Comissão Especial, que deu o seu parecer favorável apenas em 2018. Então, com quatro anos descansando em gavetas, ela despertou pelas mãos do atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Com esse padrinho subitamente interessado, ela passou a correr. E foi aprovada quase que imediatamente. De tal modo que agora tramita no Senado, estando nas mãos do relator Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Falo da PEC 39/2011, que prevê a transferência da titularidade de terrenos que hoje são considerados da Marinha, estando distribuídos ao longo de toda a costa brasileira, além do contorno de ilhas e de margens de rios e de lagoas que sofram influência das marés. Acontece que muitas dessas áreas estão ocupadas por imóveis privados, que foram construídos de forma irregular, por pessoas que têm condições financeiras suficientes para ter se arriscado a perder as obras feitas. Mas que as fizeram sempre confiando que a fiscalização e a justiça seriam inoperantes ou muito lentas. No que estavam até agora certos. Entretanto, muito melhor do que estarem certos será legalizar a situação, assegurando de vez a propriedade de seus pequenos paraísos privados.

Existem ainda empreendimentos e imóveis que têm permissão, através de uma concessão pública, mediante o pagamento de taxas de foro e ocupação. Esses no mínimo terão preferência na aquisição. Seguindo com a observação dos usos atuais, encontramos várias comunidades tradicionais, que podem ficar ameaçadas a partir da aprovação da PEC. O mesmo vale para áreas de preservação. As que não devem ser em nada abaladas são as zonas militares e as portuárias.

Convém destacar que em fevereiro, essa PEC ganhou a companhia da discussão da liberação dos jogos de azar no Brasil. Aqui, se faz muito necessário um parêntesis: todos esses que a Caixa Econômica Federal explora são vistos por outra ótica, não como de azar e sim de “sorte”. As pessoas “tentam a sorte”. As apurações das loterias são “sorteios”. Agora, fechada essa observação, os defensores da liberação para que se construam cassinos no Brasil entendem que a atividade instalada à beira-mar, em complexo que reúna também hotéis e resorts, será um atrativo a mais e a garantia de receitas estratosféricas. E o setor imobiliário em geral está de olhos bem abertos, porque isso permitirá a construção de condomínios com praias privadas.

A mesma elite nacional, que sempre ficou de costas para o nosso país, ficará de uma vez por todas “como o Diabo gosta”. De frente para o mar e sem ter que olhar as mazelas que se multiplicam atrás dos muros que a manterão com a exclusividade dos maiores paraísos. Terão assim a tranquilidade que eles adoram chamar de “segurança jurídica”. Talvez até tenham a benevolência de permitir que o povão tenha acesso a algumas praias, na certa as menos valorizadas e mais poluídas. Afinal, essa gente de bem é tão generosa.

24.07.2022

Praia do Ouvidor, em Garopaba, Santa Catarina

O bônus musical de hoje é Reggae na Casa Amarela, com NósNaldeia. Essa banda catarinense foi formada em 2002 e também é conhecida pelo trabalho social que realiza junto à aldeia Mbya Guarani existente no município de Palhoça. Grande parte da renda arrecadada com a venda de seus discos, camisetas e bonés é destinada aos índios.

DICA DE LAZER

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