O FRACASSO DO ESPERANTO

No ano de 1887 o médico polonês chamado Lázaro Luís Zamenhof (1859-1917) lançou uma “língua planejada”, com o objetivo de facilitar a comunicação entre os diferentes povos e culturas. Ele também tinha a esperança de que um dia ela substituísse as demais, tornando-se uma forma de aproximação decisiva para a redução das hostilidades entre as nações. Seu nome foi mais do que apropriado: Esperanto.

Na verdade, esse foi o apelido pelo qual ela ficou conhecida. Isso porque ele próprio passou a ser conhecido como Doutor Esperanto, que na língua proposta significa justamente “aquele que tem esperança”. Fez o lançamento dessa sua ideia utópica com o livro “Unua Libro de la Lingvo Internacia” Ou seja, O Livro da Língua Internacional. Portanto, não fosse a forma como ele passou a ser tratado ser também transferida para a sua obra e ela seria simplesmente Língua Internacional.

O Esperanto sempre foi considerado uma língua fácil de ser aprendida. Ao menos mais fácil do que a imensa maioria das demais, tradicionais, uma vez que foi planejada para ser mais simples e mais regular. Além disso, a proposta era estabelecer uma comunicação de igual para igual entre pessoas que falassem outras duas distintas, não existindo uma vantagem cultural a favor do falante nativo em contatos internacionais. Melhor explicando, mesmo que ela por um largo tempo não fosse substituir nenhuma das demais – ou jamais vindo a fazer isso –, seria um complemento, uma ponte, um espaço de neutralidade.

Outra circunstância que talvez o Esperanto viesse a oferecer, segundo imaginava seu criador, era proteger as línguas minoritárias, regionais e pouco faladas. Porque elas deixariam de ser diretamente atacadas por outras mais “poderosas”. A língua internacional seria como uma espécie de algodão entre cristais. E, segundo as estimativas mais otimistas, o Esperanto chegou a ser falado por uma grande comunidade, em mais de 120 países. Mesmo assim, jamais se universalizou. 

Convém aqui explicar também porque não uso o termo “idioma”. Isso é porque uma língua só se torna um idioma no momento em que passa a ser falada oficialmente em um país. Ou seja, quando passa a ser relacionada com a existência de um Estado Político, sendo inclusive identificada, a partir de então, como um dos elementos constitutivos daquela nação em torno da qual tal estado se forma. A língua portuguesa é um idioma, porque é oficial em nove países; o tupi-guarani é uma das centenas de línguas existentes ao redor do mundo.

A razão do Esperanto não ter se firmado parece ser evidente: sua falha é aquilo que pretensamente seria sua qualidade, ou seja, ser artificial. As línguas naturais não são o resultado de um aglomerado de palavras, frases e expressões. Seja ela qual for, está fundamentada em suas lendas, seus mitos, resulta de uma série de processos sociais e históricos. As artificiais são lógicas, mas não transmitem a vivência de um povo. Uma natural não serve apenas para troca de mensagens e informações, mas sim para refletir a alma coletiva de quem a pratica desde a mais tenra infância, já tendo recebido com ela toda a carga emocional e cultural que vem dos antepassados.

Esta concepção é hermenêutica, uma arte ou técnica que busca revelar o sentido dos livros e dos textos sagrados. Isso é tão real e significativo que existem características que não podem ser traduzidas com facilidade de um idioma para outro, por serem profundamente próprias, singulares. Sua interpretação vai além do que é lógico, uma vez que existe toda uma constituição por intermédio delas, das tais características, uma identidade. E lembro que, conforme expliquei acima, o Esperanto não é um idioma e sim apenas uma língua artificial.

Outro fator fundamental é a literatura. Não se pode entender a essência do português sem a referência unificadora de Os Lusíadas, de Camões. Ao menos não em termos acadêmicos. Se pode falar o mesmo a respeito do espanhol, que necessita de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Os dialetos gregos só foram unificados com a Ilíada e a Odisséia, poemas épicos de Homero. Poderiam ser citadas também situações semelhantes relacionadas ao inglês, o francês, o russo e o alemão. Mas não há literatura que fundamente o Esperanto, o que ocasionou o seu fracasso. Por mais perfeito que ele seja, em termos de uma elaboração racional, será sempre um corpo sem alma, feito de retalhos. Assim como Frankenstein, uma obra primorosa com a qual a britânica Mary Shelley nos brindou, em 1818. Admito que aquele personagem não tem nada de bonito fisicamente, ao contrário da língua, que tem uma sonoridade interessante. Mas fica apenas nisso.

18.04.2023

Lázaro Luís Zamenhof (1859-1917), o criador do Esperanto

Chave PIX para contribuições voluntárias: virtualidades.blog@gmail.com

Se você gostou desta crônica, garanta a continuidade do blog com uma doação. Isso ajudará a cobrir custos com sua manutenção. Logo aqui acima você encontra uma Chave PIX e abaixo deste texto existe um formulário para fazer doações. São duas alternativas distintas para que você possa optar por uma delas e decidir com quanto quer ou pode participar, não precisando ser com os valores sugeridos. Qualquer contribuição é bem-vinda. No caso do formulário, a confirmação se dá depois das escolhas, no botão “Faça uma Doação”.

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente

O bônus musical de hoje oferece primeiro Hallelujah, do cantor, compositor, poeta e escritor canadense Leonard Norman. Esta versão, cantada por Manoo Montanna, está em Esperanto (Haleluja). Também em Esperanto temos, logo depois, a canção Hello (Halo), de Adele, cantada por Cristina Casella.

UM PAÍS ESTÁ PERDENDO SEU IDIOMA

Idiomas se modificam ao longo do tempo: algumas palavras caem em desuso, outras mudam seu significado, mais algumas surgem adaptadas de línguas diferentes, mesmo que distantes, ou simplesmente aparecem fruto de modismos. Além disso, em fronteiras é bastante normal que surjam quase que novos dialetos, uma vez que tornam de uso comum palavras de ambos os lados. Tudo isso dá vida ao falar, em primeiro lugar. Depois as alterações podem chegar também à forma de se escrever, com um tanto a mais de demora.

Há nações no mundo que têm mais de um idioma oficial. O que não é nada comum é que um povo plenamente desenvolvido vá deixando de usar sua própria língua, substituindo essa sua identidade cultural e histórica básica por outra, vinda do exterior. Pois isso, segundo se sabe, está ocorrendo com a Islândia. Ainda torço para ser distorcida essa informação, mas não é o que se apresenta, segundo relatam habitantes daquele país mesmo.

A Islândia é um país muito pequeno, situado no norte da Europa. Sua população aproximada é de 370 mil habitantes – para se ter uma ideia comparativa, a cidade de Caxias do Sul tem 520 mil –, pessoas que têm um padrão de vida elevadíssimo. Educação e saúde são gratuitas, a maior parte da energia utilizada é renovável (geotérmica), ela possui dois grandes parques nacionais e sua paisagem natural é exuberante. No seu território convivem enormes geleiras com vulcões e gêiseres; tem fontes termais muito conhecidas e campos formados de lava. A maior parte do seu povo vive em Reykjavik, a capital, onde pelo menos dois museus contam em detalhes a história de seus antepassados vikings. É um lugar que merece ser visitado.

O idioma islandês é falado unicamente lá e por pessoas que emigraram daquele país para outros. Não é como o português, por exemplo, que se fala em nove países, distribuídos em quatro continentes. E na Islândia, como em qualquer outro lugar do mundo, se aprende a falar ouvindo as pessoas mais velhas. Isso é uma característica muito humana, uma vez que tendemos desde cedo a imitar comportamentos e a fala também é um deles.

Mesmo tendo sido invadida por longo tempo pela Dinamarca, o islandês não incorporou praticamente nada do idioma dos seus conquistadores. Continuou sendo a que mais preservou detalhes da língua nórdica antiga e seus atuais habitantes adultos conseguem, em função disso, ler e entender textos antigos, com mil anos ou mais, sem qualquer esforço. Uma outra caraterística é que eles não adotam estrangeirismos, como estes mais comuns, ligados à tecnologia. No Brasil, palavras como mouse, drive, site e outras tantas simplesmente chegaram e firmaram presença. Por lá nenhuma delas vinha sendo usada, pois criavam um termo local que pudesse identificar aquele produto, ideia ou procedimento novo que aparecesse.

Mesmo assim, com todo esse cuidado, as crianças menores estão sendo levadas a adotar o inglês como idioma. E a razão apontada é a internet. Como fazer pesquisas sobre quaisquer temas é algo quase obrigatório hoje em dia, isso as conduziu automaticamente para fora. Porque, sendo o seu um idioma quase hermético, sua maior qualidade se tornou um defeito. Ou no mínimo um problema. Não há suficiente tradução e nem geração de conhecimento em islandês. Com isso as novas gerações estão sendo conduzidas para o inglês com uma forma que nem uma invasão física do país poderia fazer.

Também é necessário entender que existe um problema econômico por trás disso tudo. O custo para produzir algo em inglês e algo em islandês, na linguagem das máquinas, no mundo real ou virtual, é o mesmo. Mas, enquanto a primeira língua é quase universal, sendo falada em todo o planeta, a outra tem um mercado potencial mínimo, não valendo de modo algum o investimento. Assim, as grandes empresas internacionais ignoram totalmente essa possibilidade. Então, como a tecnologia não chega ao idioma local, os habitantes da Islândia têm que ir ao seu encontro com a adoção da outra língua. Isso para que permaneçam inseridos no mundo. Então, pelo pouco uso, a língua materna, que sobreviveu a tudo, agora está mesmo condenada ao desaparecimento.

As novas gerações já nem se preocupam tanto em aprender sua própria gramática. E o que se percebe são diálogos cada vez mais frequentes, nos mais diversos locais, deixando de ser feitos em islandês. A tal ponto que muitas palavras estão sendo esquecidas até quando a língua mãe é a escolhida. A morte é apenas uma questão de tempo. Tão triste quanto isso é saber que o fenômeno se alastrará para outros territórios e povos. Há especialistas projetando que, dentro de alguns anos, dos cerca de sete mil idiomas ainda falados no planeta, não passe de 350 os que serão preservados. Tudo em virtude da Era Digital. Depois, um lapso pode retardar o processo, com o barateamento das soluções. O que deve retornar adiante, levando ao aniquilamento de outras tantas. Não se sabe com que consequências para a nossa memória, para a nossa cultura.

04.07.2022

Bandeira da Islândia, aplicada sobre o mapa do país

Os dois bônus trazem primeiramente a banda islandesa de rock alternativo Ylja, com a música Sem Betur Fer (em uma tradução livre, Felizmente), gravada no Studio A, programa da televisão pública local, pelos produtores Ólafur Gunnarsson e Helgi Jóhannsson. Depois temos uma canção de exaltação viking, com cunho religioso, chamada Trollabundin (Enfeitiçado). A cantora é Eivor Palsdottir.Uma curiosidade: na Islândia as pessoas não têm sobrenomes, os nossos nomes de família. Por lá usam o prenome seguido do nome do pai e uma terminação. Sendo filho, SSON; sendo filha, DOTTIR. Em dois dos exemplos acima, Ólafur Gunnarsson é “Ólafur, filho de Gunnar”; e Eivor Palsdottir, é “Eivor, filha de Pals”. Se eu fosse islandês, meu nome seria Solon Waltersson (Solon, filho de Walter).