GRACIAS, MESSI!

Foi tão dramático quanto os melhores tangos argentinos. Mas com final feliz, igual aos de tantos filmes e telenovelas. Depois de um empate em 2×2 no tempo normal e outro de 1×1 na prorrogação, os pênaltis deram o título para os “hermanos”: 4×2. Messi saiu afinal de uma Copa como um justo campeão, levando medalha, troféu de melhor jogador do torneio e dando à Argentina o direito de levar para casa o troféu máximo.

Muito obrigado, Messi, por recolocar nosso continente outra vez no topo, depois de 20 anos – fora o Brasil antes, em 2002 –, isso após Itália, Espanha, Alemanha e França se revezarem nessa posição! Obrigado por restituir emoção a tantos corações apaixonados por futebol! Também te agradecemos por mostrar que ainda é possível estabelecer uma sintonia perfeita entre a torcida e um selecionado em campo. Estamos tocados pela comprovação de que um país pode sim estar unido em torno da bola. E em torno de ideais de uma reconstrução. A nação argentina vem sofrendo horrores e merecia esse lenitivo, essa bênção, esse sopro de alegria e esperança.

Como é bom ver uma camisa com as cores de um país ser vestida por TODOS, com o mesmo orgulho, sem constrangimentos causados devido à apropriação de um grupo. Como é bom ver famílias reunidas em torno de símbolos comuns, de aspirações idênticas, de esperanças que são igualmente compartilhadas. A Argentina foi uma só, ao longo da Copa e em especial durante os 139 minutos nos quais rolaram a bola e tantas aflições na final. Foram dois tempos normais e dois extras, todos os quatro com acréscimos. Mas o jogo estava tão bom, que para quem o via nas televisões espalhadas no planeta, o tempo parece ter sido muito mais curto. Quem se exauriu em campo deve achar o contrário. Que o diga um fantástico Di Maria, que vinha de lesão e foi dos melhores do jogo, até os 19 minutos da segunda etapa, quando não aguentou mais e foi substituído.

Tiveram os argentinos pouco antes outra destas felicidades coletivas, com a chegada de Alberto Fernández ao poder. Mas aquela vitória, tão democrática quanto essa, tem incomodado muita gente poderosa, nos últimos dois anos. Tem sido contestada, atacada. Entretanto, a tua e dos teus companheiros, Messi, essa não poderá ser. E dá um estímulo extra para que a outra resista. E muito obrigado por ter honrado Maradona, outro craque argentino que vestiu a camisa dez, homem de esquerda, que além de amar o futebol defendia os menos favorecidos, combatia a nefasta desigualdade social.

Meus vizinhos tornaram meu domingo mais feliz. Não havia como deixar de torcer para eles. Por que cargas d’água eu aplaudiria uma nação colonizadora ao invés de uma colonizada, exatamente como é a minha? Bater continência para bandeiras de potências estrangeiras nunca foi um hábito meu. Acreditar numa rivalidade plantada, só se eu fosse suscetível como esses tantos doutrinados pelas redes sociais. Somos muito mais parecidos com os argentinos do que tanta gente pensa. Temos histórias que se assemelham em muitos detalhes; somos ambos latinos e com certeza compartilhamos sonhos de desenvolvimento, de liberdade para gerirmos nossas vidas e plantarmos nosso futuro. Queremos respeito, o direito de usufruirmos das nossas riquezas, das nossas culturas, das nossas peculiaridades. Brasil e Argentina são irmãos, não inimigos. E, quando eventualmente se enfrentam num campo ou quadra esportiva, que cada um faça por merecer a vitória. Que obviamente não irá sorrir sempre para o mesmo lado.

Falando em lados, foi triste ver Mbapeé. Ele não precisava ter ficado com aquela cara de velório, na hora das premiações. É jovem e craque, fez os três gols da França na final, já fora campeão do mundo quatro anos atrás e tem pela frente o mesmo futuro brilhante que Lionel Messi construiu do passado até agora. Desde que calce as sandálias da humildade, pois recentemente disse que o futebol sul-americano era de segunda linha. Outra coisa que deveria ser proibida e punida pela FIFA é o desrespeitoso ato – felizmente não praticado por todos – de vice-campeões tirarem do peito as medalhas de prata, logo após as terem recebido. Como se fosse uma desonra ficar em segundo, como se fossem eles merecedores da glória maior, injustiçados. Maior foi o exemplo dos argentinos, formando um corredor para a passagem dos adversários quando a caminho do podium, os aplaudindo pelo grande desempenho.

Enfim, pena que a Copa acabou. Mas que bom que foi desse modo que chegou ao fim. Agora resta esperar três anos e meio, até meados de 2026, quando os jogos serão espalhados pelos três países da América do Norte. Pela primeira vez na história o evento acontecerá de modo simultâneo em três países: Canadá, EUA e México. E também vai ser preciso que se torça pela indicação do Uruguai, para a disputa seguinte, em 2030. Isso porque estaremos comemorando cem anos da primeira das Copas, que justamente aconteceu neste outro vizinho nosso. Com a previsão de que não lhe seria concedida essa honra, pela sua provável incapacidade financeira, o país já se propôs a dividir a tarefa com Paraguai e Argentina. Maravilhoso se ela se tornasse uma Copa do Mercosul. Quem sabe não sobrariam jogos para Porto Alegre? Sonhar sempre é muito bom.

18.12.2022 – Postagem extra

Messi e Maradona: em montagem, os dois maiores camisa dez da história da Argentina

O bônus duplo de hoje oferece o áudio de trecho de uma das canções entoadas pela “hinchada” (torcida) argentina: Campeones Otra Vez. E também disponibilizamos um link que permite ser visto um compacto com lances do jogo Argentina 3×3 França.

Campeones Otra Vez

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ESQUERDA, VOLVER

Em entrevista concedida em março deste ano, o presidente Joe Biden admitiu que chamava a América Latina de “quintal dos Estados Unidos”, durante seu tempo na universidade. Agora em junho, em função da Cúpula das Américas, acabou fazendo uma pequena correção e tratou de assegurar que somos o “terreno de entrada”. Ou seja, mudamos dos fundos para a frente, ficando agora como um local de passagem, para ser pisoteado. Isso que para todos nós foi mais interessante a sua eleição do que ser reconduzido o fascista do Trump. Entretanto, coisas como essa apenas demonstram que a única diferença entre democratas e republicanos, para seus “irmãos do sul”, é que os primeiros usam vaselina.

Mas, algo está mudando nos últimos tempos. E esse jardim do Biden e dos seus arrogantes conterrâneos está ficando repleto de rosas, todas vermelhas. Verdade que pelo menos uma delas já está nele há muito tempo, sendo um doloroso espinho a lembrar a surra que o gigante da bandeira estrelada levou da anãzinha corajosa. Falo de Cuba. Também a rosa Nicarágua incomoda muito e é relativamente mais antiga, assim como a Venezuela. Essa terceira os jardineiros passaram a respeitar mais, subitamente, depois de iniciada a Guerra da Ucrânia. Ela sumiu do noticiário que colocava lupa diária nos problemas locais, uma vez que o petróleo que oferta no mercado ganhou importância lá na parte alta do mapa. Esqueceram até de chamar Juan Guaidó de presidente, cargo para o qual ele jamais foi eleito.

Eleitos foram outros, avermelhando o jardim. Em 2019, quem abriu essa porta foi Alberto Fernández, ao vencer Maurício Macri, que buscava sua reeleição, com a esquerda então ocupando a Casa Rosada. Conseguiu isso ainda no primeiro turno das eleições na Argentina. Seguiu-se a tendência com o Peru: o professor da área rural, Pedro Castillo, venceu em junho Keiko Fujimori, filha do ex-presidente direitista Alberto Fujimori. Em dezembro ocorreu resultado semelhante no Chile, onde o deputado e ex-líder estudantil Gabriel Boric venceu o advogado José Antônio Kast. E também no final de 2021, Xiomara Castro chegou ao poder em Honduras.

Não se pode deixar de citar um caso que teve simbologia especial. Na Bolívia, um ano depois do esquerdista Evo Morales ter sofrido um golpe, o povo conseguiu pressionar por novas eleições, voltando às urnas no final de 2020 e devolvendo o controle do país para a esquerda. O eleito foi Luis Arce, do Movimento ao Socialismo, ainda no primeiro turno e com enorme repercussão regional. Naquele país, ex-ministros golpistas, como Luis Fernando López e Arturo Murillo, com ordens de prisão emitidas pelo Ministério Público após o novo pleito, fugiram para os EUA. O Brasil teria auxiliado, sendo rota de fuga para várias pessoas envolvidas na derrubada do presidente anterior, que fora eleito pelo voto popular.

A mais recente aquisição para o grupo foi a Colômbia, que pela primeira vez em sua história está colocando no poder um governo de esquerda. Foi no último domingo a vitória de Gustavo Petro sobre o candidato da extrema-direita Rodolfo Hernández, em um segundo turno bastante acirrado. Esse ineditismo, alcançado em uma sociedade extremamente conservadora e que sofre forte e direta influência dos EUA há décadas, comprova o fracasso da política neoliberal, que vinha conseguindo apenas aprofundar as desigualdades sociais naquele país e em todo o continente. Deste modo, são agora nove os países que se alinham numa tentativa de oferecer governos democráticos, voltados aos reais interesses da maioria da população. Todos eles com propostas que, reconhecidas suas peculiaridades locais, valorizam mais os programas sociais de combate à desigualdade, com geração de emprego e renda; o desenvolvimento sustentável; questões humanitárias; sua cultura; habitação e transporte; educação e saúde pública.

O “camisa dez” desse time deverá ser o Brasil, considerando que Lula está bastante à frente nas pesquisas eleitorais. Caso isso se confirme, outubro marcará o retorno do país ao período de real prosperidade vivido recentemente. E com a virada do ano haverá uma virada na vida da população. Ou uma “revirada”. Deve diminuir outra vez o número de famintos, que tem crescido; voltar a esperança do filho do porteiro do prédio chegar à faculdade; da classe C adquirir passagens aéreas; da gasolina deixar de ter seu preço alinhado ao dólar. As universidades públicas terão sua autonomia respeitada; as ilegalidades amazônicas serão enfrentadas; não haverá risco dos atendimentos via SUS passarem a ser cobrados; cessará a sanha privatizante, a tempo da Petrobrás e do Banco do Brasil serem salvos. A era da pós-verdade chegará ao fim, com combate efetivo ao disparo de fake news, sendo a justiça apoiada na punição dos responsáveis. A pesquisa será outra vez incentivada; a ciência terá respeito e, com isso, a terra plana novamente se tornará esférica e nenhum vacinado vai se transformar em jacaré. A era da pós-verdade chegará ao fim, com combate efetivo ao disparo de fake news. Outubro pode inclusive devolver aos brasileiros o direito de usar camisetas verde-amarelas com fins meramente esportivos, para quem sabe comemorar uma outra vitória, na Copa do Mundo que ocorre em novembro, no Qatar. Por fim, nossa bandeira voltará a ser de todos. E o Brasil não estará acima de tudo, mas ao lado de cada um de nós.

22.06.2022

Gustavo Petro, eleito domingo presidente da Colômbia, ao lado de sua vice Francia Márquez:
mulher negra, advogada e ativista ambiental

O bônus de hoje é o clipe com a música Sem Medo de Ser Feliz. Essa gravação foi feita com base na versão original do jingle de Hilton Acioli. E foi feito para presentear Lula, em surpresa preparada por sua esposa Janja. Dele participam vários músicos e artistas brasileiros.

DICA DE LEITURA

A ELITE DO ATRASO: da escravidão a Bolsonaro, de Jessé Souza

(272 páginas – R$ 22,84 – edição revista e ampliada)

Quem é a elite do atraso? Como pensa e age essa parcela da população que controla grande parte da riqueza do Brasil? Onde está a verdadeira e monumental corrupção, tanto ilegal quanto “legalizada”, que esfola tanto a classe média quanto as classes populares?

A elite do atraso se tornou um clássico contemporâneo da sociologia brasileira, um livro fundamental de Jessé Souza, o sociólogo que ousou colocar na berlinda as obras que eram consideradas essenciais para se entender o Brasil.

Por meio de uma linguagem fluente, irônica e ousada, Jessé apresenta uma nova visão sobre as causas da desigualdade que marca nosso país e reescreve a história da nossa sociedade. Mas não a do patrimonialismo, nossa suposta herança de corrupção trazida pelos portugueses, tese utilizada tanto à esquerda quanto à direita para explicar o Brasil. Muito menos a do brasileiro cordial, ambíguo e sentimental.

Sob uma perspectiva inédita, ele revela fatos cruciais sobre a vida nacional, demonstrando como funcionam as estruturas ocultas que movem as engrenagens do poder e de que maneira a elite do dinheiro exerce sua força invisível e manipula a sociedade – com o respaldo das narrativas da mídia, do judiciário e de seu combate seletivo à corrupção.

Basta clicar sobre a imagem da capa do livro, que está logo acima, para adquirir o seu exemplar. Caso isso seja feito usando esse link, o blog será comissionado.