FALTA DE ATENÇÃO
Na minha família eu sempre fui tido como alguém um tanto desligado. Mas não em relação a todos os assuntos e todas as situações. Ou seja, eu seria portador de uma espécie de desatenção seletiva. Não estou aqui para discordar, uma vez que admito a existência dessa característica, se bem que sem dar o braço a torcer quanto à intensidade dela. No meu ponto de vista – que neste caso é por óbvio bastante suspeito – as coisas não são assim tão extremas e dramáticas. Se isso for distúrbio, aceito o diagnóstico desde que ele seja seguido ou precedido, tanto faz, pelo adjetivo “leve”.
Estou longe, por exemplo, do que acontecia com o escritor britânico Gilbert Chesterton (1874-1936). Entre tantos outros livros, ele escreveu O Homem Eterno, O que Há de Errado com o Mundo e Tremendas Trivialidades, três que merecem tempo de leitura. Mesmo famoso por paradoxos agudos e por memória prodigiosa, ele tinha lá suas desatenções. Até porque – e isso nem todos sabiam – boa parte da sua reputação se devia à agenda que era cuidadosamente feita pela sua esposa, Frances Blogg. Era função dela todos os dias providenciar um roteiro detalhado das atividades do marido, de tal forma que ele conseguia cumprir com absoluto esmero os seus afazeres e compromissos.
Pois não é que uma vez o senhor Chesterton pegou um trem perto de sua residência, que ficava em Birmingham e foi para Londres, mas ao chegar à capital se deu conta de que não levara consigo a sua agenda. Foi o suficiente para que não lembrasse o que tinha ido fazer por lá. Então, tomou a iniciativa de enviar de imediato um telegrama para a esposa: “Estou em Londres e não lembro o que vim fazer aqui. Pode me dizer que compromisso tenho e para onde devo ir?”. Ficou na agência de correios deles, aguardado pela resposta, que não tardou: “Gilbert, você saiu para comprar tabaco. Por favor, volte para casa imediatamente. E, para constar, você mora em Birmingham”.
Para constar, saibam todos que eu sempre soube onde moro e que nunca saí para comprar cigarros, uma vez que não fumo. Também não me enquadro naquele grupo de pessoas que procuram os óculos pela casa, sem se dar conta de que eles estão no seu rosto mesmo. Mas em muitas oportunidades tento descobrir onde deixei meu celular ou as chaves, com tudo bem na minha frente. Já saí com camiseta do avesso, mas nunca com um pé de calçado de cada cor. Entretanto, sendo esse um momento de confissão, preciso contar que uma vez participei de um concurso, fui muito bem na primeira etapa da seleção, tinha chances de obter a vaga em disputa e esqueci de ir na segunda. Já errei o dia de uma palestra que desejava muito assistir, indo uma semana antes. Estranhei estar sozinho na sala – que não era perto da minha casa –, até ser avisado por uma funcionária de que nada iria acontecer ali naquela data. E também consegui a proeza de não embarcar rumo a Florianópolis, mesmo estando no aeroporto na hora marcada. Claro que esses três últimos exemplos autorizam as pessoas a removerem a palavra “leve”, que pedi lá atrás fosse acrescentada à minha distração. Só espero que elas se distraiam lendo e esqueçam do meu pedido.
Albert Einstein, quando encontrava colegas professores ou um grupo de alunos no campus da Universidade de Princeton e parava para alguma conversa, em geral perto do meio-dia, que é quando se deslocava entre os prédios, ao final perguntava de que lado ele próprio estava vindo antes. Dependendo da resposta que recebia ele sabia se já havia ou não almoçado, considerando a localização do restaurante universitário. E uma amiga nossa, pessoa muito querida e para lá de equilibrada, uma vez ligou para a Olinda e estava relatando uma série de situações, quando comentou estar muito preocupada porque havia perdido seu celular. Perguntada de onde estava falando, confirmou estar na rua. Assim, pode ser alertada que deveria estar usando o celular que pensava ter perdido.
A verdade é que desatenções em geral são devidas apenas ao estresse ou a alguma característica pessoal, não sendo necessariamente uma questão patológica – sobre TDAH vou escrever em outra ocasião. Não sei o que há de normalidade ou não nisso, mas para mim é muito comum estar com mais de uma preocupação simultânea ou ter vários pensamentos se acotovelando. Então, o foco passeia do mesmo modo que eles circulam em minha cabeça. Não é por acaso que escrever, além de ser minha profissão, também serve como terapia. Publicar aqui a cada 48 horas é algo que me auxilia, com a disciplina necessária. Assim como o fato de ter liberdade para definir sobre o que escrever. Isso é um modo de manter o foco, podendo ter ao mesmo tempo muitas perspectivas diferentes; uma forma de me distrair e assegurar atenção ao mesmo tempo. Vida que segue.
28.05.2023

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