O número de pessoas que declaram ter uma religião, em todo o mundo, supera em muito o daquelas que asseguram não professar nenhuma delas. Esse é um fato registrado pelas estatísticas oficiais levantadas em todos ou quase todos os países. Aquelas que são resultado de pesquisas sérias, ao melhor estilo do que fazia o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, até recentemente. Não se sabe de ninguém que se diga seguidor de seitas. Talvez porque isso tenha um significativo nada edificante, ou apenas em virtude de não estar essa resposta entre as possíveis de assinalar. Mas o que diferencia uma da outra? Se nós apostarmos no fanatismo, mesmo sendo possibilidade aceitável, não estarão contempladas todas as possibilidades. Porque vai muito além disso.
A religião, palavra vinda do latim religare, tem na sua própria essência, na aceitação desse significado, a intenção de registrar um dos tantos esforços feitos pelo homem no sentido de estabelecer um elo com o que seja divino. Ela, a palavra, se constitui e justifica a partir da crença na existência de um ou mais seres superiores aos humanos, com os quais convém recuperar, manter ou estreitar laços. É, portanto, a ponte entre o sobrenatural e intangível, com aquilo que é material e perceptível aos sentidos que possuímos. Em geral, as religiões atribuem a esse ser ou a esses seres superiores a própria criação do Universo e da vida, a organização e o funcionamento de tudo.
A essência da religião é o estabelecimento da crença. Segue a religião, seja ela qual for, aquele que crê, que acredita nos seus princípios. Ou seja, não existe a religião sem a fé, que por sua vez é um fenômeno psicologicamente explicável, mesmo que aquilo em que se crê não o seja. A fé seria humanamente compreensível; o objeto da fé não pode ser explicado. Ao menos não pela razão e pela ciência. Por isso o religioso, aquele que tem uma religião na qual acredita, é muitas vezes chamado de fiel. Porque a lealdade aos seus princípios se torna o elo que legitima essa relação.
Por sua vez, a palavra seita se origina de “seguidor”. Vem do latim secta e isso denomina não apenas aquele que professa uma crença religiosa. O mesmo termo se enquadra para aqueles que adotam outras linhas de pensamento e ação. Pode ser também usado no viés político, filosófico ou moral, mas que diverge daquilo que é convencionado, seguido pela maioria das pessoas. Praticamente todas as religiões que se conhece iniciaram como seitas. E mesmo hoje em dia, para várias correntes religiosas outras religiões são assim denominadas. Ou seja, muitos que acreditam em A, que entendem ser religião ou até mesmo a única religião digna de ser professada, veem as pessoas que acreditam em B como sendo integrantes de uma seita. Há nesses casos inclusive a possibilidade de um questionamento inverso e simultâneo. Com os de B pensando o mesmo a respeito dos de A. E tal acontece porque a mesma fé que em tese ilumina e esclarece pode ser motivo de uma espécie de cegueira. Olhos expostos a excesso de luz, seja ela verdadeira ou não. Viria da tese de serem ou se proclamarem, cada uma delas, como as portadoras da verdade sobre “a revelação divina”.
Outros fatores também podem agrupar ou afastar religiões. São relações quanto ao tempo de sua existência, o número de seguidores que possuem ou mesmo sua relevância nas sociedades onde estão inseridas. Entre todas as correntes, as mais antigas são budismo, hinduísmo, islamismo, judaísmo e cristianismo. Entretanto, praticamente todas essas já se subdividiram em muitas vertentes, devido a interpretações diferentes dos ensinamentos fundadores e mesmo em função de alguns interesses circunstanciais. Assim sendo, não é nenhum absurdo afirmar que a humanidade que pretende uma ligação com o divino não tem demonstrado, ao longo de toda a sua história, sequer a capacidade de se entender consigo própria, estimulando a divisão. E essa incapacidade de entendimento é tão profunda que cada um desses grupos termina, de certa forma, criando o seu próprio Criador. Ou seja, uma inversão absurda de papéis. Só não se pode afirmar que Deus esteja decepcionado porque, sendo Ele quem é, deve saber exatamente o que fez.
25.10.2021

No bônus de hoje, a música Fé Cega, Faca Amolada, de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, na voz de Glaucia Nasser.
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