Durante toda a chamada “Era Vitoriana” – período do reinado da rainha Alexandrina Victoria, entre 1837 e 1901 – o Reino Unido foi o exemplo mais gritante de uma dupla moral sexual. O puritanismo da monarca e da chamada “boa sociedade”, orientada para uma conduta rígida em termos de costumes, convivia com toda a espécie de vícios. Bordéis, casas de apostas, pontos de venda de drogas, tudo proliferava pelas ruas. Um mundo de prazeres clandestinos, com muita prostituição e adultério, era presença marcante em toda Londres. E as orgias e espetáculos eróticos estimularam que lá fosse desenvolvido o primeiro preservativo em látex que se tem notícia. Isso tudo numa época na qual, em público, havia uma quase unânime defesa do sexo existir apenas com fins reprodutivos.

Neste cenário uma série de regras foram instituídas para as mulheres que, as seguindo, seriam esposas exemplares e boas mães, sempre mantendo o necessário decoro. Dos homens também era cobrado que fossem moderados, corteses, cultos e equilibrados. Mas deles se fazia vista grossa para alguns desvios nessa conduta, desde que de forma muito discreta. Com a religião dando o tom, surgiram vários manuais de “higiene conjugal”, nos quais eram explicados detalhes íntimos que deviam ser seguidos, para ninguém “sair da linha”. Recuperando parte desses conteúdos, a escritora norte-americana Therese Oneill, que é conhecida por seus textos de história e de humor, lançou em 2016 o livro Indecoroso – O Guia da Dama Vitoriana Para o Sexo, Casamento e Conduta. Nele fez uma cuidadosa viagem à vida cotidiana das mulheres, naquele período da história. Suas 328 páginas trazem um desfile de horrores perpetrados. São espartilhos apertados; sabugos de milho sendo usadas para “limpar as vergonhas”; algumas dicas de como conquistar um homem sem abrir a boca; comportamento para a noite de núpcias; uso de camas separadas para evitar a tentação; detalhes sobre o “vício secreto” que causaria insanidade; as posições sexuais aceitáveis e as pecaminosas; e muito mais.

Os tais manuais, que eram levados a sério, diziam ainda que relações sexuais praticadas em pé poderiam causar câncer; que paixão demais naqueles momentos levariam à cegueira e à loucura; que engravidar com frequência era o esperado de toda esposa que cumprisse com seus deveres; que o correto era o prazer feminino jamais ser estimulado; que relações sexuais mantidas mais de uma vez por mês poderiam danificar os órgãos internos; e que sexo após as refeições causavam derrames. Para engravidar, recomendavam a “posição do missionário”, com o homem sobre a mulher e essa completamente imóvel, com as pernas estendidas, sem dobrar os joelhos. Dos homens, durante o ato, era esperada concentração absoluta, para evitar que a criança concebida viesse a ser fraca, lhe dando uma “descendência inferior”.

Quando abordavam higiene pessoal e cuidados com a beleza, os textos também eram absurdos e opressores. Os cabelos deveriam ser lavados com amônia pura diluída em água morna – mas esse composto químico é cáustico, podendo causar danos – e, para combater piolhos, deveriam usar vinagre e banha. Suco de cebola seria um xampu para lavagem, sendo uma vez por mês o suficiente. Com hábitos tão precários as pessoas literalmente fediam, assim como as ruas da cidade, por onde corria esgoto a céu aberto. Para disfarçar o odor corpóreo, as mulheres faziam uso do âmbar gris, que é um resíduo do vômito das baleias, para fixar os perfumes fortes que conseguiam no mercado. Também havia o costume de dormir com fatias finas de carne sobre o rosto, acreditando que isso mantinha a pele fresca e sempre restaurada.

Para finalizar, as mulheres vitorianas não usavam calcinhas. Sua peça mais íntima, sob as várias camadas que tinham os vestidos, era uma calçola aberta na parte inferior. Isso permitia fazer necessidades apenas se curvando sobre penicos ou bidês. Mas, aqui entre nós, para outros fins essa abertura poderia ter lá sua praticidade. Entretanto, diante do quadro pintado, o desejo sexual de parte a parte precisava vir acompanhado de muita coragem.

08.11.2020

P.S.: Peço a quem acaba de ler essa crônica um favor especial. Para a realização de uma pesquisa, que tem grande importância para o blog, envie e-mail para solonsaldanha@gmail.com relatando como tomou conhecimento da existência deste texto e por que razão decidiu ler. Agradeço antecipadamente! (Solon)

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Depois temos o bônus musical de hoje: The First Waltz (A Primeira Valsa), composta por Ilan Eshkeri para integrar a trilha sonora do filme The Young Victoria (A Jovem Rainha Victoria), do diretor franco-canadense Jean-Marc Vallée, de 2009. A produção foi de Martin Scorsese e da princesa Sarah Ferguson. A película mostra, com grande requinte técnico, os primeiros tempos de um reinado que perdurou por 64 anos. Venceu o Oscar de Melhor Figurino no ano seguinte ao seu lançamento.

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