ELE PODERIA TER MATADO HITLER

28 de setembro de 1918. Primeira Guerra Mundial em pleno andamento. O soldado britânico Henry Tandey, um dos mais condecorados devido à bravura, está entre os combatentes em luta no povoado de Marcoing. Trata-se do front francês e os alemães estão recuando, devido ao forte avanço dos inimigos. Um deles, no entanto, fica para trás. Ferido em um dos seus pés, manca e não consegue acompanhar seus companheiros na necessária retirada. Quando Tandey o alcança, o cabo não esboça reação. Permanece com seu fuzil abaixado, sabendo que não tem chance alguma de escapar.

O britânico, no entanto, levanta sua arma e faz a mira. Mas, desiste do disparo que seria fatal, considerando covardia abater um soldado ferido e entregue. Assim, abaixa também seu fuzil. O alemão, então com 29 anos, faz um sinal em agradecimento e segue na direção dos demais retirantes. Mesmo atrasado, consegue chegar a um local seguro, distante da linha de conflito. Essa ocasião inusitada foi narrada, anos mais tarde, pelo sobrevivente. E uma decisão diferente do seu inimigo talvez tivesse mudado a história do Século XX radicalmente. O soldado poupado se chamava Adolf Hitler.

Essa história está narrada em detalhes na obra Tudo o Que Você Precisa Saber Sobre a Primeira Guerra Mundial, do jornalista e professor universitário argentino Santiago Farrell. Ainda segundo o autor, Hitler só teria descoberto a identidade de quem o poupara ao ver uma pintura feita pelo artista italiano Fortunino Matania. Mesmo assim, há controvérsias sobre a veracidade deste fato. Um dos que dele duvidam é o historiador David Johnson, que escreveu uma biografia de Tandey. Ele prefere acreditar que o Führer inventou essa história como um dos reforços necessários para a propagação da ideia de que ele fora mais uma vez poupado, em virtude de existir para ele um propósito maior. Aquela coisa do mito, que precisa ser construído.

Não foi apenas no início do século passado, nem tampouco apenas na Alemanha, que se apresentar como “o escolhido” engana e leva milhares de pessoas a se tornarem seguidores fiéis e cegos. Tem mais: se puder inventar um atentado, ajuda muito, porque a figura funde uma suposta humanidade ao seu “espectro divino”. Ele supostamente coloca sua própria vida a serviço da causa, pouco importando se a realidade mostra exatamente o oposto, que a causa está a serviço dele e dos seus. E se conseguir ainda associar sua imagem à religiosidade, melhor ainda. Dali em diante, basta propagar por todos os meios as inverdades, até que elas ganhem a necessária roupagem e selo de autênticas.

Depois dessa história ter sido contada, o próprio Tandey passou a ter muito cuidado ao comentá-la. Ele admitia ter poupado algumas vidas durante as batalhas, mas dizia não lembrar das feições de Hitler. Deste modo, as dúvidas vão persistir para sempre. O que não se tem como discutir é que, se tal tiro tivesse sido dado, talvez muitos milhares de outros fossem evitados. Se aquela vida tivesse sido tirada, milhões de outras teriam sido preservadas. Apesar de ser preciso considerar também a hipótese de que se alterasse o louco, sem que a loucura deixasse de ser cometida. Haja vista os tempos atuais, onde ela parece estar querendo outra vez se dizer presente, em tantos lugares deste nosso mundo.

15.03.2023

Henry Tandey idoso, com suas medalhas

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O bônus musical de hoje é Bad Moon Rising (Lua Crescente Ruim), com a banda californiana de rock Creedence Clearwater Revival.

COMEMORAÇÕES DA INDEPENDÊNCIA

Hoje é a data na qual estamos ou deveríamos estar, todos os brasileiros juntos, comemorando o Bicentenário da Independência do Brasil. Mas a data foi um tanto esvaziada. Primeiro, por uma programação pífia, muito diferente daquela produzida quando o país completava seus cem anos de suposta liberdade. Naquela ocasião o planejamento dos festejos levou 11 meses, com os primeiros movimentos nesse sentido tendo ocorrido com dois anos de antecedência. Ocorreu, por exemplo, uma grande exposição internacional no Rio de Janeiro, na qual 14 países montaram pavilhões, convidados que foram para conosco dividir um momento histórico tão importante. Quase quatro milhões de pessoas visitaram os estandes. Na abertura ocorreu a primeira transmissão de rádio em nosso país, com antena especialmente instalada no Morro do Corcovado e aparelhos receptores instalados de modo estratégico em locais de grande concentração popular. Foi possível ouvir não apenas os discursos, como também a ópera O Guarani, de Carlos Gomes. Vinte chefes de Estado estiveram presentes.

O Brasil, o que mostrava ao mundo, naquela exposição e nas ruas, era ser uma nação moderna. As artes, os avanços da ciência e da indústria, mas até mesmo a moda, foram apresentadas com orgulho. O mesmo que as pessoas demonstravam no uso das cores da bandeira. Epitácio Pessoa era o presidente e não estava preocupado com a reeleição, pois não concorreria – quem o sucedeu foi Artur Bernardes, que derrotou Nilo Peçanha. Ele tinha outras dificuldades para enfrentar. Mazelas sociais estavam presentes, como uma grande seca no Nordeste, a recente revolta militar no Forte de Copacabana – que ficou conhecida como “Os 18 do Forte” e tem até nome de rua na Caxias do Sul da minha infância –, e outras tantas.

Mas também se tinha vencido a Gripe Espanhola, pouco tempo antes. A mesma pandemia que tinha causado a morte do presidente Rodrigues Alves, que não chegou a assumir seu segundo mandato, levando seu vice Delfim Moreira a governar o país desde novembro de 1918. Assim, Epitácio Pessoa terminou eleito em abril de 1919, mês e ano do nascimento do meu pai, de uma forma curiosa. Ele não estava no Brasil quando do pleito. Era o chefe da delegação brasileira enviada à Conferência de Paz em Paris, que reunia os países vitoriosos na Primeira Guerra Mundial para acerto dos últimos termos de paz com os derrotados. Ganhamos acento no encontro por termos entrado no conflito, mesmo que apenas nos seus momentos finais e como um coadjuvante minúsculo.

Exatamente hoje, mais um século passado, temos semelhanças e profundas diferenças também em termos de comemorações. Outra vez uma pandemia esteve em nosso horizonte – ainda não totalmente dominada. Teremos eleições presidenciais no mesmo ano dos festejos. Alguns militares continuam achando que podem se imiscuir na política nacional. E até uma guerra acontece na Europa, essa ainda seguindo e com participação brasileira apenas nos contingentes mercenários que formam o Batalhão Azov, força militar fascista que luta ao lado do exército regular da Ucrânia. Também as graves desigualdades sociais seguem presentes, acentuadas de 2016 para cá com o sistemático desmonte de mecanismos de proteção da sociedade.

Talvez a maior e pior diferença esteja no fato que o atual presidente, ao contrário de Epitácio Pessoa, sempre fez questão de monopolizar a festa. Enquanto o primeiro buscava a ampla participação popular, inclusive para ampliar sua popularidade, Bolsonaro se fechou em torno do grupo que ainda o deseja no poder. Nada de pluralidade, nada de permitir que toda a população brasileira se sinta integrante do evento. Ele é o dono da bola e meninos que não aceitam jogar obedecendo suas regras do jogo, estão fora da quadra. Um cercadinho, agora não apenas em torno do Palácio do Planalto. São benvindos apenas militares, milicianos, parcela do agronegócio, evangélicos pentecostais e os alienados pelas mídias sociais e suas fake news, desde que usem as cores verde e amarelo e, de preferência, portem cartazes de exaltação ao mito e contra a democracia. O ponto alto é o convite para que fiquem no palanque oficial todos os empresários recém denunciados pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, por apologia ao crime, desrespeito à Constituição e incentivo à realização de um golpe.

As comemorações do Bicentenário da Independência não estão sendo de modo algum um momento de congraçamento. Não existe participação popular legítima. Não temos, como vi ao longo de toda a minha infância e minha adolescência, escolas se organizando em todos os rincões para desfiles. A gente usava o melhor uniforme, impecavelmente lavado. Ou até mesmo se fazia roupa especial para uso na data. Onde estão as participações realmente voluntárias de escoteiros, das organizações da sociedade civil, das equipes dos serviços de saúde, associações de bairros, grupos religiosos? Todos esses estavam nas ruas, antigamente. Agora, onde aconteceram desfiles, a maioria era composta por militares. Hoje, assistir das calçadas quaisquer das manifestações desidratadas é quase um problema. Você usa as cores da Pátria e tem a impressão que está com o número de um partido político na testa.

O que tenho de roupa verde ou amarela, está no armário bem guardada. Espero poder tirar de lá, depois das eleições e para a Copa do Mundo. Porque ainda haveremos de recuperar o orgulho de sermos brasileiros sem que isso implique em sermos confundidos com fascistas, misóginos, negacionistas, racistas, homofóbicos, armamentistas e fanáticos de toda espécie. Uma camiseta da Seleção Brasileira vai deixar de ser gol contra. E, se a maioria da população abrir os olhos e o coração, decidindo nas urnas pela paz, pela valorização da saúde, da educação, da vida, da ciência, do respeito às diferenças, pelo combate às desigualdades sociais e por um futuro melhor, haveremos de fazer no próximo ano uma festa realmente grandiosa para se comemorar a data maior do Brasil e de TODOS os brasileiros.

07.09.2022

O coração de Dom Pedro e a fome de brasileiros

Temos hoje bônus múltiplos. Começo com a música Ordem e Progresso, do MC Al-Neg, poeta, produtor cultural, idealizador do Coletivo Poetas Favelados. E barbeiro nas horas vagas, como ele gosta de se apresentar.

A seguir temos um esquete do grupo Porta do Fundos. Golpe em Brasília mostra um grupo de militares discutindo essa possibilidade, com muito bom humor.

Também coloquei o acesso a texto publicado nesse blog em 06.09.2020, no qual protestava contra a apropriação do uso da Bandeira do Brasil. Sugiro que seja lido ou relido. Basta clicar no título Devolvam Minha Bandeira, que está no retângulo abaixo.