O IMPOSTO DOS SEIOS
Não se precisa pesquisar muito, quando o objetivo é encontrar na história da sociedade humana situações e comportamentos absurdos. Ou pelo menos que o nosso olhar estranhe, que nos deixe chocados, que cause algum impacto se comparado com a forma como se vive – ou como se deveria viver. Visto do Ocidente, parece inaceitável que mulheres ainda usem, no mundo árabe, as tradicionais burcas. Mas, esse exemplo tem muito pouco impacto quando se fica sabendo que na Índia existia uma cobrança de imposto das mulheres que desejassem cobrir seus seios.
Essa situação acontecia com as moradoras da região de Kerala, um Estado indiano que fica na Costa do Malabar e tem quase 600 km de litoral ao longo do Mar Arábico. Ela é conhecida pelas praias com palmeiras e águas que estão represadas, enquanto que sua fauna selvagem convive com grandes plantações de chás, especiarias e café. E, entre as moradoras desse paraíso, eram atingidas pela cobrança apenas as integrantes de castas mais baixas da Índia, as Shudras e as Dalit. Entre elas, as muitas que não tinham condições financeiras para recolher o Mulakaram – nome local e oficial ao apelidado Imposto do Peito – se viam obrigadas a andar com seus seios descobertos, em suprema humilhação. Segundo o argumento que defendia ser correto esse fato, a nudez seria uma forma de demonstrar respeito às pessoas pertencentes às castas mais importantes.
Outros “detalhes” mostram o abuso de tal circunstância. Mesmo as que, com algum sacrifício, conseguiam pagar a quantia, ficavam sujeitas ao trabalho de “fiscais”. Esses tinham permissão legal para exigir que elas os desnudassem para que fosse verificado o tamanho e o peso dos seios, com o suposto objetivo de saber se o valor pago no imposto estava ou não adequado. E as aferições eram feitas à mão mesmo. Em função disso existe uma história contada, que para alguns se trata de algo verdadeiro e para outros de lenda urbana, sobre uma mulher de nome Nangeli. Ela teria vivido no início do Século XIX, em Cherthala, no Reino de Travancore – antigo nome de Kerala –, ao lado de seu marido Chirukandan. Ambos da casta Dalit e com pouquíssimas posses, como se pode imaginar.
Ao ser denunciada por uma vizinha linguaruda e provavelmente muito invejosa, por ter coberto os seios sem pagar, ela recebeu a visita de um arrecadador de impostos. Como ela seguiu se negando a pagar o que este determinava, sabedora de que seria por isso submetida a castigos pela infração, pegou um ceifador de trigo e decepou seus seios, fazendo a entrega de ambos ao homem e seus acompanhantes. “Se não tenho seios, não há porque pagar o Mulakaram”, teria dito ela antes de, pela perda de sangue, desmaiar e vir a falecer. Seu marido encontrou o corpo na volta para casa. Mais tarde, desesperado com a perda, teria tirado a própria vida jogando-se sobre a pira funerária da esposa, em chamas.
O sacrifício de ambos se alastrou e transformou em revolta, que foi reprimida com brutalidade. Mas, a história seguiu sendo contada e gerando protestos por mais de 30 anos. As consequências foram da redução dos valores até a extinção da cobrança, em 1859. Pouco tempo atrás matéria na BBC Ásia voltou a destacar este tema, tendo localizado pessoa que em tese seria um bisneto da prima e melhor amiga de Nangeli, que não tivera filhos. Este homem idoso, de nome Maniyan Velu, não apenas assegurou veracidade dos fatos, como também lamentou que isso esteja sendo apagado da memória coletiva, com o tempo. Segue a dúvida sobre a personagem, mas a existência do tal imposto é rigorosamente real. Um registro histórico, tão verdadeiro quanto vergonhoso.
03.06.2023

Uma excelente sugestão a leitora Laura Bannach Jardim
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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteEscolher um bônus musical para hoje acabou se tornando uma tarefa bem complicada. Uma canção que tratasse de violência, de desrespeito, seria acentuar ainda mais essa história, que é inacreditável. A opção recaiu sobre uma letra suave, que fala sobre amor, não sobre algo tão sinistro. Um contraponto, de certa forma. Ofereço Can’t Help Falling in Love, de Elvis Presley. A gravação foi feita em Malmö, com o casal sueco Sophie e Chris.