AGREDIDA FOI A VERDADE
Primeiro é necessário que eu reafirme que jamais seria favorável ao fato de uma pessoa ser agredida. Não importam motivação e circunstâncias, toda e qualquer situação, num mundo civilizado, deveria ser resolvida com diálogo e, sendo necessário, com mediação. Muito menos, posso assegurar, concordaria quando uma mulher a vítima. Sendo ainda uma colega jornalista e no exercício da profissão, isso ganha outros contornos também graves. Entretanto, todos sabemos que, hoje em dia, a verdade tem sido a primeira a ser abatida em muitos e muitos relatos. O que requer se tenha cuidados redobrados, até para divulgar o que a princípio parece algo “óbvio ululante”, para usar o termo que foi popularizado pelo escritor Nelson Rodrigues, para descrever o que parece tão evidente que dispensa explicações.
Dias atrás, quando atendendo convite de Lula dez chefes de Estado da América do Sul estiveram em Brasília para uma reunião, Delis Ortiz, uma jornalista veterana que trabalha para a Globo, teria sido agredida por um segurança da comitiva de Nicolás Maduro, com um soco no peito. O fato, segundo relato dela, ocorrera quando tentou se aproximar do presidente da Venezuela, para fazer uma pergunta. Evidente que, com a mais absoluta razão, não apenas a empresa onde ela atua como todas as demais, ligadas à comunicação, registraram seus protestos. Também o Ministério das Relações Exteriores lamentou e prometeu averiguações imediatas para apurar responsabilidades, enquanto a Secretaria de Imprensa da Presidência da República se solidarizou com a profissional. Passado o calor do momento, temos que rever alguns detalhes.
O primeiro que se estranha é que o ato não foi registrado em imagem. Mas vejam que não estou dizendo não ter ocorrido. Na verdade, isso de fato aconteceu e diante de testemunhas. Mas, como muitas câmeras de foto e vídeo profissionais estavam no local e também o número de celulares era considerável, a razoabilidade em se supor que ao menos um registro do momento exato tivesse sido feito. Deste modo seria muito mais fácil identificar o agressor, bem como aferir a intensidade e a gravidade da agressão perpetrada.
O segundo é que instantes após o incidente uma série de veículos distintos e ligados à extrema-direita já tinham matérias publicadas com informações que traziam pormenores, antes mesmo de qualquer depoimento ser tomado ou apuração mínima ter sido feita. A Gazeta do Povo, de Curitiba, colocou a sua no ar com o título “Agredir jornalista é o menor dos crimes de Maduro”. O Diário do Poder foi ainda mais contundente: “Capanga de ditador agride repórter com um soco”. A Revista Oeste e uma série de sites alinhados repetiram o mesmo tipo de conclusão. Demonizar a Venezuela e seu presidente eleito era a regra. Interessante é que também publicações de esquerda correram a fazer coro em favor da suposta vítima, dizendo ter sido aquela uma agressão à imprensa e à democracia, sem ter oferecido ao seu público a confiança que uma checagem permite. E que se trata do mínimo que se pode esperar de um trabalho profissional sério.
Passadas as primeiras horas, começaram a ser levantadas algumas dúvidas, com coincidências sendo notadas. Até dentro da Globo se passou a encontrar sorrisos constrangidos pelos corredores. E o cheiro de farsa ou no mínimo má fé chegou ao máximo quando foi determinado com a investigação que o agressor era um militar do Exército Brasileiro, que trabalhava para o Gabinete de Segurança Institucional, que segue com influência bolsonarista. Isso apesar de todo o esforço que tem sido feito no sentido de ele ser depurado. O melhor mesmo teria sido a sua simples extinção, mas Lula resistiu à ideia. Ou seja, não era venezuelano e, se fosse um capanga, não seria de Maduro. O homem, cujo nome não foi revelado em um primeiro momento, foi desligado das suas funções.
Sobre a jornalista, ela faz parte da Igreja Presbiteriana do Planalto, sendo conhecida como uma radical, uma evangélica fundamentalista. Fez campanha aberta por Jair Bolsonaro, com participação ativa em alguns eventos. Inclusive em um deles presenteou o ex-presidente com uma Bíblia. E uma filha dela ganhou emprego do Governo Federal, dado por intervenção direta do “mito” não reeleito. Felizmente, no caso de Delis não houve uma facada e sim um soco/encontrão. Até porque ela, ao que se saiba, não tinha previamente agendada uma cirurgia oncológica que justificasse internação e cicatriz. De qualquer forma, parece estarmos diante de mais um fato no qual realidade e narrativa são tudo, menos irmãs gêmeas. O quanto há de cada uma delas na receita do bolo é dúvida que ainda persiste.
05.06.2023

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