GANÂNCIA

Talvez a origem de todos ou ao menos da maioria dos males que nos acometem esteja na ganância. Ela é sempre vista como algo ligado ao dinheiro, mas vai muito além disso. Entendo que seja manifestação que se refira à posse em geral, ao desejo incontrolável de poder. Quem é ganancioso sempre quer mais, é ávido, dominado pela cobiça e pela cupidez. Quer não apenas possuir mais do que os outros: se possível deseja ter tudo para si, não dividir nada.

A pessoa gananciosa em geral não tem escrúpulos que a impeçam de atingir o que considera ser sempre uma conquista merecida. O que em geral pretende alcançar sem esforço pessoal. O ideal é que tudo lhe chegue “de mão beijada”. Aliás, essa expressão surgiu ainda no Século XV, quando se tornou normal aos súditos o agradecimento de benesses oferecidas a eles pelos reis, beijando-lhes a mão. Ou seja, o beijo era o “pagamento” por algo que imaginavam estar chegando de graça – o que, no fundo, não passava de um mero engano –, sem quaisquer encargos ou retribuição cobrada.

Uma contradição está no fato de que existem gananciosos que, devido à sua compulsão, terminam se vendendo por pouco. Se submetem com a intenção de levar vantagem logo adiante, mesmo que esse momento posterior jamais venha a ser confirmado. Também há aqueles que se fazem de santos; assim como os que se imaginam sábios capazes de sempre enganar aos demais, a quem reconhecem como tolos. Esses últimos não raras vezes estão vivendo papéis invertidos sem se darem conta. E podem terminar sendo os bobos de quem consideravam ter poucas luzes.

A ganância é um atraso para a obtenção do que é necessário e justo. Ela pode funcionar por um tempo, mas termina sendo um obstáculo quando as demais pessoas se dão conta do comportamento do ganancioso. Ele perde apoio, perde respeito, destrói relações interpessoais que poderiam vir a ser importantes para si. Ele atropela as coisas, imaginando que os outros são cegos e não estão vendo o seu modo de ser. Na verdade, ele é que está de fato cego e não percebe que ou já foi ou está prestes a ser desmascarado.

Claro que toda essa descrição que fiz até agora se refere ao ganancioso pessoa, o ser humano – às vezes muito desumano – que tem consigo essa característica bastante negativa. Mas existem a ganância coletiva, a corporativa, a institucional. A do grupo que conheceu as vantagens de ter poder político e não quer mais abandonar a posição conquistada, tenha isso vindo ou não de modo democrático. Tem, por exemplo, o empresário que não vê necessidade em devolver parte do seu lucro, com os impostos devidos. Para quem a possível razão social da existência de seu negócio é ficção. Para quem o trabalhador não passa de um número, de uma peça que pode e será substituída se apresentar um “defeito” qualquer, causando quebra na produção.

Tem o político, que além de legislar em causa própria, podendo definir o valor dos seus próprios vencimentos, ainda acha normal ficar com parte do que ganham assessores que ele nomeia. Essa prática é conhecida como “rachadinha”, sendo corriqueira apesar de, felizmente, não ser generalizada. Como pretender que alguém que entenda como normal fazer isso vá depois não ampliar esse nível de corrupção, aceitando como também naturais o suborno, a venda de apoio, o desvio de verbas públicas?

A ganância é irmã gêmea do egoísmo. E ambas são parceiras íntimas da desonestidade. Agora, não se pode de modo algum confundi-la com ambição. Ou pelo menos com um dos seus tipos, até porque a ambição é ambígua, podendo ser algo positivo ou negativo. Já a ganância não: ela não presta, por essência. Você pode ambicionar acesso a um curso superior, uma posição social, a evolução pessoal, a melhoria de uma marca esportiva, uma promoção no trabalho. Desde que lute por isso sem passar para o outro lado da linha ética, dedicando tempo e esforço pessoais, é mais do que louvável ter a ambição. A ambição desmedida, essa se torna um perigo, porque desconhece limites. E se apoia em quaisquer métodos.

Pare um pouco para pensar e você, provavelmente sem muita dificuldade, vai reconhecer pessoas cuja ambição alcançou o nível da ganância. E tenha cuidado para não se contaminar com essa influência tóxica.

12.03.2023

O ganancioso não tem limites

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O bônus de hoje é duplo: primeiro o link de vídeo de um curta com história que ilustra o tema de hoje (The Black Hole); depois outro com a música Poder da Ganância, de Neguinho da Beija-Flor.

https://youtu.be/P5_Msrdg3Hk

FUCK ALL THOSE PERFECT PEOPLE

Eu já escrevi neste blog sobre a tendência que muita gente tem de se apresentar ou, no mínimo, imaginar que é um poço de perfeição. O texto foi postado em 30 de novembro de 2020 e vou deixar no final um link de acesso, para quem quiser conhecer ou relembrar. O mote naquela vez foi a pandemia, que nos levou a alterar muito do nosso comportamento de até então. Me referia a pessoas que juravam ter evoluído com tudo o que estavam passando, mas de uma forma abrupta, desconhecendo que as transformações profundas e verdadeiras requerem persistência, mesmo que um tratamento de choque sirva de fato para abrir os olhos. Mas passar a enxergar não significa de modo algum enfrentar e muito menos resolver as questões. No máximo isso é um primeiro passo de uma longa caminhada. Fosse simples assim, para que reencarnações? Considere essa pergunta apenas se você acredita nisso, lógico.

Cá entre nós, eu gosto mais daquela frase do poeta espanhol Antônio Machado: “Caminhante, não há caminho: o caminho se faz ao caminhar”. E me fará muito bem se eu lembrar dela agora na virada do ano, quando a tendência normalmente é nos preocuparmos com mirabolantes resoluções de ano novo. Promessas que são esquecidas muito rápido. Quem duvida, por favor tente lembrar agora das que fez nos últimos três, por exemplo. Não estou pedindo muito, já que três anos é uma amostragem bem pequena na vida da maioria de nós. E se houver o prodígio de lembrar – vai ver que escreveu, o que torna mais fácil –, seja honesto ou honesta consigo e verifique quantas delas foram cumpridas, total ou parcialmente.

A promessa mais realista deveria ser a de continuar caminhando. Seguir em frente com a disposição mais apropriada possível. Mas sem esquecer de olhar para trás e para os lados. Para lembrar de si mesmo em outros tempos e para não esquecer de estar atento a quem faz ou fez companhia nessa jornada. Pessoas que estão conosco ou que deixamos distantes, pelas contingências da vida. Talvez resgatar uma amizade, agradecer por algo que recebemos, tentar uma reaproximação, lembrar de quem tem menos, reduzir reclamações. Isso não nos tornará perfeitos, mas nos humanizará mais um pouco. O que, convenhamos, já seria um progresso extraordinário. Melhor do que jurar que vai emagrecer, que vai deixar o cigarro, voltar a estudar, frequentar a academia, por afinal as contas em dia e deixar de gastar tanto. Que será um pai ou mãe mais presente; se tornará melhor marido, esposa, pai ou mãe; que vai durar mais no emprego, se arranjar um. O comportamento que se tem sempre reflete muito do que se é. E somos moldados bem lentamente, cinzel sofrendo em pedra dura até que as feições pretendidas para a estátua de fato surjam, nos revelando.

Mas vamos deixar a dureza do mineral e passemos para a leveza do som. Quero fechar 2021 apresentando como bônus musical – teremos outro ainda – a faixa título de um álbum de Chip Taylor & The New Ukrainians, Fuck All Those Perfect People (Fodam-se Todas Estas Pessoas Perfeitas). Chip é norte-americano e a banda, apesar do seu nome Os Novos Ucranianos, na verdade é da Noruega. Outras curiosidades: Chip é irmão de Jon Voight e tio de Angelina Jolie.

Beber ou não beber /Pensar ou não pensar /Cantar ou não cantar /Orar ou não orar /Jesus morreu por alguma coisa – ou absolutamente nada. /Fodam-se todas aquelas pessoas perfeitas!” Esses são alguns dos versos, traduzidos. Não estão presentes nessa ordem na canção, mas são bons exemplos do que ele pretendia dizer. E sim, eu sei que o Natal se refere ao nascimento de Cristo e não à morte. Mas o som, garanto a vocês, está muito apropriado. Na abertura do clip está a talentosa atriz italiana Paola Fiorido, demitida de um programa de TV porque expressou “pensamentos negativos” a respeito de algumas pessoas que estão no poder, em nosso mundo. 

30.12.2021

Todo o cuidado é pouco
Chip Taylor & The New Ukrainians, Fuck All Those Perfect People (Fodam-se Todas Estas Pessoas Perfeitas)

Abaixo, o fechamento ideal do ano de 2021. O talentoso compositor Edu Krieger nos oferece uma retrospectiva bem humorada, em forma de paródia, relembrando fatos de um período que felizmente está terminando.