E O CARREFOUR NÃO APRENDE

No feriadão de Páscoa a rede Carrefour, que já havia ficado famosa no Brasil por ações como a que resultou na morte de um homem negro em dependências de supermercado seu, em Porto Alegre, se envolveu em mais duas em função do racismo que parece estimular com orientações passadas aos seus funcionários. A primeira delas foi no Atacadão, que está localizado no bairro Portão, em Curitiba. A professora, pesquisadora e atriz negra Isabel Oliveira passou a ser seguida ostensivamente por um dos seguranças, dentro do estabelecimento. Ele simplesmente impedia que ela fizesse a escolha de produtos, sempre colado e deixando muito clara a suspeita de que a mesma pretendia furtar alguma mercadoria.

A situação constrangedora durou mais de meia hora, tendo inclusive a vítima gravado vídeo que postou em seu Instagram, aos prantos, para relatar o que estava ocorrendo. Ela pergunta ao seu perseguidor se estaria oferecendo algum risco à empresa. Por fim, toma uma atitude extrema para provar que não escondia nada entre suas roupas: ela as tirou, ficando apenas de sutiã e calcinha.

No mesmo feriado, outra situação na rede de supermercados que tem sede na França e operações também em nosso país. Essa foi com o cantor e apresentador Vinícius de Paula – olhem que coincidência, ele também é negro –, casado com a bicampeã olímpica com a Seleção Brasileira de Vôlei Feminino, Fabi Claudino. Ele estava em uma das unidades na cidade de São Paulo e se dirigiu para um caixa preferencial, onde não havia ninguém formando fila. Ao contrário do que é determinado, quando não existir preferenciais qualquer pessoa poder usar, não aceitaram a sua presença, com expressão clara de desdém e sem que supervisores que atuam próximo impedissem a irregularidade. Isso foi em Alphaville, um bairro de classe alta na capital paulista.

No ano de 2020, no bairro Passo D’Areia, em Porto Alegre, o negro João Silveira Freitas, conhecido nas proximidades como Beto, foi espancado até a morte por seguranças, enquanto uma supervisora gravava vídeo e não impediu a ação dos seus subordinados. Há texto aqui mesmo neste blog relatando os fatos lamentáveis, quando estes aconteceram. Tal crime teve repercussão nacional e mesmo fora do Brasil, resultando em acordo firmado não só para a indenização da família como também o patrocínio de ações contra o racismo estrutural que existe em nosso país. O que, ao menos internamente, ainda não resultou em nada positivo, pelo que se vê. Quanto à empresa de segurança, que era terceirizada, essa firmou compromisso, tendo que destinar R$ 1,79 milhão para bolsas de estudo e alimentação de pessoas negras. E em novembro do ano passado o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que todos os seis responsáveis pela morte irão a júri popular.

Em 2009, na cidade de Osasco, um homem de 39 anos que estava no estacionamento do Carrefour, com seu filho, foi espancado por um grupo de seguranças que suspeitaram que ele estaria roubando seu próprio carro. Ele, um negro, apenas aguardava a esposa, que fazia compras. No mesmo local, em dezembro de 2018, um segurança matou uma cadela a pauladas, porque não gostava que ela circulasse dentro do estacionamento. Ou seja, negros e animais são tratados de forma equivalente.

Em agosto de 2020, no hipermercado que a rede francesa mantém na Zona Oeste do Rio de Janeiro, uma auxiliar de cozinha, negra, depois de suportar por longo tempo as sistemáticas injúrias de um colega branco, denuncia o fato para seus superiores. Ela é demitida, ele nem sequer sofre advertência. Muitos outros fatos degradantes estão associados à empresa. Em um deles, quando faleceu um promotor de vendas em plena atividade, seu corpo foi deixado no corredor mesmo, coberto por um lençol, sendo a loja mantida aberta e em funcionamento. O que é um simples corpo inerte, sem vida, diante da necessidade maior das metas de venda serem alcançadas e a margem de lucro mantida?

12.04.2023

A professora, pesquisadora e atriz negra Isabel Oliveira tira a roupa em protesto, no Carrefour do bairro Portão, em Curitiba

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O bônus musical de hoje é Canto das Três Raças, de Mauro Duarte (música) e Paulo César Pinheiro (letra). A canção foi composta com a intenção de ser adotada como samba-enredo da Portela, o que não aconteceu. Mas foi depois imortalizada na voz de Clara Nunes, que a gravou em 1976. Neste clipe temos a interpretação de Ligia Auter, que é cantora, compositora, baixista, tecladista e escritora.

O BEIJOQUEIRO

O homem foi dessas subcelebridades que surgem do nada e ganham espaço na televisão e outros meios de comunicação. Mas desapareceu por completo há pouco mais de uma década. Não consegui descobrir sequer se ainda está vivo. Mesmo assim, ainda deve ser grande o número de pessoas que dele venha a se lembrar, lendo aqui sobre um pouco da sua história. José Alves de Moura nasceu na cidade de Gondomar, freguesia de Baguim do Monte, em Portugal. Isso foi ainda em 1940, tendo vindo para o Brasil 17 anos depois, onde radicou-se no Rio de Janeiro. A razão dessa mudança é a primeira das inúmeras controvérsias que marcam sua vida. Teria sido para fugir do serviço militar em seu país, segundo alguns. Mas há quem diga que foi apenas para “tentar a sorte”, como tantos fazem ao se darem conta de que as oportunidades andam escassas em seu local de origem.

Aqui no Brasil, foi de tudo um pouco, de motorista de táxi a pequeno comerciante, passando inclusive pela função de empresário de jogadores de futebol. Então, uma segunda dúvida: teria sido várias vezes internado em instituições psiquiátricas ao longo da vida, desde que fora agredido durante um assalto, no qual o golpearam várias vezes na cabeça. Mas essa informação é outra que carece de comprovação e demandaria um trabalho de pesquisa mais profundo. O que nos interessa nesse momento é destacar como esse cidadão comum foi parar nas manchetes e ganhou a alcunha de “Beijoqueiro”. Tudo teria começado com o desafio lançado por amigos seus, que propuseram que ele subisse ao palco e desse um beijo em Frank Sinatra, que se apresentaria no Maracanã.

Isso foi na noite de 26 de janeiro de 1980 e, sabe-se lá como, ele de fato conseguiu burlar toda a segurança e cumprir a meta quase impossível. O cantor norte-americano recebeu, constrangido, um beijo na bochecha. Isso está registrado em fotos que foram reproduzidas pela imprensa mundial. A consequência é que isso desencadeou em José o desejo incontido de continuar com essa jornada. E ele passou a frequentar todo e qualquer evento onde pudesse se aproximar de pessoas famosas e repetir o ato original. Um documentário assinado pelo cineasta Carlos Nader, iniciado em 1992, o chama de Serial Kisser, num trocadilho intencional com a expressão Serial Killer (assassino em série). Entretanto, além da fama, essa situação toda lhe trouxe inúmeros percalços. Ele foi demitido do emprego que tinha na ocasião, como motorista de táxi. E a empresa disse que os clientes passaram a temer a possibilidade de também serem beijados. Também passou a ser chamado preconceituosamente de homossexual e sua esposa o abandonou.

Na sua trajetória beijou, entre outros tantos, os cantores Erasmo Carlos, Chico Buarque, Tony Bennett, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Outro cantor, Paulo Sérgio, que escapou disso em vida, teve a sua testa beijada duas vezes pouco antes de ser sepultado no cemitério do Caju, em 1980. Quando a banda britânica The Cure esteve no Brasil, seu baixista Simon Gallup também não escapou. Mas não eram apenas artistas as “vítimas” prediletas do Beijoqueiro. Leonel Brizola, por exemplo, recebeu o beijo. Assim como duas ex-primeiras-damas do país, Dulce Figueiredo e Sara Kubitschek. A lista vai longe, incluindo Itamar Franco; Marta Rocha e Natália Guimarães, que foram ambas Miss Brasil; vários jogadores de futebol, como Garrincha, Falcão, Roberto Dinamite e Biro-Biro; a atriz Shirley MacLaine; e o ex-presidente de Portugal, Mário Soares.

Inúmeras vezes ele foi agredido. Quando beijou Zico, policiais militares que estavam por perto o espancaram: teve costelas e dentes quebrados e ainda acabou preso. Na ocasião foi submetido a uma bateria de exames que buscavam determinar se era ou não insano. Sem comprovação de nada, foi liberado pelo juiz Maryno da Costa, que declarou na ordem de soltura que “beijar não é crime. Quem dera se todos os delinquentes do Brasil trocassem suas armas por beijos”. Quando da visita do Papa João Paulo II ao Brasil, foi preso outra vez, preventivamente, enquanto Sua Santidade esteve no Rio de Janeiro. Solto, foi para São Paulo, segunda das sete paradas previstas do Papa no Brasil. Foi outra vez preso. Fez o mesmo depois em Curitiba, onde amargou a terceira detenção. De volta ao Rio, fez um apelo em praça pública por recursos para tentar alcançar o Papa em sua última parada, que seria em Manaus. Em duas horas recolheu apoio e recursos para as passagens aéreas. Na capital amazonense pode enfim se aproximar do Sumo Pontífice, diante do qual se curvou a deu uma série de beijos nos pés.

A verdade é que esse personagem nunca fez mal a ninguém. Ao contrário, gerava enorme empatia, tendo conseguido coisas muito inusitadas, como aparecer em gibi publicado pela Disney, em história na qual tentava beijar o personagem Zé Carioca. E também está citado na canção Pega na Mentira, que Erasmo Carlos gravou em 1981. Na sua “carreira”, ainda conseguiu beijar Dercy Gonçalves na festa dos seus cem anos, na boca. Outra vez nas bochechas, teve registros com Marta, do futebol; Janeth, do basquete, assim como Oscar Schmidt; e uma tentativa de fazer o mesmo com Romário, em noite na qual era esperado que fizesse seu milésimo gol. Nesta última foi outra vez agredido, agora por seguranças do Vasco, precisando ser atendido por médicos do Maracanã. A última aparição desta figura foi em 2009, quando anunciou que tentaria beijar o ex-presidente dos EUA, Barack Obama. Mas não conseguiu isso, do mesmo modo que não se consegue mais saber dele.

Se ainda estiver vivo, está idoso. E talvez tenha afinal aprendido, em especial pelo que se viveu nos últimos anos, que nesta “terra Brasilis” beijos são menos valorizados do que armas. Com certeza, hoje em dia, é muito mais fácil levar um tiro nas ruas do que receber manifestações de afeto e de carinho. O que é certamente mais insano do que ele talvez tenha sido e do que ele fazia.

06.03.2023

A primeira das ações do Beijoqueiro: Frank Sinatra, durante show no Brasil

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Quanto ao bônus de hoje, trata-se da música Beijoqueiro, com Kleiton e Kledir.

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