A ECONOMIA CIRCULAR

Talvez a mais importante decisão tomada por nossos mais antigos ancestrais, para assegurar a sua sobrevivência – o que acabou também confirmando a nossa existência –, tenha sido viver em grupo. Essa iniciativa, obviamente no início uma ação instintiva, aumentava em muito as suas chances, num mundo hostil. Viver modernamente em sociedade é ou deveria ser uma espécie de evolução daquela necessidade primária. Somos milhões de núcleos familiares que, internamente, asseguram a manutenção da sua prole. E que, externamente somados, em tese deveriam assegurar melhor qualidade de vida para todos. Permitir um bem-estar coletivo apoiado nas benesses que a evolução, o acúmulo do conhecimento e a adoção de tecnologias nos teriam trazido. Mas esse raciocínio linear e de aparência tão lógica não consegue evitar certos tropeços. Uma coisa chamada economia, que é uma temente ao “Deus mercado”, dita rumos que nos levam a caminhos distintos, distantes da calmaria que seria o resultado esperado desse estarmos bem, satisfeitos e em paz.

Pior de tudo é que essa vida desigual e incompleta ainda está fazendo com que se acumule um passível impagável. O desfrutar de hoje, mesmo mínimo para a grande maioria da população, irá roubar das gerações futuras quaisquer possibilidades de terem sequer esse mesmo nível. Isso porque tudo o que tem sido construído, pelo menos desde a revolução industrial, precisa e depende de um consumo desenfreado, crescente, destruidor da natureza. E essa vai nos cobrar o preço justo, sem perdão. Porque o desperdício extremo, a poluição do ar e das águas, a extinção de espécies, o exaurimento de recursos naturais, a obsolescência programada e a contaminação química crescente são desafios que não estamos querendo enfrentar agora e que se tornarão um legado fatídico.

Quem acredita que vivemos o ponto mais alto desse problema, não faz ideia do nível dos desafios que nossos filhos e netos terão que enfrentar. Estamos caminhando rapidamente para a destruição total das florestas, com ênfase para a Amazônica – fato que leva a uma satisfação quase que orgástica do Salles –; o aquecimento global se agrava, com elevação do nível dos mares; a contaminação do solo e das águas irá impactar em breve no volume e na qualidade da produção de alimentos; a fragilidade da economia e dos governos de países irá aumentar a desigualdade social; tudo apontando para um colapso. A tendência é que se formem massivos grupos de refugiados não apenas políticos, como a maioria que vemos hoje, mas também climáticos. Mas, depois dessa avalanche de apontamentos que podem ser chamados de pessimistas, mesmo sendo apenas realistas, com que saídas ainda podemos sonhar?

Primeiro, combater o agravamento de tudo, porque a falta de reação é fruto da ignorância. Isso requer informação qualificada; respeito ao que diz a ciência; investimento em saúde e educação; reestruturação social; e valorização das comunidades. Conter os danos e depois buscar formas de reparação, mesmo elas em muitos casos parecerem improváveis. No que se refere aos hábitos diários, a adoção do que chamam de economia circular pode ser fundamental. Esse termo passou a ser aplicado para se referir ao reaproveitamento de resíduos para a criação de outros tipos de objetos. Essa ação continuada, calcada no que a tecnologia acrescenta com o seu aperfeiçoamento, desacelera a degradação ambiental – que, aliás, é comprovadamente razão para o surgimento de pandemias. Isso é uma reciclagem qualificada. As empresas recolhendo seu antigo celular, por exemplo, para reaproveitamento das peças, dos circuitos. Esse novo sistema, circular, com os processos conduzindo a produção de volta ao seu início, geraria inclusive empregos.

Agora, o maior obstáculo para isso acontecer segue sendo a falta de empatia, a incapacidade que temos demonstrado em nos colocarmos no lugar do outro. O desejo de satisfazer sempre mais e mais desejos que pensamos ser nossos, mas que no fundo foram impostos. A doentia necessidade da posse a qualquer custo. O sonho de sermos celebridade por alguns instantes que sejam, os 15 minutos de fama, de Andy Warhol. Ser exclusivo e único – mesmo que de modo falso. Estamos todos num imenso BBB, onde há proximidade física, mas competição constante.

Nos foi ensinado que isso é mais importante do que fazer parte de um todo, sendo peça na engrenagem maior. Mais ou menos o que pensam nossas elites, que se contentam em estar acima dos pobres, a quem impedem de ter ascensão. Temem um nivelamento por baixo, não vendo que ele se daria em patamar mais elevado. Não estão enxergando, por absoluta incapacidade intelectual, que estamos outra vez num mundo hostil, talvez muito pior do que aquele do passado longínquo, e outra vez apenas poderemos sobreviver, como espécie, se nos unirmos, se reaprendermos a viver em grupo.

08.05.2021

O bônus de hoje é com o grupo Rock de Galpão e com Humberto Gessinger, a música Herdeiro da Pampa Pobre. Foi gravado ao vivo, em Porto Alegre.

O EXCESSO DE INFORMAÇÃO

Eu faço um comentário semanal na Ativa FM. Na semana passada fiquei pensando que assunto poderia abordar, para fugir do óbvio num dia em que estava sendo instalada a Cúpula do Clima e seria julgada no STF a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro e todo o seu esforço para que fosse condenado sem provas um ex-presidente. Esses eram dois temas que na certa estariam demasiadamente explorados e, por isso mesmo, pensei em evitá-los. Qualquer canal de TV, emissora de rádio e alguns milhares de fontes na internet estariam destacando isso. Eu seria mais um pingo d’água, no meio de uma chuva torrencial. Então resolvi me debruçar sobre o lado “b” dos noticiosos. Há coisas inacreditáveis. E todas foram encontradas em sites de grande projeção e audiência.

A primeira coisa que me chamou a atenção foi uma decisão da rainha Elizabeth II. Com a morte do seu marido ela resolveu romper uma tradição secular e não mandou imprimir seus conhecidos papéis de carta com um fio preto na borda, em sinal de luto. Evitando todo esse gasto em serviços gráficos, pensei eu, estaria salva a economia mundial. Ou no mínimo a do Reino Unido. Ledo engano: o texto revelava que ela determinara que o brasão, que é vermelho, fosse posto na cor preta, por um período que não foi informado. Nem uma única libra poupada. No mesmo site, no espaço destinado para as notícias nacionais, descobri que uma das concorrentes ao título de Miss Bum Bum 2021, por se achar uma sósia quase perfeita da cantora barbadense Rihanna, iria dedicar a ela uma possível vitória. Se os seus atributos físicos específicos a levarem mesmo ao êxito, será a primeira vez na história que uma artista internacional vai ser homenageada por uma bunda. Nem quero imaginar como teria sido o meu dia se eu não tivesse tomado conhecimento destes dois fatos.

Nas variedades, uma tentativa de trazer a ciência para coisas banais do nosso dia-a-dia. O texto se dedicava a tentar explicar as razões pelas quais o segundo dedo dos pés, às vezes cresce mais do que o dedão. Dessa vez não passei do título e das três primeiras linhas. Mas, por via das dúvidas, tirei minhas alpargatas e fui conferir se os meus estariam passando por alguma mutação. Afinal, como eu já havia sido vacinado com a primeira dose da Coronavac, vai saber. Imaginem se nisso e somente nisso, o inquilino aquele que vai ficar no máximo até o final do próximo ano no Palácio da Alvorada acerta. E, como citei ele en passant, fica oportuno comentar outra informação fundamental, essa fazendo referência ao Big Brother Brasil. Uma das glamourosas concorrentes deste ano informou que estava com prisão de ventre desde que entrara na “casa mais vigiada do Brasil”. Inacreditável! Mas, se isso fosse verdade, passados dois meses, que tamanho estaria agora o sofrido abdômen dessa candidata? Como eu não vejo nunca o programa, fica difícil dar uma espiada e conferir. Mas é por essas e outras que a gente termina tendo que voltar para o enfadonho noticiário político e econômico.

Pelo menos nesses há ficção, produzida com muito maior esmero. Dá para ler, por exemplo, que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, estaria agora empenhadíssimo em reduzir o desmatamento da Floresta Amazônica, até o ano de 2030, desde que ganhasse uma graninha dos EUA para patrocinar as suas ações. Vejam bem que ele não prometeu acabar com o problema, mas apenas reduzir a velocidade com que ele se agrava. Como a perda média diária ficou em 2.110 hectares, no ano de 2019, vai que ele consiga mesmo projetar que fique perto da metade disso em oito anos. Uau! Vamos colocar naquela região uma placa em sua homenagem, com todo nosso reconhecimento. Pode ser até aquela mesma que rebatize a imensa área para Deserto Amazônico.

A verdade é que estamos submetidos a um excesso de informação. Tem os assuntos ditos “sérios”, que impactam na nossa vida diária. Aqueles de ordem prática, como variações de preços de produtos, questões de saúde, educação, segurança pública, mobilidade urbana, clima, emprego e esportes, entre outros temas. Hoje em dia ainda existem fake news, que buscam manipular a opinião pública para atender interesses particulares ou de grupos específicos, principalmente na política e na economia, o que requer muito cuidado. E nossos cérebros cansados terminam sendo submetidos ainda a um terceiro nível: o das coisas inúteis ou desimportantes, como as que citei acima, para completar essa carga permanente e abusiva. Isso impõe o uso de filtros em defesa da nossa saúde mental. Sejam eles meditação, literatura, yoga, uma horta ou simplesmente o silêncio oportunizado pela decisão de desligarmos rádio, TV, celulares e computadores. Nem que seja por algumas horas.

26.04.2021

Hoje tem bônus em dose dupla. Primeiro, uma música de Gabriel, o Pensador: Tô Feliz (Matei o Presidente) 2. Depois dela, o trecho musicado do stand up denominado Fake News, de Bruno Costoli. O acesso a ambos é via Youtube, você podendo ver a qualquer momento.