A necessidade de ser reformado o sistema tributário vigente no Brasil parece ser consenso, dentro da sociedade. Ou pelo menos é assunto com o qual a maior parte da população concorda. Entretanto, mesmo estando há anos na pauta, na ordem do dia, a reforma não avança. Aqui precisamos, antes de discutir as razões dessa morosidade, admitir que existem defeitos naquilo que está em vigor, ou não estariam tantos propondo alterações. Depois, precisamos identificar o que esteja errado e quem está sendo atingido por esse erro. Só a partir disso, assim como do estabelecimento das expectativas quanto aos resultados, se verifica que forças estão em conflito. Porque ele existe, com certeza absoluta, a partir da premissa que qualquer sistema tributário adotado, não importa por qual país e em que época, jamais será neutro. Afinal, irá apontar para o modelo de sociedade desejado. Esse sistema, portanto, tem que ser visto como o principal instrumento que direciona todo o funcionamento econômico e social da nação.

Existem grupos na sociedade que entendem ser importante a redução do Estado ao mínimo possível, em termos de tamanho, serviços prestados e eventuais interferências nas atividades econômicas. Em geral, esses mesmos grupos consideram ainda apropriado que ele abra mão de seu poder ou dever regulatório. Por outro lado, há aqueles que defendem a existência de um Estado de bem estar social, com menos desigualdade e com um tipo de desenvolvimento econômico que agregue valor ao que é produzido, assegurando uma melhor distribuição da riqueza gerada. Essa é uma maneira simplista de se colocar as coisas, reduzindo-se tudo a dois polos opostos. Mas, serve para que se exemplifique a explanação, mostrando que não haverá entre essas duas visões consenso quanto ao como a tributação deva ser feita.

Acontece que o artigo terceiro da nossa Constituição, promulgada em 1988, é bastante claro ao afirmar que se tenha como objetivo construir uma sociedade que seja justa, livre e solidária, reduzir desigualdades, erradicar a pobreza e a marginalização, promover o desenvolvimento e o bem de todos os brasileiros. E o artigo sexto diz que são direitos sociais saúde, educação, moradia, trabalho, assistência, previdência e proteção da infância e na velhice. Portanto, o texto da Carta Magna já coloca que a opção foi feita e não é pelo Estado mínimo. Assim sendo, resta buscar as fontes dos recursos todos que possam assegurar a observância do texto constitucional. Ou seja, se fez necessário que o Estado tenha políticas públicas amplas, no sentido de universais – assim como o SUS e a educação pública –, bem como uma tributação progressiva.

Só que a minoria que perdeu quando da elaboração do texto, ao melhor e conhecido estilo de quem perde uma eleição e não admite a vitória do oponente, desde então trabalha pelo não cumprimento do texto legal. Faz isso controlando o Congresso Nacional, mantendo representação majoritária obtida através da força do poder econômico, e com a manipulação da opinião pública, essa através do controle dos meios de comunicação. O objetivo do primeiro grupo é barrar avanços e, se possível, propiciar inclusive retrocessos. Ao segundo grupo compete assegurar a difusão da ideia de que a questão tributária é meramente técnica, conduzindo o assunto para esse campo, justamente para dificultar o seu entendimento e reduzir a possibilidade de debate. As notícias diárias que são veiculadas e que têm relação com finanças, com gastos públicos, trazem sempre um viés que não é nem favorável aos trabalhadores, nem ao desenvolvimentismo.

Hoje existem duas propostas em discussão entre os parlamentares, mas elas são pobres e insuficientes por essência, na medida em que se concentram na simplificação, aglutinando siglas. E não irá adiantar nada transformar vários impostos em apenas um, se as alíquotas e quem por elas é atingido fiquem iguais. O que se precisa mesmo é combater com rigor os absurdos. Por exemplo: no Brasil jatinhos particulares e iates não pagam IPVA. O automóvel de quem trabalha com aplicativos, às vezes por ter sido a única alternativa de sobrevivência que encontrou, paga. Outro ponto básico a ser atacado é transformar a tributação que hoje é regressiva em progressiva. Ela tem ficado cada vez mais pesada para os mais pobres, enquanto se torna mais leve para os mais ricos, quando deveria ser exatamente o contrário. Também é inexplicável que em nosso país não incida tributação sobre lucros e dividendos – só aqui e na Estônia isso acontece –, enquanto o salário é penalizado direto na fonte

Vejam outro detalhe: no ano seguinte à promulgação da Constituição de 1988, o Imposto de Renda, que tinha sete alíquotas diferentes, com a máxima em 45% incidindo sobre os maiores salários, passou a ter apenas duas, sendo a maior de 27%. E desde então foram minguando as correções na tabela de isenções, fazendo com que cada vez mais os menores salários fossem sendo incluídos entre os pagadores. Ao mesmo tempo, sempre que se fala em ampliação da tributação sobre heranças e na necessidade imperiosa de se aplicar imposto sobre grandes fortunas, quem faz isso é taxado de comunista. E a grande maioria da população, que fica sem entender os meandros da questão tributária e que jamais soube nada sobre o que de fato é o comunismo, segue jogando um jogo no qual não tem chance alguma de vitória. O campo, a bola e o juiz estão contra ela.

19.03.2023

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O bônus musical de hoje é clipe da banda Capital Inicial, com Que País é Esse? gravado ao vivo.

2 Comentários

  1. Davvero “strano” che i questo periodo anche qui in Italia(governo di destra), nonostante l’art 53 della nostra Costituzione che esige la progressività della tassazione come fondante per l’applicazione concreta dei valori volti alla ricerca del bene comune, ora si proprugni una riforma con accorpamento di molte fasce ed aliquote a favore dei più abbienti (la famigerata flat tax).
    Grazie del termine di paragone fornito.

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