Primeiro: toda guerra deveria ser considerada um absurdo. Segundo: a humanidade estabeleceu alguns estranhos códigos de conduta militar que permitem, por exemplo, que matar seja rigorosamente aceito, desde que o tipo de morte do inimigo tenha sido antes considerado ético, pela comunidade internacional. Eliminar quem se rendeu em geral é visto como algo inaceitável, embora usual. Usar armas de fogo ou mesmo brancas, como as baionetas nos fuzis, está correto. Quanto às armas químicas, seria exagero – essa análise não vale para a conduta dos EUA no Vietnã, por exemplo. Bombardear sem pudor algum a população civil, como está acontecendo outra vez agora no Oriente Médio, pode ser visto apenas como um “efeito colateral”. Desde que essa versão seja a dos vencedores, lógico. Vencidos sempre correm o risco de serem julgados pelos crimes que tenham cometido. Quem ganha, mesmo que tenha adotado condutas muito parecidas, não tem nada imputado contra si.

Feito esse preâmbulo, vejamos o Julgamento de Nuremberg. Eles foram uma série de tribunais militares organizados pelos Aliados, entre os dias 20 de novembro de 1945 e 1º de outubro de 1946. Aconteceram na cidade da Baviera que lhes emprestou o nome. O objetivo era conduzir processo, julgar e executar – se essa fosse a decisão – 24 destacados membros da liderança política, econômica e militar da Alemanha Nazista. Ingleses e estadunidenses tinham especial interesse que tudo fosse resolvido rapidamente. Mas, havia o entendimento que deveria ser exemplar o trabalho, de tal forma que metade dos acusados acabaram sentenciados à morte, três pegaram prisão perpétua, dois 20 anos, um 15, outro dez e três acabaram absolvidos.

Se você somou os citados deve ter se dado conta de que foram 22. Isso porque um deles teve as acusações contra si anuladas, devido à extrema debilidade na qual se encontrava, e outro suicidou-se na prisão. Agora, um outro detalhe: foram por enforcamento todas as execuções levadas a termo. E a razão nos remete ao que está posto no primeiro parágrafo: a morte por fuzilamento seria considerada nobre demais, sendo de certa forma uma prerrogativa de militares. Mas, estes alemães todos foram “rebaixados” à categoria de criminosos comuns, merecendo apenas a forca. Mesmo assim, por exigência dos ingleses, lhes foi concedido que tal fosse feito por um carrasco considerado um “gentleman”.

Seu nome era Albert Pierrepoint. Ele trabalhou nessa função ao longo de 25 anos. Na sua carreira – esteve em atividade até 1956 –, estima-se que tenha tirado a vida de algo em torno de 600 pessoas. Aliás, era de família essa atividade, uma vez que seu pai Henry e seu tio Thomas também foram carrascos oficiais, antes que ele assumisse. O que se sabe a respeito de Albert é que ele nunca falhava, não tendo enfrentado nenhum incidente. Consta que era educado, gentil e tranquilizador no trato com suas vítimas. Meticuloso, mantinha um caderno onde anotava detalhes de cada uma das mortes. E seu hobby era cantar duetos.

Albert foi nomeado tenente-coronel honorário pelas execuções. Quanto a criminosos de guerra, não foram apenas essas, de “notáveis nazistas”. O total beirou 200, feitas cerca de dez a cada dia, nas cidades de Hamelin, na Alemanha, e Graz, na Áustria. Também foi ele que executou três serial-killers famosos: Gordon Cummins (O Estripador do Blackout), John Christie (O Estrangulador de Rillington Place) e John Haigh (O Assassino do Banho de Ácido), histórias que talvez eu ainda conte aqui. Antecipo agora a sugestão de um bom filme sobre a vida do carrasco: O Lavador de Almas é de 2005 e Timothy Spall tem desempenho brilhante no papel do protagonista.

O título do filme se deve ao fato do carrasco sempre lavar os corpos dos enforcados, após a morte. Perguntado por um guarda porque fazia isso, ele explica o ato de uma forma muito própria. “Eles são culpados até o momento da execução. Depois tornam-se inocentes de novo. Por isso os lavo e preparo, pois ninguém mais faria isso”. Não consegui, nas minhas pesquisas, comprovação de que na vida real isso tenha acontecido. De qualquer modo, corrobora o que se sabe dele. Que tentava sempre matar rápido e sem dor, sendo frio com sua tarefa exigia, sem ser cruel. O que, convenhamos, é quase um luxo.

05.05.2024

Albert Pierrepoint, profissão carrasco

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O bônus de hoje é uma música do Pink Floyd: When The Tigers BrokeFree (Quando os Tigres se Libertam), do ano de 1983. A letra destaca a Operação Shingle, um ataque com forças anfíbias conduzido pelos Aliados durante a Campanha da Itália, na Segunda Guerra Mundial. Foi nas cidades de Anzio e Nettuno, na costa oeste daquele país, sendo um passo na luta pela libertação de Roma, que estava em poder do III Reich. O autor da música, Roger Waters, teve seu pai servindo na companhia de fuzileiros reais britânicos, naquele tempo.

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