LIDERANÇA LÍQUIDA E LIDERANÇA SÓLIDA

O filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que faleceu em Leeds, Reino Unido, no ano de 2017, continua surpreendendo por escritos que deixou. Basta que a gente se debruce sobre alguns deles e se nota o quanto suas observações são e seguem pertinentes. Foi criação sua o uso da expressão que associava relações e situações de uma suposta pós-modernidade com algo líquido. Fez isso para melhor explicar que elas se moldam e escorregam, escapam entre nossos dedos, não têm a permanência que seria seu oposto, não têm mais solidez.

Isso veio acontecendo com incrível rapidez em todo o mundo, num passado recente, quando se verifica quem ocupou ou ocupa liderança política, por exemplo. Caíram do céu nomes nunca antes sequer considerados, que terminaram por ocupar espaços inimagináveis, sendo um total paradoxo ao defender como novo ideias que pareciam arquivadas para sempre, apodrecidas depois do fracasso passado. Mas como teriam conseguido isso? A resposta simples está no fato de terem tido a visão oportunista de se tornarem produtos, de adotarem embalagens que grotescamente escondiam conteúdos diferentes do que prometiam por fora. Disse ele que a cultura moderna tem é clientes para seduzir. E a sedução atinge seus propósitos porque cega.

O discurso real foi substituído por intenções meramente publicitárias. E isso deu certo, para quem sempre teve propósitos não democráticos. Haja vista que mesmo a mídia dificilmente fala em cidadãos, abordando as pessoas como eleitores. Seja em períodos de campanha, onde isso se acentua, mas até mesmo fora deles, reforçando com pesquisas de aferição de popularidade e aceitação das ações e dos governantes. A racionalidade foi tornada obsoleta, do mesmo modo que a verdade. Não é por nada que disparates proferidos ganham força e espaço. Que as chamadas “fake news” se propagam com velocidade tão absurda quanto o seu conteúdo.

Deste modo, não é mais um ser humano que ocupa o posto, mas uma marca. Bolsonaro, por exemplo, nunca passou de uma figura obscura, habitante do submundo da política brasileira. Mas impulsionou algo que se tornou maior e mais perigoso do que ele próprio, que é o agora chamado “bolsonarismo”. Ele já pode ser trocado, pois fora do poder tende a se tornar obsoleto. Cumpriu seu papel e isso foi mais do que suficiente. A imensa maioria de quem votou nele, especialmente no pleito de 2018, fez isso ao depositar fé e confiança em algo irreal, criado. Deste modo, em algo certamente provisório, descartável. Foram clientes de um poder persuasivo e emocional, que se repetiu em 2022 sem alcançar o sucesso desta feita. Isso porque, ao contrário da vez anterior, desta o enfrentamento se deu contra uma marca ainda mais poderosa. E muito menos líquida, mais real, baseada em outros níveis de confiança e fé.

Um dos recursos vitoriosos de Lula foi a memória. Tanto do que ele representou no passado quanto de tudo o que o produto mais recente prometera e não cumpriu, quando a embalagem foi aberta. O discurso de Bolsonaro não foi para o público, mas para o eleitorado. Lula falou para ambos. Para Bolsonaro o eleitorado era um meio; para Lula o cidadão era um fim. Por isso o resultado das eleições presidenciais brasileiras teve tanta repercussão mundial. Porque não apenas serviram como um exemplo para o combate da mentira que se alastrou por tantos lugares, mas também mostrando que valores mais sólidos ainda podem e devem ser perseguidos.

O ex-presidente fujão estabeleceu conexões provisórias, muitos contatos descartáveis. Usava camisetas de todos os clubes. Era um evangélico tão convicto quanto os votos que deles poderia angariar. Neste campo, o religioso, também trocaria de camisa se outra passasse a ser bem mais conveniente. Lia pouco ou quase nada, mas apenas o que pudesse ser reescrito, se necessário fosse. Entretanto, os verdadeiros líderes – e basta que se debruce na história para comprovar – sempre se caracterizaram por discursos constantes. Falavam para comunidades, não para fã-clubes. Não faziam uso de cercadinhos. Não se escondiam atrás do poder armado. Ao contrário, não raras vezes se insurgiram contra ele.

O dia de hoje marca o quinto ano da morte de Bauman. Seu modo tão inteligente e peculiar de ver e entender o mundo e as relações sociais segue tendo grande importância. No caso que citei, nem que seja para comparar e estabelecer as diferenças entre uma liderança líquida, que acaba de se esvair, com outra sólida, que acaba de retornar ao poder. Então, se torna oportuno também concluir com uma citação de um outro grande e incontestável líder e exemplo, que foi Gandhi: A minha vida é a minha mensagem. A frase serve perfeitamente para explicar ambos os políticos brasileiros.

15.01.2023

Há lideranças que se dissolvem, por absoluta falta de consistência

Logo aqui abaixo você encontra uma Chave PIX e um formulário para fazer doações, podendo em ambas as alternativas decidir com quanto quer ou pode participar. A colaboração é importante para a manutenção deste blog, que não é nada barata (e paga em dólares). Depois, tem o bônus musical, que hoje é duplo. Primeiro com Zeca Baleiro e sua criativa Eu Detesto Coca-Light. Depois é a vez de Caetano Veloso, com Homem Bomba.

PIX: virtualidades.blog@gmail.com

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção e confirme no botão verde abaixo.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente
Zeca Baleiro, com Eu Detesto Coca-Light
Caetano Veloso, com Homem Bomba

NICOLAU, CLAUS E NOEL

O território brasileiro está quase todo em área tropical. Mesmo aqui, bem ao sul, onde chamam o clima de “temperado subtropical”, cidades do Rio Grande do Sul chegam a atingir 40 graus centígrados com facilidade, nos meses mais quentes do ano. Entretanto, a figura de Papai Noel, que nós importamos de outras culturas, segue usando sua roupa pesada e tem um trenó puxado por renas. A roupa até seria razoável em alguns dias durante o forte inverno que ocorre na campanha ou nas serras gaúcha e catarinense. Não em dezembro, naturalmente. Mas nunca se usou trenós por aqui e não temos renas. Os cartões de Natal que nós costumávamos trocar via Correios, que hoje foram tornados virtuais, enviados pela internet, em geral tinham e têm muita neve. Bom seria se a tecnologia permitisse que essas mensagens nos refrescassem, também. Mesmo assim, convenhamos, essa incongruência climática não é um problema tão grave.

A figura de Papai Noel tem sua origem na história real de um homem chamado Nicolau de Bari, que teria nascido 280 anos depois de Cristo, na cidade de Lycia, hoje pertencente à Turquia. Sua família tinha posses e consta que a educação que lhe foi dada valorizou a compaixão e a caridade. Desde a infância tinha preocupação com os mais pobres. Mas seus pais faleceram cedo, vitimados pela peste, e ele teve que mudar-se para Mira, indo morar com um tio que era bispo. Tinha apenas 19 anos quando uma nova perda, agora do tio que o acolhera, abriu caminho para que fosse nomeado como seu substituto. E continuou levando uma vida na qual se preocupava com os carentes e os protegia.

Foi assim que, depois de sua partida, que aconteceu no ano de 345 e em data próxima ao Natal, mantiveram a entrega de presentes e doces para as crianças, como ele fazia, agindo agora em seu nome. Depois, passou a ter milagres atribuídos a si, sendo considerado um homem santo. Seus restos mortais foram levados para Bari, em 1087. Naquela altura, muitos templos já haviam sido erguidos em sua homenagem, com a tradição católica de São Nicolau crescendo em toda a Europa. E ele se tornou padroeiro de Turquia, Grécia e Rússia. O que o difere da imagem hoje conhecida do “Bom Velhinho” é que ele tinha grande estatura e uma tez delgada.

O real e o imaginário foram se fundindo e formando esse personagem lendário, que foi depois fortemente difundido pela cultura cristã ocidental. A transformação de São Nicolau em Santa Claus, Kris Kringle e Papai Noel, não necessariamente com sucessão, mas inclusive com convívio, se acentuou no Século XVII, quando imigrantes vindos da Holanda fundaram a cidade de Nova Amsterdã, nos EUA, que mais tarde teve seu nome mudado para Nova Iorque. Eles trouxeram consigo a tradição de Sinterklaas, celebrada no início de dezembro em seu país de origem, como também na Bélgica, Luxemburgo, Áustria, Suíça e Alemanha.

No ano de 1931 a empresa produtora da Coca-Cola lançou campanha de Natal que girava em torno dessa figura lendária. O pintor sueco Habdon Sundblom foi encarregado de adaptar a imagem já conhecida, utilizando as cores que os caracterizavam. Começaram a surgir velhinhos barbudos vestindo vermelho e branco. Entretanto, soube-se depois que se tratou de apenas uma releitura, pois se encontram ilustrações anteriores onde o bem-humorado personagem era semelhante. Um exemplo são as feitas por Thomas Nast. Mas, antes disso, prioritariamente San Nicolás de Mira ou San Nicolás de Bari apareciam quase sempre vestindo verde.

Na lenda atual, Papai Noel vive no Polo Norte com sua esposa, a Sra. Claus, um grupo indeterminado de duendes que passam o ano todo no trabalho de fabricar brinquedos, algumas renas e um trenó mágico que tem a capacidade de voar. Ele percorre o planeta todo, em uma velocidade incalculável, ao longo de uma única noite: entre os dias 24 e 25 de dezembro, distribuindo presentes para a criançada. Mas existem exigências para que cada criança esteja apta a receber o seu ou seus: bom comportamento e/ou uma carta que convença o bom velhinho do seu merecimento. Hoje em dia parece que os Correios ajudam muito nessa missão. E também existe a suspeita que ele tenha uma residência de verão, que ficaria nas proximidades de Gramado e Canela, duas cidades do Rio Grande do Sul.

Agora, uma coisa é certa: a origem da figura histórica e do personagem criado pela imaginação ou marketing perde importância diante do significado que ele agrega ao dia de Natal. Não se trata de negar ou reduzir a importância do nascimento de Cristo, o aniversariante da data, mas de oportunizar algo que Jesus mesmo aprovaria. Me refiro à possibilidade de congregação entre as pessoas, com a troca de presentes ou da simples e fundamental atenção recíproca. Isso todos nós precisamos, sempre. O que se deveria buscar é que tal sentimento se espalhasse por mais dias durante o ano.

24.12.2022

Nicolau de Bari, o São Nicolau

Como bônus, o blog oferece hoje dois áudios de músicas relacionadas ao Natal. São elas: Bom Natal, de Edson Borges; e Natal Todo Dia, com o Roupa Nova.

Edson Borges, Bom Natal

Roupa Nova, Natal Todo Dia

Uma vez
Mensal
Anualmente

Se você gostou desta crônica ou de outras das nossas postagens, ajude a manter este blog em atividade, com contribuições.
Elas podem ser únicas, mensais ou anuais.
Selecione sua opção e confirme no botão abaixo.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente