ESTOU VIRANDO FÃ DOS URSOS
Ontem pela manhã, no momento em que acordei, os termômetros aqui em Porto Alegre marcavam três graus centígrados. Na minha cidade natal, que é Bom Jesus, na mesma madrugada também registraram três graus. Só que negativos. A sensação térmica, em ambos os locais, esteve abaixo de zero: -1,1 e -7,0 respectivamente. Você sai da cama por um lado e fica louco de vontade de voltar pelo outro. Mas, seria melhor mesmo se a gente pudesse hibernar, como fazem os ursos.
A hibernação é um processo biológico que permite a determinados animais ficarem de tal forma inativos, por um longo tempo, que as suas taxas metabólicas caem de maneira drástica. Ficam numa espécie de dormência, um recurso muito importante quando as condições do meio ambiente são extremamente desfavoráveis para eles, em geral devido ao frio e ao fato da alimentação ficar escassa. Mas é importante salientar que existem diferentes níveis nesse processo.
Algumas espécies têm apenas um adormecimento, como é o caso dos ursos e dos castores. Outras têm o que chamam de “letargo verdadeiro”, como acontece com determinados roedores, além de mamíferos como as toupeiras, os ornitorrincos e os morcegos. Os ursos, no entanto, se tornaram o exemplo mais conhecido. E eles conseguem ficar desse modo durante cinco a sete meses do ano. Como habitam o hemisfério norte, as temperaturas mais baixas ocorrem entre novembro e abril. Ao longo desses meses não se alimentam nem bebem água, não defecam nem urinam.
Depois de um bom café, aqui no meu escritório, fico ouvindo o assovio do vento contra ângulos do prédio. É um quase lamento que só não é mais triste do que o fato de tanta gente o enfrentar nas ruas, sem o abrigo e o agasalho que precisam. E torço para que ele ao menos me inspire como fez com Érico Veríssimo, que colocou o vento minuano no título da maior de suas muitas obras, O Tempo e o Vento. Ainda com a participação desse “elemento”, lembro de O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Jane Brontë.
A primeira das obras citadas se trata de uma trilogia na qual o autor conta a saga das famílias Terra, Cambará, Caré e Amaral, desde a ocupação do Continente de São Pedro até o fim do Estado Novo. São 200 anos de história – de 1745 até 1945 –, sendo essa considerada a narrativa literária mais importante do Rio Grande do Sul. Já a escritora inglesa produziu uma história que faz um passeio sobre a transformação do caráter de seus personagens. Todos eles são expostos ao sofrimento e enfrentam ciúme, inveja, rejeição e morte. Algo bem apropriado para um clima ainda mais frio que o nosso, para um povo menos afetivo que o gaúcho.
Saindo desse breve passeio literário e voltando ao clima rigoroso da região sul do Brasil, que nos faz morrer de inveja do nordeste e suas maravilhosas praias, dias como hoje explicam muito bem as razões que levam nosso povo a correr para o litoral, mal a primavera dá as caras. Mesmo enfrentando por lá um mar marrom como meu casaco mais pesado e um soprar de areia contra as canelas que irrita tanto quanto as mães-d’água que sempre estão aguardando os corajosos banhistas. Como ainda falta muito tempo para isso, sigo aqui, como coloquei no título, cheio de inveja dos ursos dormindo em seus abrigos. Mas, como a minha “caverna” também é quentinha e meu edredom talvez nem tenha esfriado, pode ser que mais do que invejar eu possa imitá-los.
29.07.2021

No bônus musical de hoje, o áudio de Dia de Inverno, com a banda gaúcha Nenhum de Nós. A composição é de Carlos Stein e Thedy Corrêa.