“O ser humano precisa da política: se fôssemos deuses, perfeitos, não precisaríamos”. Essa é uma das tantas frases de José Alberto Mujica Cordano, o Pepe Mujica, agricultor e político uruguaio que nos deixou nesta terça-feira, 13 de maio, exatamente uma semana antes do seu aniversário de 90 anos. Foi vitimado por um câncer de esôfago e suas decorrências, deixando um vazio enorme na história e no peito de todos os que, como ele, defendem a justiça social.
Natural de Montevidéu (20.05.1935), sua família paterna tinha vindo da localidade de Múgica, pertencente à província de Biscaia, uma das três que formam o território basco na Espanha. A de sua mãe, por sua vez, tinha ancestralidade italiana, tendo vindo de Gênova e Piemonte, sendo viticultores muito pobres. O pai de Pepe era um pequeno agricultor que foi à falência pouco antes de morrer, em 1940. Deixou além da esposa uma filha recém nascida e Mujica com seis anos de idade, cursando o terceiro ano escolar. Não foram pequenas, portanto, as dificuldades que aprendeu a enfrentar desde pequeno. Conseguiu a duras penas chegar ao curso universitário de Direito, sem ter concluído – faltaram apenas as provas finais.
Envolvido com política desde sempre e inconformado com a ditadura militar que asfixiava seu país – assim como quase todos os demais da América Latina – ingressou na resistência e se tornou primeiro um militante, depois um clandestino. Guerrilheiro, acabou preso em três oportunidades, tendo conseguido fugir em duas delas. Ao ser outra vez capturado, foi alvejado por seis tiros e duramente torturado. Passou 15 anos em calabouço, na soma dos tempos. Mas, se manteve fiel a ideais que nunca deixou de defender, como os de liberdade e igualdade.
Seu último período de detenção foi entre 1972 e 1985. Ao longo de boa parte deste tempo fazia parte da relação de prisioneiros que o regime militar usava como reféns: estes eram ameaçados de execução sumária, caso não parassem as ações da esquerda. Com o retorno da democracia, foi beneficiado com anistia e recuperou direitos civis. Com isso, retornou à vida de agricultor, sem abandonar a política. Sendo um dos criadores do Movimiento de Participación Popular (MPP), se tornou candidato pela Frente Ampla, que reunia partidos de esquerda, em 1994. Eleito deputado por Montevidéu, alcançou destaque na tribuna e na opinião pública, com o eleitorado o tornando senador em 1999. Em 2005 foi nomeado pelo então presidente, Tabaré Vázquez, como ministro da Agricultura. E se tornou presidente da República em 2010. No término do seu mandato, em 2015, voltou a ser senador.
No Executivo, as suas prioridades foram educação, segurança, meio ambiente e energia. Anunciou e cumpriu como objetivo primordial da sua administração a erradicação da miséria e a redução da pobreza. Conseguiu aprovar o matrimônio igualitário, a adoção feita por casais homoafetivos, permitiu ainda o ingresso de homossexuais nas Forças Armadas e legalizou a produção da maconha sob controle da sua distribuição e venda pelo Estado, evitando abuso e neutralizando crimes que o tráfico potencializa. A taxa de desemprego caiu de 13% para 7% e a pobreza nacional foi reduzida de 40% para 11%. O salário mínimo teve aumento de 250% e os sindicatos de trabalhadores ganharam força e maior visibilidade. O Uruguai, com tudo isso, se tornou o mais avançado país das Américas em “respeito aos direitos fundamentais do trabalho e da liberdade de associação”, segundo organismos internacionais.
Uma das suas grandes marcas pessoais, ao lado da simplicidade, foi a crítica contundente ao consumismo. Afirmava que “viver com o suficiente é a verdadeira forma de ser livre”. E botava isso em prática: mesmo nos tempos em que exerceu cargos importantes, continuava em seu sítio e dirigindo um velho automóvel Volkswagen. “Os que comem bem pensam que se gasta muito com políticas sociais”, afirmava ele, do alto de sua sabedoria. Diagnosticado com um câncer de esôfago em 2024, após um exame de rotina, por algum tempo fez o tratamento recomendado, mas depois optou por suspender, aceitando o destino inevitável. No final, já existia metástase nos rins e ele enfrentava uma vasculite sistêmica, a síndrome de Churg-Strauss.
“É preciso morrer. Nós pertencemos ao mundo dos vivos e nascemos destinados a morrer. Por isso a vida é uma aventura maravilhosa. Mais uma vez na minha vida a morte ronda a cama e desta vez parece que vem com a foice em punho. Vamos ver o que acontece”, falou Pepe ao anunciar sua decisão. E sua última manifestação pública também foi marcante, quando usou a palavra no último comício antes da eleição do atual presidente, também de esquerda, Yamandú Orsi. Esta está em vídeo, ao final deste texto, como bônus de hoje.
Há uma segunda morte que para mim tem um grande significado e que foi de impacto determinante de muitos dos rumos da minha vida. Faço aqui referência, com a permissão das leitoras e leitores, ao meu pai. Foi em outro 13 de maio que se despediu Walter Saldanha, o homem que me ensinou o valor da honestidade, da honra, da hombridade. Aquele de quem sempre lembro pelo riso fácil, a generosidade e o acolhimento com respeito extremo a todas as pessoas. Pela muita similaridade entre ele e Mujica, ouso acreditar que talvez o Seu Saldanha – era assim que muitos o chamavam – tenha feito parte da comitiva que acolheu Mujica. E que ambos tenham tido agora a oportunidade de tomarem juntos um mate.
14.05.2025

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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteO bônus de hoje está composto por dois vídeos que são preciosidades. Primeiro, como anunciado no corpo do texto, a reprodução do que disse Pepe Mujica no último comício antes da eleição presidencial que teve o Uruguai no ano passado. Depois, Mercedes Sosa e Joan Baez juntas interpretando Gracias a La Vida, da cantora e compositora folk chilena Violeta Parra.
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