APRENDENDO COM OS ANIMAIS

A foto que ilustra o texto de hoje evidencia o quanto se pode aprender com os animais, o quanto a sociedade humana poderia ser melhor, se observasse o modo de vida deles. Uma alcateia se desloca em campo coberto de neve. Na frente vão três lobos que são os mais velhos ou que estão doentes. A razão é que o ritmo que eles suportam é o que deve ser seguido pelos demais. Se ficassem para trás, não aguentariam a caminhada e iriam terminar morrendo. Os mais fortes do grupo são dez e se dividem em dois: cinco vão logo atrás dos que conduzem o grupo, para resistir a um eventual ataque; outros cinco cuidam da retaguarda, pelo mesmo motivo. Entre esses dois conjuntos de guardas, seguem as fêmeas grávidas, os mais jovens e os recém nascidos, devidamente protegidos. E por último, está o líder. Este consegue ver todos os demais e pode determinar que ações devem tomar, conforme as circunstâncias. Tudo é feito pelo bem de todos, não importando suas condições. Há respeito pelo coletivo, superando o interesse individual.

Entre os humanos, crianças e mulheres são abusadas, agredidas e mortas, muitas vezes por seus próprios pais, padrastos e companheiros. E em geral os velhos e doentes estão por último. São peso morto, gente desimportante, que não produz mais e isso é um absurdo inaceitável – lembrei agora de Gregor Samsa, no maravilhoso livro Metamorfose, de Franz Kafka. Se uma pandemia reduz o número de idosos, ótimo! Uma “reforma” da Previdência, sem precisar de debates e aprovação no Congresso. Se mais doentes graves morrem, diminui a necessidade de investimento em estruturas de saúde pública e em centros de recuperação, além de se “depurar” a raça. Perfeito!

Morcegos que habitam o México e a América Central têm um sistema de partilha de alimentos. Esses mamíferos alados têm uma estrutura física frágil o suficiente para os levar à morte, se passam dois dias sem obter o seu alimento. Assim, quando um consegue encontrar, compartilha com os demais membros do grupo. Se isso não fosse feito, estima-se que quatro de cada cinco indivíduos morreriam a cada ano. E sua espécie estaria ameaçada seriamente de extinção.

O ser humano come além do que necessita e dificilmente divide alguma coisa. Nas sociedades ocidentais os hábitos alimentares, aliados ao sedentarismo, estão levando à obesidade coletiva, abreviando vidas ou no mínimo reduzindo sua qualidade para um grande contingente. Outras pessoas, no entanto, não têm sequer o mínimo. E o desperdício de alimentos é outro fator, chegando a algo próximo de 20% do total que é produzido. Em 2019, último ano com estatísticas e projeções fechadas, foram cerca de 931 milhões de toneladas jogadas fora ao invés de partilhadas. Nos lixões, uma sub espécie humana precisa catar, todos os dias, uma apodrecida sobrevivência.

Pássaros estorninhos voam sempre em grandes grupos, formando nos céus enormes figuras. Essa é uma estratégia para afastar predadores, que são iludidos com a visão de um grande corpo em deslocamento. Eles são de tal forma organizados que conseguem voar em velocidades muito grandes, próximos uns dos outros, sem colidirem. Algo semelhante é feito por cardumes de peixes. Eles nadam em sincronia, formando uma massa homogênea, o que impede que um agressor consiga focar sua atenção em um único indivíduo, que estaria indefeso se estivesse isolado.

O individualismo é uma das características mais marcantes do nosso atual modo de vida. É cada um por si e Deus por todos! Se bem que não entendo que Ele devesse se preocupar com quem não pensa em seus semelhantes. Venha a nós tudo, ao vosso reino nada! Querer um ótimo salário não deveria ser razão para se torcer que os outros ganhem pouco. Desejar uma boa casa não deveria chegar ao ponto de se entender como natural que tantos vivam nas ruas. Do lado de lá do muro, o problema é do vizinho. E se alguém pular para o lado de cá, eu uso uma das tantas armas que agora nos deixam comprar.

Plauto (254-184 a.C.) teria dito que Lupus est homo homini lupus. Traduzindo do Latim, algo como “o homem é o lobo do próprio homem”. No século XVII o filósofo inglês Thomas Hobbes repetiu a expressão na sua obra Do Cidadão. O que, obviamente, a tornou muito mais popular. Mas acho que nenhum, nem outro, teria visto algo semelhante à alcateia que usei para exemplificar a abertura desta crônica.

28.04.2021

Assinalados em vermelho, os velhos e doentes. Em amarelo e verde, os guardas. A seta mostra o líder.

Atenção: há trechos nesse texto que estão carregados de ironia. Não confundam as palavras com postura, opiniões ou crenças do autor.

O bônus musical de hoje é Como Dois Animais, de Alceu Valença. Esta é a oitava faixa do álbum Em Todos os Sentidos, que ele gravou ao vivo na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro.