ZIQUIZIRA E BALACOBACO
Tem algumas palavras que a gente gosta sem nem ao menos saber o seu significado. Pelo menos comigo é assim. Sou pego pela sonoridade, como se algo mágico entrasse pelos meus ouvidos e sensibilizasse determinados neurônios. Sei lá se é isso, mas poderia ser. Ziquizira é um bom exemplo. A palavra me parece quase dançante, muito alegre, festiva. Daí fui pesquisar a sua origem e o único idioma no qual encontrei sua presença, além do português, foi no urdu, uma língua indo-europeia da família indo-ariana, bastante antiga, surgida a partir das influências turca, persa e árabe, no sul da Ásia. Veio de longe, portanto.
Em urdu ziquizira é simplesmente “desfazer”. Aqui, fizeram uma injustiça com ela. Trata-se de um substantivo feminino que designa má sorte, azar, urucubaca – essa última, outra que sempre me foi agradável. Tem uma variação, na qual se troca a letra Q pelo G, ficando ziguizira. Mas não troca de significado. Melhor seria se fosse mesmo uma dança, como sempre me pareceu. Mas, como não há nada que não possa ser piorado, esse também é o nome popularmente atribuído a uma doença de pele, em algumas regiões do Brasil.
E balacobaco, então. Como não gostar de balacobaco? Dessa vez me dei bem, pois ela designa momento de alegria, diversão animada com bebida. Veio de Zimbábue, um país africano, onde significa “meu amigo” ou “meu velho”. Agora, para obter sucesso de fato num balacobaco, melhor mesmo é ter borogodó. Esse é um atrativo pessoal irresistível, que pode ser físico ou de outra origem, como carisma. Ou seja, como não tenho nenhuma chance, em quaisquer das duas hipóteses, saio de fininho desta palavra e procuro outra.
Sarcófago, por exemplo. Para mim não parece fúnebre, mas é bastante solene. E anacrônico, então. Poderia ser um elogio para um(a) cronista talentoso(a), se não significasse “aquilo ou aquele que está em desacordo com os usos e costumes de uma época”. Ou seja, o dicionário sempre esclarece, mas tira toda a possibilidade de criatividade. Também não existe poesia nos dicionários, exceto a palavra em si, que é um dos verbetes bem procurados na letra “P”. Com essa mesma inicial tem peremptório, que é muito bom. Tão bom que significa algo definitivo, decisivo.
Quando eu era pequeno, tanto tempo atrás que ainda existia o que chamavam de Curso Primário, todos ficávamos impressionados com a palavra da língua portuguesa que se imaginava ter o número de letras. São 27, em inconstitucionalissimamente. Essa, evidente, não merece estar entre as prediletas. Lembrei dela pela excentricidade. Depois inclusive descobri que tem 46, aquela que de fato é a maior dicionarizada em Português: pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico. Então, tratei de buscar as também muito longas em outros idiomas. Pasmem! Em alemão tem uma com 80, em sueco outra com 130. E a recordista mundial é em grego, com 182 letras. Esse desperdício todo, lá na Grécia, identifica uma comida. Haja apetite! Mais uma vez o português ficou para trás.
Tem ainda muitas que parecem ser uma coisa e são outra. Equidade não é a certidão de nascimento de um equino, mas tem a garbosidade de um puro sangue. Patavinas não refere a ave fêmea da família Anatidae (cuidado para não confundir com marreco, que hoje isso é politicamente perigoso). Justaposição não é o lugar que você acha que merece ocupar, na vida em sociedade. E acabo de me dar conta da possível razão dos pentecostais seguirem Bolsonaro cegamente: eles devem achar que democracia é um sistema de governo liderado pelo demônio, sendo importante combater isso. Deu exatamente o contrário, mas quem sabe um dia eles abrem os olhos?
Voltando para as palavras que podem ser cativantes por si: arapuca parece ser muito mais do que uma armadilha indígena para pegar pequenas aves e roedores. Sugere uma exclamação, denotando surpresa. Talvez seja uma antepassada da interjeição bem gaúcha a la pucha? Em uma publicidade antiga na televisão, uma criança brasileira falava “almôndegas” para um italiano, que dizia ficar com medo da expressão. Por lá esse prato é chamado de polpetas, algo mais simples. Minha lista seria quase interminável, mas me deixem acrescentar mais umas poucas: saracotear, bambolê, sincrônico, hipotenusa, simetria, lambisgóia, prelúdio, quitanda e songa monga – essa na verdade foi reduzida hoje em dia para apenas a primeira parte, sem perder o sentido completo.
De outras tantas palavras gosto pelo que elas significam de fato. Como liberdade, amor, gratidão, reconhecimento… Veja que essa última forma de fato uma base sólida, feita com a liga entre o respeito e a humildade. Aliás, a base de qualquer cultura é a língua, o idioma. Razão pela qual eu fico muito indignado quando vejo o anglicanismo invadindo nosso território, não como um acréscimo normal, que sempre ocorreu e ocorre em todos os lugares, por assimilação. Mas sendo uma ação pensada, domesticadora, colonialista. “Os limites da minha língua são os limites do meu mundo”, afirmou o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. Eu adoro expandir os meus.
10.12.2021

No bônus musical de hoje, a muito apropriada Palavras ao Vento, uma composição de Marisa Monte e Moraes Moreira, na voz de Cássia Eller.