PAPAI NOEL, VELHO BATUTA

Uma música de 1985, que se tornou um dos maiores clássicos do punk rock brasileiro, está enfrentando problemas agora, quatro décadas após seu lançamento. De autoria do grupo Garotos Podres, ela faz uma forte crítica social ao sentido comercial dado ao Natal, atacando Papai Noel, que é o símbolo deste consumismo capitalista desenfreado. Mesmo tendo escapado da censura da reta final da Ditadura Militar, o grupo foi agora chamado para prestar esclarecimentos em uma delegacia de polícia da cidade de São Paulo. Isso porque um cidadão os denunciou, dizendo que a letra atacava valores cristãos – talvez tenha confundido a imagem do chamado “Bom Velhinho” com algum dos Três Reis Magos.

A música Papai Noel, Velho Batuta surgiu em um contexto no qual se iniciava uma explosão de todo um período contido à força. Algo assim como cachorro solto da coleira depois de muito tempo, que corre para todos os lados sem nem saber a razão de fazer isso. O país vivia uma transição, chegando à Nova República. E o movimento punk foi então a trilha sonora mais crua desta mudança. Grupos como Ratos do Porão e também Cólera, se destacavam. E a referida música dos Garotos Podres só passou pela censura após ter seu nome mudado: no original era Filho da Puta, ao invés de Velho Batuta.

Para os punks, o Natal é a representação máxima da imensa hipocrisia capitalista. A figura do Papai Noel sendo um símbolo que ignora a existência das crianças pobres das favelas para presentear apenas quem já tenha dinheiro e não precise de nada. Por isso essa faixa foi incluída no álbum Mais Podres do Que Nunca. Porque era uma sátira ácida, uma crítica necessária sobre a desigualdade social, subvertendo a imagem caridosa daquele morador da Lapônia, na Finlândia, que nessa época viaja pelo mundo todo em um trenó puxado por renas voadoras. E que sequer suja sua roupa, que é imprópria, pesada e quente para o nosso hemisfério, ao invadir casa pelas chaminés.

Pois uma delegada da polícia civil paulistana acolheu a denúncia e abriu inquérito. Entendeu ser plausível o denunciante pedir que a banda seja, a partir de agora, impedida de se apresentar. Ou seja, sofra censura. Maria Lúcia de Castro concluiu a investigação e encaminhou a denúncia para o Ministério Público. A investigação policial, feita a partir de um show ainda do primeiro semestre do ano, seguiu a linha de pensamento de tratar-se de uma “ofensa religiosa”, mesmo Papai Noel não estando ligado de modo algum a quaisquer religiões existentes. E que seria uma forma subliminar de incentivo à violência.

Não deixa de ser irônico o fato da Divisão de Censura de Diversões Públicas, o braço operacional da repressão cultural durante a Ditadura Militar, ter liberado a letra, pedindo apenas a troca no título, enquanto que aqueles que se dizem hoje os defensores da liberdade querem que ela seja totalmente proibida. Para concluir, importa salientar que Mauá, de onde surgiram os Garotos Podres, era um polo industrial. E que na época seu contexto era de carestia e inflação alta, de falta de perspectivas para a juventude pobre, de forte repressão policial e de greves operárias. Foi assim que o seu grito de protesto, muito antes de existirem redes sociais e sem apoio de marketing, rendeu a venda de 50 mil cópias. Número que foi atingido sem o uso das metáforas sutis da MPB de protesto, de um povo classe média alta e perfumado.

24.12.2025

O bônus de hoje não será uma música, nem mesmo a citada no texto. A opção oferecida é uma animação que destaca a sociedade de consumo, com a padronização de todas as pessoas (representadas como ratos) e seu desespero por comprar tudo, como se isso fosse a felicidade real. Algo interessante de ser visto, quando os shoppings estão mais cheios do que qualquer templo. É a excelente Happiness, de Steve Cutts.

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