No dia 13 de dezembro de 1968, não satisfeitos com o retrocesso que já haviam imposto ao país, os militares que tomaram o poder com o golpe de 1º de abril de 1964 trataram de superar a si mesmos. Naquela data foi decretado o Ato Institucional Nº 5, o famigerado AI-5, que marcou o pior momento em termos de repressão e censura de todo o período ditatorial. Ele permitia ao presidente da República fechar o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e até as Câmaras Municipais. Também impedia que qualquer juiz ou tribunal pudesse apreciar decisões tomadas usando tal documento como base.

O ato permitia que as pessoas fossem presas sem uma acusação formal; não aceitava que fossem impetrados habeas corpus; tornava a cassação de parlamentares possível bastando desejo e ordem do ditador de plantão – eles faziam um rodízio para fingir alguma normalidade –; permitia aposentadorias compulsórias; e criava os dois órgãos ligados ao Exército que receberam autorização para torturar e matar em nome do regime: eram eles o Destacamento de Operações e Informações (DOI) e o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI). Foram nesses locais que assassinaram, entre tantos outros, o jornalista Vladimir Herzog, o deputado federal Rubens Paiva e o operário Manoel Fiel Filho, para citarmos três casos emblemáticos.

No mesmo dia em que foi decretado o AI-5 o Congresso Nacional foi fechado, voltando a funcionar apenas em outubro de 1969, para que servisse de “teatro” na escolha do general presidente seguinte, Emílio Garrastazu Médici. Ao longo de sua vigência, 181 parlamentares foram cassados, sendo 173 deputados e oito senadores. As redações dos jornais e revistas passaram a ter um integrante a mais, com um censor estabelecido diariamente em cada uma delas. Havia uma lista com os assuntos de abordagem proibida. Mais de 500 filmes, 450 peças teatrais, 200 livros e 500 canções foram censuradas. Seus próprios autores e artistas eram perseguidos, com inúmeros tendo sido exilados em outros países.

Quanto ao DOI-CODI, apenas o instalado junto ao 2º Exército, em São Paulo, recebeu mais de 6.700 presos, dos quais a imensa maioria foi duramente torturada e pelo menos 50 foram assassinados sob custódia, entre 1969 e 1975. O número cresce de modo exponencial, se formos considerar o país como um todo. Oficialmente, em momento posterior ao horror da ditadura, surgiu uma lista falaciosa de 434 mortos. Foram de propósito “esquecidos” os 8.350 indígenas que os fardados exterminaram no período – sim, eles desde aquela época odiavam os povos originários, sabe-se lá por que motivo –, assim como também as mortes causadas de modo indireto. Um exemplo foi o imenso contingente de crianças que morreram em São Paulo vitimadas por um surto de meningite, cujos corpos também foram “desaparecidos” em vala comum em Perus. Elas perderam a vida porque os militares censuraram as informações prévias que poderiam ter evitado a situação, bem como o posterior acesso correto à vacinação. Médicos e sanitaristas, por exemplo, foram proibidos de dar entrevistas, prestar esclarecimentos e orientar as pessoas sobre como agir. Qualquer semelhança com o período no qual o general Eduardo Pazuello foi ministro da Saúde, no governo de Jair Bolsonaro, durante a pandemia de Covid-19, não é mera coincidência.

Quando a ditadura apodreceu, devido à reação da população brasileira, que já não aguentava mais o arbítrio, e também porque cessara o apoio internacional e se reduzira a conivência dos EUA, foi assinada a Lei Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos com a devida aquiescência dos militares. Isso ocorreu em 1995, quando eles até reconheceram a ocorrência de muitas mortes, o que antes negavam, mas sem admitir a responsabilidade por nenhuma delas. Foi o jeitinho brasileiro que outra vez anistiava golpistas, como há quem esteja querendo fazer agora.

Uma “providência” tomada pelos militares, quando a tal anistia “ampla, geral e irrestrita” foi negociada e equivocadamente aceita pela sociedade brasileira, foi a de realizar o que chamaram de “Operação Limpeza”. Às vésperas do vencimento das datas-limite para o levantamento de vítimas, visando posterior ressarcimento, exumaram centenas de corpos dos que chamavam de “inimigos do regime”, colocando os restos mortais em outras áreas dos cemitérios. Isso ocorreu no da Vila Formosa, em São Paulo, mas também no Rio de Janeiro e em outras capitais.

Tudo isso, a barbárie perpetrada, ocorreu muito em função do AI-5, que é considerado um golpe dentro do golpe. Evento que faz hoje mais um triste aniversário. E pensar que pessoas totalmente desinformadas, massa de manobra mesmo, pediam que se retomasse essa época, em passado recente. Gente que se aglomerava nas portas dos quarteis, supostamente clamando por liberdade, sem se dar conta que justamente ela seria outra vez sacrificada – além de mais vidas, como o plano golpista já antecipava, começando por Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Enfim, não temos nada a comemorar no dia de hoje. Mas, não se pode esquecer o que ocorreu, até para mantermos a força e a determinação necessárias para jamais permitir que isso volte a acontecer.

13.12.2024

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Como bônus temos hoje a música É Proibido Proibir, de autoria de Caetano Veloso. Ela foi composta. Ela foi composta em um dos momentos mais sombrios da nossa história, no mesmo ano de 1968, quando fomos “brindados” com o AI-5.


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