Vamos tentar, de uma forma o mais objetiva possível, esclarecer o que está acontecendo de fato, neste suposto “confronto” entre o bilionário Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes, o “Xandão”. Primeiro é necessário dizer que o sul-africano naturalizado estadunidense adquiriu em 2022 o antigo Twitter, uma das maiores redes sociais então existentes, pagando por ela US$ 44 bilhões. Proprietário de várias outras empresas, seu objetivo com essa era ter controle sobre informações e o considerável poder político que disso deriva, para somar-se à influência que já conseguia ter, devido ao poderio econômico. Algum tempo depois ele terminou com o símbolo da empresa, o conhecido pássaro azul, mudando também o seu nome para apenas a letra X.

Com uma atuação planetária, uma das principais questões com as quais Musk passou a se deparar foi com o fato de que a legislação difere de um país para outro. E ele, na realidade, demonstrou desde o início uma enorme dificuldade para se adaptar a isso, fosse qual fosse, entendendo que interesses da empresa deveriam sobrepujar determinações legais e a soberania das nações. Além disso, a principal fonte de renda do X se revelou oriunda justo de publicações que eram feitas ao arrepio destas legislações.

Em abril deste ano Elon Musk, usando sua própria rede social, fez uma série de ataques pessoais ao ministro Alexandre de Moraes, em função deste estar exercendo sua obrigação de buscar informações sobre uma série de crimes que vinham sendo praticados por páginas mantidas no X. O empresário dizia ser isso censura e se recusava a tirar da plataforma aquelas que vinham pregando ódio, sendo propagadoras de fake news, fazendo apologia ao nazismo e uma série de outras coisas que são consideradas crimes em nosso país. Após ser alvo dessa campanha difamatória, Moraes determinou a inclusão de Musk como investigado no inquérito responsável por apurar a existência de milícias digitais em nosso país, estruturas antidemocráticas, bem como o seu financiamento.

Quatro meses depois, em agosto, perfil próprio do X publicou aquela que seria uma decisão sigilosa de Moraes, na qual ele intimou advogados da rede social no Brasil para que, finalmente, fossem tomadas as providências antes determinadas, com o bloqueio das contas desses usuários investigados. Não sendo isso cumprido, haveria a decretação da prisão da administradora da empresa, por sua desobediência à determinação judicial, além de aplicada multa de R$ 20 mil por dia. Foi quando Musk teve um faniquito, dizendo se tratar de ameaça e, como consequência, anunciou a demissão dos poucos funcionários e ainda o fechamento de seu escritório no Brasil. Isso foi no dia 17 e virou assunto aqui mesmo no blog (https://wp.me/p1jFYb-2nu), no dia seguinte. Mas, se tratava de uma manobra evidente e simplória: sem ter sede no país, ele não poderia mais ser intimado, acreditando na possibilidade de seguir fazendo o que bem entendesse. Só que com isso voltou a desrespeitar a legislação brasileira, que exige a presença de representação legal em nosso território de quaisquer empresas de fora que desejem operar aqui.

Em 28 de agosto Moraes determinou prazo de 24 horas para que fosse um novo representante legal da X indicado no Brasil, sob pena de serem imediatamente suspensas as atividades da rede. Para não ser possível negar conhecimento da decisão, ela foi publicada no perfil do STF no próprio X. E mais: para garantir o pagamento das multas aplicadas, o bloqueio das contas da Starlink – possui um grande número de satélites e trabalha com comunicação e dados em larga escala –, outra empresa de Musk, foi feito. A resposta veio em sete minutos, comprovando o que já se suspeitava: toda a situação foi prevista e calculada pelo empresário. Ele afirmou que não cumpriria as ordens e que esperaria o bloqueio. Apostou alto e se deu mal. No dia 30 Moraes determinou a derrubada “imediata, completa e integral” do X, até que todas as ordens judiciais proferidas passassem a ser obedecidas. E a multa diária subiu para R$ 50 mil, também para quem acessasse a plataforma por meio de VPN (*) ou outros recursos.

O Brasil ocupava a sexta posição mundial em termos do número de usuários da plataforma, sendo o segundo mercado em termos de rentabilidade. E o bloqueio foi acontecendo, gradualmente, deixando esse enorme contingente de pessoas com a necessidade de fazer sua migração para plataformas alternativas. Mas, fazendo com que a X deixasse de ganhar uma verdadeira fortuna a cada dia. O menininho mimado contra-atacou criando uma conta só para divulgar decisões sigilosas do ministro e ampliar o seu esforço difamatório contra uma autoridade brasileira em particular e o Supremo como um todo.

Moraes então convocou a Primeira Turma do STF para que a decisão monocrática que havia tomado fosse analisada. E, por unanimidade, ela manteve aquilo que ele havia feito. Enquanto isso ocorria, plataformas concorrentes do X explodiam em termos de conquista de usuários brasileiros. Entre elas, destaque para o Threads, da Meta; e para o Bluesky, do cofundador do antigo Twitter, Jack Dorsey. Em apenas dois dias a língua portuguesa superou a inglesa como a mais usada para a publicação de mensagens, no “Céu Azul”: foi 73,7% contra 16,5%, com o percentual restante distribuído entre outras. Foram mais de dois milhões de usuários novos em menos de uma semana.

A repercussão internacional foi imensa e, na maioria dos casos, houve apoio quase que incondicional ao que fez o ministro. Até porque existem embates semelhantes do X contra outros governos. Musk se recusa a cumprir determinações da União Europeia, da Austrália, do Reino Unido, entre outros locais. Mas, já se curvou a exigências da Índia e da Turquia, por exemplo, porque nestes casos lhe interessava por razões ideológicas ser “flexível”. Para agradar o atual primeiro-ministro indiano Narendra Modi ele retirou, em 2023, um documentário da BBC que relata a repressão contra a minoria muçulmana no estado de Gujarat, na época em que este a governava. Cem mil pessoas foram assassinadas. No mesmo ano ele suspendeu perfis e conteúdos que poderiam prejudicar a reeleição – que aconteceu – do presidente turco Recep Tayyip Erdogan, um dos líderes da extrema-direita mundial.

Os jornais The New York Times e The Washington Post, criticaram a postura de Musk, lembrando inclusive que as convocações para os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 haviam sido feitas pela sua rede. O The Guardian, britânico, manchetou citando Moraes como exemplo a ser seguido: “Elon Musk está fora de controle. Veja como controlá-lo”. O francês Le Monde relatou que a suspensão do X era prevista e legal, destacando ainda que Moraes é visto como a “bête noire” (besta negra) pelos fascistas justo por ser a quem coube investigar os inúmeros crimes do ex-presidente Jair Bolsonaro. Posturas semelhantes às destes quatro jornais citados foram vistas nas principais publicações de todo o mundo.

Assustador, no caso brasileiro, é que a mão grande do bilionário não está apenas querendo assegurar direitos plenos sem nenhum dever, no caso específico do X. A Starlink tem contratos com as Forças Armadas e ele, durante o governo Bolsonaro, teve autorização e livre trânsito para fazer minucioso monitoramento da Amazônia e suas riquezas. O pretexto era fornecer acesso a celulares por sinal de satélite, mas ninguém acredita que apenas isso estava sendo feito. Desde então, por uma absoluta “coincidência”, a empresa passou a ser representada pelo advogado Tomás Schoeller Paiva, filho do comandante do Exército, general Tomás Paiva.

A sede da gigantesca Starlink no Brasil é uma pequena sala no Edifício Conde de Prates, em frente à Prefeitura de São Paulo. E ela nem sequer abriga apenas a multinacional de Musk: o espaço é compartilhado com um microempreendedor individual chamado Kenedy Wanderson de Souza Gomes, que tem 26 anos e na verdade mora em Aparecida de Goiânia, no estado de Goiás. Esta MEI foi criada em outubro do ano passado. A Starlink está cadastrada com dois CNPJs: Starlink Brazil Holding e Starlink Brazil Serviços de Internet. A primeira é a única sócia da segunda. Já a Starlink Netherlands, com sede em Amsterdã, na Holanda, é a única sócia da Starlink Brazil Holding. Como se vê, há muito mais que precisa ser discutido nessas relações nebulosas do que a suspensão, que deverá ser temporária, do acesso ao X.

05.09.2024

(*) Uma VPN, iniciais de Virtual Private Network, se trata de rede para a manutenção de navegação online privada e segura, estabelecendo uma conexão criptografada entre o dispositivo que a usa e uma rede, de modo que protege a identidade e os dados contra interceptações de terceiros. No caso em questão, seria um recurso para burlar a vigilância legal.

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O bônus de hoje começa com a paródia Muskaô (kaô refere mentira, mentiroso), de Edu Kruger, que a canta com Natália Voss. Depois temos um segundo vídeo, com Leandro Demori, do ICL Notícias, fazendo uma comparação e explicando de um modo didático os crimes que Elon Musk comete no Brasil.


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