26 de junho é simultaneamente o Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura e o Dia Internacional de Combate ao Tráfico de Drogas. Ambas as datas foram instituídas pela Organização das Nações Unidas, nos anos de 1984 e 1987, respectivamente. A primeira foi decorrência secundária da Convenção Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, promovida pela ONU. E o evento resultou num documento que foi ratificado por 124 países. A segunda foi estabelecida durante a Conferência Internacional Sobre Abuso e Tráfico Ilícito de Drogas. Nela foi aprovado o Plano Multidisciplinar Geral Sobre Atividades Futuras de Luta Contra o Abuso de Drogas. A preocupação mundial com esses dois assuntos se deve ao fato da tortura ser inaceitável, um desrespeito aos mais básicos direitos humanos; e a droga estar se tornando verdadeira praga, pelo seu consumo excessivo, que destrói a vida de indivíduos, incentiva a violência e a criminalidade, além de desestabilizar coletividades inteiras.

A tortura chegou a ser, em muitos momentos da história, uma prática aceitável. Isso acontecia basicamente quando se entendia que os vencidos nas batalhas e guerras perdiam não apenas o direito sobre suas posses e propriedades, como também sobre seu próprio corpo. Eles podiam ser escravizados, torturados ou executados, conforme o desejo dos vencedores, sem que isso configurasse um crime. E também quando determinados sistemas legais defendiam que apenas a confissão poderia ser considerada a prova definitiva de atos criminosos. Desta forma, quaisquer meios eram admitidos para arrancá-la dos suspeitos, inclusive a violência física ou psicológica. No Império Romano e na Grécia havia a crucificação. A Igreja Católica torturava, durante a Inquisição. Para isso usava aparelhos sofisticados, além de simples alicates, garras metálicas e tesouras, para destroçar e mutilar órgãos. Ferros em brasa marcavam os “hereges”. Assim, era normal que esses confessassem até o que não haviam feito, o que ao invés de salvá-los os conduzia para a fogueira ou a forca. Os magnânimos cavalheiros que formavam as Cruzadas costumavam empalar os muçulmanos que não aceitavam Cristo como seu novo salvador, em substituição à Alá. E açoitar escravos também foi prática habitual ao longo dos séculos, em vários locais do mundo. 

Substâncias entorpecentes oriundas de plantas são usadas pelo homem há mais de cinco mil anos. Algumas das vezes isso acontecia – e ainda acontece – em rituais religiosos, como o de índios na Amazônia, com o chá alucinógeno chamado Ayahuasca. Mas não apenas neles: em muitas oportunidades o efeito lisérgico era apenas uma alternativa de lazer. Consta, por exemplo, que 450 a.C. folhas da Cannabis sativa (maconha) eram queimadas em saunas, com o objetivo de aumentar o gozo que aqueles momentos permitiam aos frequentadores. Isso está inclusive em escritos do historiador Heródoto. Mas pelo menos quatro séculos antes disso, em Angola e na Guiné, javalis consumiam folhas da Tabernanthe iboga e ficavam completamente mansos e desorientados. Os pigmeus que deles cuidavam também resolveram experimentar e isso se tornou normal nas tribos. O fumo é nativo da América Central, tendo o hábito dos índios daquela região se espalhado pelo mundo todo. A bebida alcoólica apareceu no período neolítico, quando o homem introduziu a agricultura e passou a produzir cerâmica. A fermentação de cereais e frutas nesses recipientes resultava em líquidos que entorpeciam, tendo sua técnica de produção evoluído com o passar do tempo. 

A tortura se tornou abjeta na medida em que as leis começaram a considerar os direitos individuais. A dignidade e a integridade sendo substância política a nortear legislações e convívio. Mas isso é ainda muito recente e só se encorpou mesmo depois do término da Segunda Guerra Mundial. O que não significa que o problema tenha sido resolvido: foi apenas enfrentado. Em segredo ou nem tanto assim, a prática permanece. Seja em prisões ou em porões não oficiais de regimes totalitários ou pseudodemocráticos, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Aqui pelos trópicos ela chegou a ganhar nomes bem sugestivos, conforma a técnica adotada: pimentinha, tubaína, cadeira do dragão e pau-de-arara, entre outros. Quanto às drogas, seu combate efetivo começou apenas em meados do Século XX. Isso a partir do surgimento de drogas sintéticas, muito poderosas, gerando maior dependência, causando mortes por overdose e sobrecarregando os sistemas de saúde. Assim como devido à organização do tráfico internacional, que se tornou uma estrutura capitalista quase que incontrolável, pela sua dimensão econômica, capilaridade e força armada. Uma verdadeira indústria que chega a ser mais forte do que muitos governos. Deste modo, ambos os temas seguem merecendo atenção, cuidados e debates, porque dizem respeito a cada um de nós.

26.06.2020

“Presa aos 26 anos no DOI-Codi de SP, Amelinha Teles relembra o dia em que o coronel Brilhante Ustra pegou nas mãos de seus dois filhos (de 5 e 4 anos) e os levou até a sala onde ela estava sendo torturada, nua, suja de sangue, vômito e urina, na cadeira do dragão. Na mesma sala estava o marido e pai das crianças, César Teles, recém-saído do estado de coma decorrente de torturas no pau-de-arara”. Descrição feita pelo advogado Jeff Nascimento. A imagem abaixo é ilustrativa.

6 Comentários

  1. E no Brasil…Que tipo de gente pratica e pactua com essas coisas…e parece que a eleição do “coisa ruim” empoderou todos os malucos.

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    1. A loucura e a infâmia acompanham a humanidade há muito tempo. Não é de agora. Mas, sem dúvida, o momento atual no Brasil é especialmente delicado. E muito perigoso. Abraço!

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  2. Dois temas que causam repulsa a qualquer pessoa que tenha o mínimo de bom senso, especialmente a tortura, seja ela física ou psicológica Valeu pelo excelente texto, Solon. Grande abraço…

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  3. Eu não concordo com nenhum tipo de tortura,ainda mais colocando a família pra assistir aquela triste cena.Mas ao mesmo tempo cada dia eu fico mais triste e preocupada com o uso de drogas por jovens que estão se matando lentamente.Triste realidade.

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