Uma mulher negra e pobre, que nasceu em 1918, um ano depois da Revolução Russa e um antes do nascimento do meu pai – nenhum destes dois eventos têm qualquer relação, nem com ela nem entre si, evidentemente. Foi nas Minas Gerais, onde conseguiu concluir apenas aquele ensino básico das escolas públicas de então, antes de migrar com sua família para o Rio de Janeiro. Não era uma pessoa alta, mas também não se poderia chamar de baixinha, com seu 1m63. Entretanto, a vida que Maria do Carmo levou mostrou ser ela gigante.

Sempre gostou de música e costumava cantar as canções de Ataulfo Alves. Isso enquanto cozinhava em casas de famílias da classe média carioca ou lavava roupas para fora. Depois dos 21 anos, conseguiu o seu primeiro emprego com carteira assinada, obviamente como doméstica. Foi na casa de Augusta Jesus Pitta, na Tijuca. Numa das viagens que fazia, entre sua casa e o trabalho, conheceu um motorneiro – para quem não sabe, nome dado a quem conduzia bondes – e, apaixonados, logo se casaram. Assim, ela se tornou a Carminha do João; ele virou o João da Carminha. Mesmo grávida, prosseguiu trabalhando na mesma casa, onde terminou tendo o seu parto. Porém, algum tempo depois, devido a algum desentendimento que nunca ficou claro, ela se demitiu.

Terminou em uma favela, no bairro São Cristóvão, com a família do marido. Só que a antiga patroa um dia foi visitá-la e não gostou do estado em que mãe e filho se encontravam. Convidou que voltassem, o que não foi aceito. Mas, com apenas 25 anos Carminha contraiu tuberculose. Então, com medo que o menino se contagiasse, abriu mão dele e o mandou de volta para Augusta, que agora tinha uma pensão. A ideia era pegar o filho de volta, tão logo se recuperasse, o que tentou fazer outra vez nas Minas Gerais, na casa de sua mãe. Não deu certo: o corpo diminuía em força e tamanho, enquanto as alucinações aumentavam. Foi-se embora em 1944, aos 26 anos. Jovem demais, portanto.

Sem condições de cuidar do menino, devido às condições financeiras precárias e a necessidade de se ausentar, devido ao trabalho, João achou melhor que o filho continuasse com Augusta. Ela, de certa forma, já era uma segunda mãe para ele. Mas, com essas coisas da vida, nunca mais voltou para vê-lo e não se sabe ao certo o que aconteceu. Foi quando uma das filhas da dona da pensão, que estava com 22 anos e estudava piano, resolveu legalizar a situação e adotou o pequeno. Para tanto precisou buscar autorização da sua avó materna, a mãe de Maria do Carmo, que era o único vínculo da família original ainda conhecido. Sem oposição, Lília Silva Campos se tornou mãe de fato e de direito. E, quis o destino, a nova família voltou de certa forma para as origens dele, quando foi morar na cidade mineira de Três Pontas.

O garoto cresceu vendo a mãe adotiva tocar piano em casa. E demonstrou que, como a mãe biológica, ele também tinha gosto pelo canto. De tanto treino, cresceu e começou a cantar em bailes. Destes, ganhou o mundo, literalmente, também como compositor. No começo, era conhecido pelo apelido de Bituca. Depois, ninguém mais deixou de chamá-lo pelo nome: Milton Nascimento. Foi com a composição Maria, Maria que ele homenageou a progenitora com quem conviveu pouco. A quem conheceu mais pelas histórias que dela contavam. O modo pelo qual ficou sabendo que, como ela mostrou na vida breve, é preciso ter força, raça e gana sempre, misturar dor e alegria mesmo quando não se vive e apenas aguenta.

17.05.2024

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O bônus de hoje é Maria, Maria na voz do seu compositor, o mineiro Milton Nascimento.

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