OS LÍDERES DO CAOS – Primeira parte

Os ratos sempre estiveram aqui, no meio de nós. São uma verdadeira praga, que pode transmitir mais de 40 doenças diferentes para os seres humanos. As mais graves talvez sejam leptospirose, peste bubônica, raiva, tifo, hantavirose, triquinose e salmonelose. Mas podem ser ainda incluídas, por desagradáveis, coisas como a sarna e as micoses. Cálculos apontam para a existência de pelo menos três ratos para cada pessoa no planeta, o que significa uma população de 21 bilhões de roedores. O serviço público de saúde da capital paulista estima em 120 milhões os que vivem nas suas redes de esgoto, o que dá a razão de quase dez por um em relação aos paulistanos. E Nova Iorque recentemente criou um serviço especializado apenas para lutar contra esses habitantes que já nem mais conseguem viver tão ocultos quanto antes. O problema é que cada ratazana gesta entre oito e 12 filhotes, podendo se reproduzir de três em três meses.

Outros ratos que brotaram recentemente dos esgotos são bípedes. Mas causam tantas ou mais mortes quanto os anteriormente citados. Estes já haviam vivido na superfície em outros tempos, notadamente nas décadas de 1930 e 1940, quando um esforço global parecia tê-los exterminado. Ledo engano. De uns 20 anos para cá ressurgiram e foram tomando conta de espaços, sem nos darmos conta ou a importância devida. O resultado é que também estão requerendo um esforço coletivo para seu combate, algo que se revela não será nada fácil. Mesmo que se saiba os seus nomes e endereços, eles têm uma rede de proteção que permite sua permanência, além de espraiar a maldade que lhes é inerente. Ou seja, os “ratos mor” também se multiplicam com certa facilidade, passando a receber idolatria e anteparo dos roedores menores.

Citemos alguns deles, sem um critério muito definido de escolha além de sua notoriedade. O rato Viktor Orbán, por exemplo, fez uma aparição anterior à atual, entre 1998 e 2002, quando foi primeiro-ministro em seu país, a Hungria. Voltou em 2010 para o mesmo cargo, onde está até os dias de hoje. Ardiloso e manipulador, ele conseguiu o controle sobre a mídia e sobre o judiciário, tudo com aparência legal, aprovando leis que foram lhe dando poderes cada vez maiores. Lidera um partido feroz, de extrema-direita (Fidesz), e odeia quem mora fora de suas fronteiras e aqueles que não comungam seus pensamentos. Defende a construção de um muro que impeça a entrada de imigrantes. E expulsou do país a Universidade Centro-Europeia, que precisou mudar-se de Budapeste para Viena, na Áustria.

Outro imenso rato se criou na Ucrânia. Seu nome é Oleh Tyahnybok. Este saiu do bueiro no final de 2013, liderando protestos contra o então presidente ucraniano Viktor Yanukovych, que acabou destituído. Foi o que permitiu a chegada ao poder de Volodymyr Zelensky, que teve ainda o apoio dos EUA. Oleh ingressou no partido Svoboda (Liberdade), que tem sua origem no nazifascismo. Se declara desde sempre admirador de Stepan Bandera, um compatriota seu que atuou como colaborador direto de Hitler. Ele é antissemita e afirma, no melhor estilo das teorias da conspiração que são espalhadas pela internet, que existe um “plano judaico-russo” para dominação mundial. Apoiava a eliminação sumária de ucranianos pró-russos, nas regiões de Donbass e de Donetsk, onde mais de 14 mil pessoas foram assassinadas antes da guerra, por milícias e grupos paramilitares. Esse se tornou, ao lado dos riscos oferecidos pelas bases da OTAN, um dos dois motivos para a invasão promovida pela Rússia.

Um terceiro rato, do qual se ouve falar há mais tempo no Brasil, se chama Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense desde 2009. Líder do partido ultraconservador chamado Likud (União), é o maior opositor da proposta de criação de um estado palestino, única alternativa para que a paz de fato ocorra na região. Apenas em 2014, em uma das tantas ofensivas que costuma determinar que ocorram em Gaza, morreram mais de dois mil “inimigos” seus, sendo pelo menos 500 crianças. Seu governo chegou a bombardear um hospital da ONU. Mantém uma política de ampliação de colônias israelenses no território palestino, contra todas as advertências e apelos internacionais. Foi indiciado por corrupção e fraude, em virtude de benefícios que deu a empresários em troca de propina. Será candidato nas eleições marcadas para setembro e, como principal promessa de campanha, está dizendo que atacará militarmente a Cisjordânia, em caso de vitória.

Para mostrar que não existe restrição de gênero – apesar dos homens todos envolvidos nisso serem misóginos –, há também ratazanas neste grupo. Marine Le Pen é a líder do partido Frente Nacional, da França. Ela é uma das figuras de expressão na “nova direita” europeia. Rígida, é tão extremista quanto seu pai também político, que afirmou em 2015 que as câmaras de gás utilizadas pelos nazistas no holocausto tinham sido apenas um “detalhe” sem real importância. Le Pen quase venceu as eleições presidenciais em 2017, quando chegou ao segundo turno e acabou derrotada por Emmanuel Macron.

Citemos mais alguns, brevemente: Matteo Salvini é o principal líder do Lega (Liga), partido contra a imigração e de estrutura neonazista. Foi autor de um tuíte com slogan de Mussolini, no aniversário do ditador. Se recusou a participar das comemorações da derrota do nazifascismo e também negou a entrada de navios com imigrantes, quando era ministro do Interior. Ainda na Itália temos Giorgia Meloni, que começou sua carreira em movimento estudantil que tinha como símbolo uma cruz celta, o mesmo do movimento supremacista branco. Ex-deputada e ministra no governo de Sílvio Berlusconi, defende uma direita que chama de “pura e dura”. Atual primeira-ministra, chegou ao posto usando em sua campanha o lema “Deus, Pátria e Família”.

A lista está longe do fim, o que me obriga a antecipar que a próxima crônica dará continuidade na sistematização do nome destes “líderes do caos”. Não importa que pelagem eles tenham, em que ponto do planeta estão agindo: conhecer um pouco mais de cada um deles é o primeiro passo para que se identifique e trate as doenças altamente contagiosas que eles têm transmitido. Isso tem que ser feito com urgência, antes que a epidemia fique incontrolável.

08.05.2023

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O bônus musical de hoje é o rock dos Titãs, Bichos Escrotos. Nesta gravação, feita ao vivo em São Paulo, temos Nando Reis e Arnaldo Antunes.

SONATA AO LUAR

É difícil ouvir essa música sem se emocionar. Composta em 1801, quando seu autor estava com 31 anos, ela foi uma das composições mais populares da sua época. Ele havia terminado alguns trabalhos para os quais fora contratado, quando teve essa inspiração. Para nossa sorte. Falo da Sonata para Piano nº 14 em Dó sustenido menor, Op. 27 nº 2, de Ludwig van Beethoven. Ele a denominou de Quasi una Fantasia, tendo logo depois a dedicado para uma de suas pupilas, a Condessa Giulietta Guicciardi. Por causa disso, por muito tempo os historiadores pensaram ter sido ela a misteriosa “Amada Imortal” – mulher desconhecida a quem teria endereçado uma carta de amor. Mas o nome que imortalizou a música foi outro, dado cinco anos após a morte do autor, pelo crítico musical e poeta alemão Ludwig Rellstab. Em texto de 1832 ele a comparou com um luar sendo refletido no Lago Lucerna, tal seu brilho e suavidade. Foi assim que Mondscheinsonate (Sonata ao Luar) se tornou ainda mais admirada.

Um ano depois de compor Sonata, Beethoven produziu o chamado Testamento de Heiligenstadt, um documento no qual se dirigia ao irmão revelando o devastador impacto que a surdez crescente estava trazendo para sua vida. Ela foi decorrente de quatro anos nos quais ele enfrentou calado a doença conhecida como tinnitus, que produz um zumbido nos ouvidos, de forma intermitente e cada vez mais intenso. Isso impedia, por exemplo, que ele discernisse as notas mais agudas. Ao sofrimento físico somava-se o psicológico, pois ele tinha certeza de que isso iria encerrar sua carreira brilhante, de principal pianista de Viena. Talvez por essa razão seja identificado por muitas pessoas um tom introspectivo e quase fúnebre nessa música, uma vez que seu estado de espírito estava sem dúvida alguma alterado. Eu prefiro admitir a introspecção, mas mantenho a mesma ideia de Rellstab, que identificou nela também um tom de extrema sensibilidade. Pouco importa se a beleza for triste: nos toca do mesmo modo.

São três os movimentos da Sonata ao Luar. Naquela época era comum que eles tivessem uma sequência rápido-lento-rápido. Mas ele tratou de surpreender abrindo de forma muito lenta, quase hipnótica. Essa é a parte mais conhecida de toda a obra e hoje em dia é tocada muitas vezes sem as demais, como sendo única e tendo vida própria. Outra decisão surpreendente dele foi colocar, no início da partitura, uma indicação de “senza surdina”. Ou seja, sem o pedal direito. Pretendia que todo o movimento fosse conduzido com ele abaixado. Isso é impossível de ser feito com os pianos modernos, o que cria dissonâncias que não eram desejadas por ele. Assim, isso serve apenas como parâmetro para o modo de interpretação. O segundo movimento altera tudo, utilizando mudanças rítmicas que a tornam alegre e muito mais leve. E o terceiro, o mais extenso de todos, adquire tom dramático.

Moonlight Sonata, assim mesmo, em inglês, foi incluída inúmeras vezes em trilhas de filmes produzidos nos EUA e na Europa, ao longo dos anos. Isso ajudou a torná-la mais popular, uma vez que assim foi levada ao conhecimento de outro público. Podem ser citados como exemplos Rosa de Luxemburgo (1986), de Margarethe von Trotta; Sid & Nancy (1986), de Alex Cox – esse sobre a vida de Sid Vicious, do The Sex Pistols; Entrevista com o Vampiro (1994), de Neil Jordan; e O Pianista (2002), de Roman Polanski; entre vários outros.

Ludwig van Beethoven (1770-1827) foi um compositor e pianista alemão, sendo reconhecido com um dos pilares da transição entre o classicismo e o romantismo. Ele era notável tanto na linguagem quanto no conteúdo de suas produções musicais. Não por acaso se tornou um dos mais respeitados e influentes na história da música ocidental. Sabe-se que ele nunca teve estudos mais aprofundados, apesar de ter começado a tocar cravo com apenas oito anos de idade, quando foi confiado ao melhor mestre desse instrumento na sua cidade: Christian Gottlob (1748-1798). Ao longo da vida produziu nove sinfonias, pelo menos sete concertos, dezenas de sonatas, algumas missas, aberturas e óperas. Nos deixou aos 56 anos. Pelo menos dois filmes são recomendados para quem deseje conhecer mais detalhes de sua história: Minha Amada Imortal (1994), estrelado por Gary Oldman; e O Segredo de Beethoven (2007), estrelado por Ed Harris. Ambos são relatos da vida do compositor.

20.02.2022

Capa da partitura original de Sonata ao Luar

O bônus musical óbvio de hoje é Sonata ao Luar. Os instrumentistas são a pianista Lola Astanova, do Uzbequistão – ela é conhecida também como uma grande intérprete de composições de Chopin, Rachmaninoff e Liszt, além das transições e performances visuais – e Stjepan Hauser, um violoncelista croata. Depois do clipe, que mostra o primeiro movimento da música famosa, ofereço também áudios separados dos três movimentos que a compõem. (1. Adagio sostenutto – 2. Alegretto – 3. Presto aditato)

Stjepan Hauser e Lola Astanova

A sugestão de leitura de hoje é o livro Como Ouvir e Entender Música, de Aaron Copland. O autor pretende conduzir o ouvinte para uma audição inteligente, na qual deixe de ser um elemento passivo para tornar-se alguém que estabelece um diálogo com a música. Para isso, discute os problemas básicos do ouvinte comum, esclarecendo os elementos (ritmo, melodia, harmonia e timbre), as formas e as estruturas musicais. Esta edição traz acesso a um conteúdo digital exclusivo, com a gravação de cada exemplo. Para ter acesso e decidir pela aquisição da obra, basta clicar sobre a capa acima. Se a compra for feita através desse link, o blog será comissionado.