JOIAS QUE VALEM MUITO, GENTE QUE VALE NADA
Está na hora de cessarem o uso de meias palavras e o recurso de botar panos quentes: basta uma investigação mediana e será confirmado que os “presentes” enviados para Jair e Michelle Bolsonaro – o agora famoso caso das joias apreendidas pela alfândega – na verdade não passavam de propina. Vamos comparar as datas de dois eventos e isso fica claro. Não deu 30 dias entre a chegada da comitiva brasileira que trouxe a tal muamba e a data da oficialização da venda da Refinaria Landulpho Alves, localizada em São Francisco do Conde, na Bahia, para o fundo de investimentos Mubadala Capital, que tem sede nos Emirados Árabes.
A decisão de vender a refinaria foi tomada pelo governo Bolsonaro, mesmo com os pareceres contrários e os alertas dados por profissionais do setor e diversas organizações, que apontavam grande desvantagem econômica e competitiva para o país, caso o negócio fosse concretizado. Pior do que a venda ter sido mantida, ela terminou sendo feita por um valor muitíssimo abaixo daquele das avaliações feitas. O Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) calculou como preço justo algo que girasse entre três e quatro bilhões de dólares. Ela foi arrematada por US$ 1,65 bilhão. Ou seja, alguém lucrou e muito com isso, mas não a Petrobras nem o povo brasileiro.
As joias foram entregues em mãos pelo príncipe Abdulaziz Bin Salman Al Saud, ministro de Energia do reino da Arábia Saudita, país vizinho aos Emirados Árabes, ao ministro de Minas e Energia brasileiro de então, o almirante Bento Albuquerque – isso mesmo: mais um fardado. Se deu quando uma comitiva brasileira visitava aquele país, ainda tratando de negócios. Bolsonaristas questionam existir ligação entre os fatos, uma vez que o “presente” teria sido dado por membros do governo saudita e não dos Emirados. Mas o Mubadala Capital, apesar de ser controlado pelo fundo soberano de Abu Dhabi, conta também com vários outros investidores, com aportes significativos vindos de outras nações árabes.
Mas, tudo bem: vamos considerar ser “coincidência”, uma vez que os árabes têm mesmo o hábito de presentear visitantes com objetos caros, especialmente para governantes que eles desejam agradar. Só que mesmo eles, com sua opulência e extravagância conhecidas, não vão assim tão longe, em termos de valores. A título de comparação, até então os presentes mais caros dados por eles foram um quadro para George Bush, em 2003, avaliado em US$ 1 milhão; e em segundo lugar joias dadas para a esposa de John Kerry, quando esse era responsável pela diplomacia norte-americana, no valor de US$ 780 mil. Uma outra Michelle, de sobrenome Obama, recebeu pouco mais de US$ 1 milhão, mas foram em duas ocasiões distintas, sendo essa a soma de ambas. Mais grave é que o total destinado para Bolsonaro e Michele não se resumia ao que a Receita Federal apreendeu em Guarulhos, que ultrapassaria R$ 16 milhões. O exame das bagagens ocorreu por amostragem. Foi confirmado, inclusive pelo próprio ex-presidente, que um outro assessor conseguiu passar com itens que foram entregues a ele.
Os muitos diamantes que compõem colar e brincos michelianos têm entre três e cinco quilates cada um. Sendo assim, a imprensa está divulgando um valor de avaliação que está errado, sendo na realidade muito maior. Ou seja, a soma do valor de cada um destes diamantes resulta em algo que vai além daquilo que afirmaram ser o das joias. E aqui temos que considerar ainda outro fator que segue passando batido. O gosto do conjunto é mesmo muito duvidoso, não havendo como agregar mais nada ao preço final pelo trabalho artístico. Ele não condiz com a capacidade conhecida da casa joalheira: está bem pobre a ourivesaria. Então, fica evidente que o objetivo não era para eles serem usados e sim desmontados. Diamantes são sempre uma forma fácil de transferir recursos financeiros ilegalmente, porque o seu tamanho facilita muito o transporte e porque o mercado rapidamente o transforma em moeda corrente. Especialistas afirmam que falar em cinco milhões de Euros, neste caso, seria mais apropriado, se considerarmos o número de diamantes. Ou seja, não seriam os R$ 16,5 milhões divulgados e sim algo perto de R$ 30 milhões.
Imaginem que coisa incrível: um “presentinho oficial”, com um valor de fato exorbitante, mas que veio mal acomodado, praticamente escondido em uma mochila. Foi guardado nela com tamanho descuido que uma estatueta de cavalo dourado, que em momento algum foi avaliada na cobertura da imprensa, teve as suas patas quebradas. Ela se somava ao colar, aos brincos e outros itens menores. Quem trazia a mochila nas costas, displicentemente, como se nela estivessem os livros que um filho havia levado para a escola, era um dos assessores do ministro Bento Albuquerque, de nome Marcos André Soeiro – outro militar. O objetivo evidente era passar sem a declaração de bens. O que quase deu certo, não fosse o cuidado profissional de um dos auditores que trabalha no aeroporto, sendo zeloso com seus deveres.
Vamos agora fazer outra comparação entre números e valores. Os presentes recebidos por Lula no exterior, ou que foram depois a ele encaminhados, durante seus dois primeiros mandatos, somavam 568 itens incorporados ao chamado acervo pessoal. Desses, 559 terminaram por ser também transferidos ao patrimônio da União. Os outros nove, avaliados em R$ 11.748,40, foram extraviados. Eram eles uma cuia e bomba de chimarrão trabalhadas em prata e bronze; um porta-retratos; duas esculturas de madeira em forma de pássaro; um cartaz impresso com o Santo Sudário; uma garrafa de licor, em cristal, com tampa e gargalo em prata; uma espada com punho e bainha em madeira escura, uma escultura em bronze, com mulher apoiada em bicicleta e uma peça mostrando músicos ao redor de uma mesa. Então, o ex e atual presidente pagou, do seu bolso e em dez parcelas iguais, esse valor.
Entrevista concedida por Bolsonaro e que foi reproduzida em programa do ICL Notícias, comentando o caso, foi fantástica. Traído por um ato falho, a primeira frase que ele disse, tentando se defender de quaisquer acusações, foi “eu estava no Brasil quando esse presente foi acertado lá nos Emirados Árabes”. Ora, o recebimento ocorreu na Arábia Saudita e presente a gente não “acerta”, apenas se recebe. O que se acerta é propina, quando desonestidade é regra.
A grande questão é que tentaram entrar com as joias e os outros bens sem que nada fosse declarado – a legislação brasileira obriga declarar qualquer bem avaliado em mais de mil dólares na chegada ao país. Ou seja, não iriam ficar no acervo da presidência da República, sendo propriedade de todo o povo brasileiro. Isso seria sem dúvida incorporado ao patrimônio da “famíglia”. É tão verdadeira essa hipótese que, desde a apreensão, foram nada menos do que oito as tentativas de resgate do colar e dos brincos, mas todas elas via “carteiraço”, sem a comunicação de que os itens se tornariam propriedade estatal. Ocorreram pressões por ofício do gabinete presidencial, por parte de mais de um ministério e pelo Itamaraty.
A derradeira foi ao apagar das luzes do governo anterior, com o sargento da Marinha, Jairo Moreira da Silva, indo de Brasília para Guarulhos em avião da FAB com essa missão exclusiva, dia 28 de dezembro de 2022. Seu argumento é que não poderia “ficar nada para o governo seguinte”, mas mesmo assim foi mantida a apreensão. Convém se acrescentar que no dia seguinte, 29 de dezembro, outro avião da FAB levou Bolsonaro, com familiares e assessores, para os EUA – está lá até agora. E esse voo fez uma parada estratégica em Porto Velho, capital de Rondônia, para onde são levadas as pepitas de ouro ilegalmente retiradas das terras dos índios Yanomamis.
A antiga Landulpho Alves, rebatizada de Refinaria Mataripe, desde maio do ano passado vem sendo investigada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que apura prática de discriminação de preços de venda da gasolina e do diesel. Desde que foi privatizada, a empresa vende combustíveis em média 6,4% mais caros, considerado o preço praticado pela Petrobras. Além disso, em evidente abuso do poder econômico, oferece o mesmo combustível mais caro na Bahia do que em outros estados, como Alagoas, Maranhão e Amazonas, com diferenças de até R$ 0,30 por litro. Essa discriminação de preços é vedada, uma vez que por lei um consumidor não pode pagar a mais do que outro pelo mesmo produto. Este sobrepreço está garantindo que boa parte de nós, brasileiros – aliás, justo moradores do Estado onde ocorreu uma das mais estrondosas derrotas de Bolsonaro nas urnas –, termine por pagar o custo dos presentinhos. Até a propina cairá nas nossas costas.
10.03.2023

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