ESTAMOS COMENDO MENOS FEIJÃO

A questão está também relacionada com os preços, mas passam longe disso as razões principais. O fato incontestável é que o povo brasileiro está comendo cada vez menos feijão. Estimativas apontam, considerada a tendência verificada nos últimos anos, para que no máximo em 2025 ele deixe de ser consumido de forma regular. E quem está afirmando isso são integrantes do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. O que antes aparecia no prato da maioria das pessoas entre cinco e sete dias a cada semana, só deverá comparecer entre um e quatro deles. O problema maior é que ele está sendo substituído por alternativas bem pouco saudáveis. Mudanças culturais e avanço constante de alimentos ultraprocessados são dois motivos muito preocupantes, justificando essa alteração nos hábitos, que está afastando o maior símbolo da nossa culinária.

Ainda antes que os brancos europeus chegassem ao Brasil, esse grão já era conhecido e consumido aqui, pelos povos originais. Só que eles o comiam sem caldo, que foi acrescentado pelos portugueses. E fizeram isso devido ao fato de que, para o seu paladar, a comida nativa era muito seca. Depois, os negros escravizados trazidos da África acrescentaram também a sua contribuição, temperando o prato ao seu modo. A feijoada é obra deles, por exemplo. De qualquer modo, se percebe que esse prato nasceu miscigenado, o que lhe atribui também importância social e histórica, além da nutricional. E foi nos anos 1920, durante o Modernismo Brasileiro que foi adicionado um fator simbólico à receita. Assim é que ele assumiu uma posição identitária nacional.

O feijão então habitou não apenas as panelas de ferro e os pratos dos mais variados materiais. Ocupou espaço então na poesia e na música popular. Vinícius de Moraes, em seu “Feijoada à Minha Moda”, descreve com cuidado: “Em atenção ao adiantado/ Da hora em que abrimos o olho/ O feijão deve, já catado/ Nos esperar, feliz, de molho./ E a cozinheira, por respeito/ À nossa mestria na arte/ Já deve ter tacado peito/ E preparado e posto à parte./ Os elementos componentes/ De um saboroso refogado/ Tais: cebolas, tomates, dentes/ De alho – e o que mais for azado.” João Cabral de Melo Neto nos presenteou com um meta-poema chamado “Catar Feijão”. Nele o referente é um ato comum, cotidiano, onde o escolher é tão necessário quanto o cuidado para se colocar palavras numa folha de papel. Chico Buarque de Holanda se esbaldou com “Feijoada Completa”, onde lista ingredientes, incluindo torresmo, linguiça, laranja-Bahia ou seleta, farofa, pimenta, carne seca, toucinho e couve-mineira, todos eles acompanhando o astro principal, que é o feijão. A propósito: azado significa oportuno.

Também temos Jorginho do Império, que mostra o quanto se pode ser acolhedor e capaz de receber mais alguém à mesa, mesmo que chegue sem avisar, bastando para tanto que se coloque mais “Água no Feijão”.  Depois, fecho essa série de exemplos com Paulo César Pinheiro e sua letra de “Tô Voltando”, onde pede uma série de providências para sua mulher, mas à saudade dela se soma também a de um belo prato de feijão: Pode ir armando o coreto/ E preparando aquele feijão preto./ Tô voltando./ Põe meia dúzia de Brahma pra gelar/ Muda a roupa de cama./ Eu tô voltando./ Faz um cabelo bonito pra eu notar/ Que eu só quero mesmo é despentear./ Quero te agarrar/. Pode se preparar/ Porque eu tô voltando”.

O valor nutricional do feijão – ou dos feijões, porque existem pelo menos 150 variedades deles em todo o mundo, segundo a FAO – é de fato muito significativo. Uma concha média do mais consumido em nosso país, que é o carioca, sendo composta meio a meio entre grãos e caldo, oferece 70 calorias, 4,8 gramas de proteínas vegetais, 8,2 gramas de carboidratos e 7,0 gramas de fibras. Isso tudo, além de vitaminas do complexo B, ferro, cálcio, potássio e fósforo. Seu casamento com o arroz branco é perfeito, oferecendo saciedade e ajudando a controlar o risco da pessoa se tornar obesa.

Nos últimos anos, a safra nacional vem caindo, do mesmo modo que a área plantada. Efeitos climáticos, assim como a falta de uma política de incentivo, têm contribuído para o desinteresse dos produtores. Com a redução da oferta, aumenta o preço o que, por sua vez, desestimula o consumo. Completa o quadro a vontade política manifestada nos últimos quatro anos, quando o governo se preocupou apenas em atender o agronegócio voltado para o modelo exportador, em especial de soja e milho. Assim, enquanto esse olhar ajudava a engordar muito as contas bancárias de um pequeno e seleto grupo, empobrecia a alimentação do povo brasileiro, que terminava também engordando, não em cifrões, mas em quilogramas.

17.03.2023

Existem cerca de 150 variedades de feijões no mundo todo

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No bônus de hoje, a música icônica de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, Tô Voltando. Ele se transformou mais tarde num hino da resistência contra a ditadura militar, na luta pela liberdade em nosso país. Foi também muito cantada no período entre a eleição de Lula presidente, em outubro do ano passado, e a sua posse em 1º de janeiro deste ano. No clipe, uma rara conjunção entre Anitta, Arnaldo Antunes e Arlindo Cruz, em gravação de sete anos atrás.

ROGAI POR NÓS

Em homenagem e respeito aos milhões de brasileiros que ingressaram no mapa da fome – ou voltaram para ele, depois de sentirem o gostinho de terem sido afastados da miséria – o artigo de hoje, pela primeira vez na história desse blog, abordará um tema eminentemente culinário, mesmo que de forma indireta. Mas, para fazer jus à tradição acumulada nesses dezenove meses de atividade, irá associar suas “dicas alimentícias” com o necessário protesto contra esse desgoverno que segue sendo omisso quando tem que agir, e age mal quando tenta fazer alguma coisa.

O que vou lembrar é a possibilidade do uso de uma planta, que não por acaso é conhecida como “bife dos pobres”. Apesar de ter seu uso ligado à ornamentação, seu alto teor em proteínas recomenda e permite que também se faça uso dela para reforço alimentar. Me refiro à dádiva que pode ser a Ora-Pro-Nobis (Rogai Por Nós), planta que é originária aqui mesmo do continente americano. Ela pode, com uma vantagem relativa, substituir os ossos que estavam sendo recolhidos – e agora precisam ser comprados, graças à falta de caridade típica do capitalismo – nos açougues, bem como os pés de galinha, que restaram para aplacar o desespero de quem está sendo encurralado pela fome, em nosso país. Isso apesar de não ser recomendável que a planta se torne a única fonte proteica para as pessoas.

Seu nome científico é Pereskia aculeata.  E o seu “nome leigo” foi dado em latim, segundo consta, nas Minas Gerais. Isso porque, muitos anos atrás, pessoas a colhiam do quintal de uma casa paroquial, enquanto o padre estava fazendo suas orações naquele idioma, que era adotado no passado pela igreja católica para suas celebrações. Mesmo sendo conhecida e muito usada na culinária, especialmente a mineira, acabou perdendo espaço quando a indústria de alimentos nos afastou daquilo que a Rita Lobo, em seu programa no canal GNT, chama de “comida de verdade”. Hoje em dia ela está sendo redescoberta, juntamente com outras plantas alimentícias não convencionais. O grupo tem até uma sigla para sua identificação, PANCS. E quem tem feito isso com sucesso são pessoas ligadas ao veganismo.

Isso posto, vamos agora aos benefícios que divulgam ser trazidos pelo seu consumo, além de algumas dicas de uso da ora-pro-nóbis. Rica em fibras e em vitaminas A e C, cem gramas de suas folhas já garantem as necessidades diárias de um adulto. Ela promove saciedade e facilita o fluxo digestivo. Usada como chá feito das folhas, tem função depurativa e combate processos inflamatórios, tais como úlceras e cistite, além de auxiliar no tratamento de varizes. Tem ainda alta quantidade de ferro, cálcio e ácido fólico. Como se tudo isso não bastasse, 25% da sua composição é proteína.

Com sabor leve e neutro – não é picante, nem amarga e nem ácida, sendo ainda macia e fácil de mastigar –, pode ser consumida in natura. Ou ainda como ingrediente em refogados; substituindo espinafre ou couve em receitas; em tortas salgadas, omeletes, sopas e em sucos verdes. Nesse último caso, usar apenas as folhas, uma vez que seu caule é espinhento. Por enquanto, o maior problema é encontrar a planta. Não sendo ainda um produto convencional, se torna difícil encontrar em mercados. Melhor procurar em feiras orgânicas. Achando, basta estabelecer com o produtor um contato que facilite a compra frequente. Depois, torça para que as grandes redes de supermercado não descubram isso e cresçam o olho. Porque, caso isso aconteça, vai ficar mais caro, pode ter certeza.

18.11.2021

Obs.: A Ora-Pro-Nobis é tóxica para gatos. Portanto, requer cuidado ao ser guardada ou plantada em casas que possuam esse bicho de estimação.

A Embrapa orienta quem deseja produzir a planta

Nossos bônus de hoje são a música Vegan Myths Dekunked (Mitos Veganos Desmentidos), com Jonathan Mann e Ivory King. Na época da gravação eles formavam um casal, sendo de Williamsburg, no Booklyn.

Depois temos Comida, num vídeo clip reunindo Titãs e Elza Soares.